Celebrar a cidade através das artes nos Jardins Efémeros

Pensar a cidade com exposições em lugares inesperados, um simpósio internacional de som ou concertos excelentes, como foram os de sexta e sábado de Nils Frahm ou Bruno Pernadas. São os Jardins Efémeros de Viseu. Começaram na última sexta-feira. Terminam no próximo domingo.

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A exposição com curadoria de Miguel Von Hafe Pérez Eduardo Matos
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O concerto do músico alemão Nils Frahm Fernando Carqueja
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O concerto do músico alemão Nils Frahm Fernando Carqueja
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Concerto de Bruno Pernadas dr
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O Casulo dr

No final o bispo de Viseu D. Ilídio Leandro levantou-se do lugar e dirigiu-se ao músico alemão Nils Frahm agradecendo-lhe com fervor o magnífico concerto que tinha acabado de proporcionar no espaço da Sé, perante um público em êxtase que esgotou a catedral. Foi este sábado à noite no Jardins Efémeros, um acontecimento multidisciplinar que acontece pela quarta vez em Viseu, e que se distingue cada vez mais pela singularidade, exigência e qualidade.

O concerto do virtuoso dos teclados foi o momento mais congregador até agora do evento (que teve início sexta-feira e se prolonga até ao próximo domingo) mas está longe de ser o único destaque de algo que não quer cingir apenas o seu impacto aos dias em que ocorre. Quer contaminar, inquietar e mostrar que há mais mundo para lá do que estamos habituados a viver. Ou como diria Sandra Oliveira, a dinamizadora: “esperança é uma palavra da qual não abdicamos.”

Ao longo de quatro anos o Jardins Efémeros foi crescendo sustentadamente e hoje já constitui exemplo de como ocupar espaços devolutos do centro histórico das cidades, através da cultura, conquistando não só os mais exigentes, como a população em geral. A programação tem em conta a experimentação e novas linguagens artísticas, criando pontes entre Viseu e o mundo, mas também o contexto onde se situa, a história, as pessoas e a vivência da cidade.

“Nunca vi tanta gente à porta da igreja” dizia alguém na sexta-feira à noite, quando uma pequena multidão se aglomerou à entrada igreja da Misericórdia, para assistir ao concerto do alemão Robert Henke, ou seja Monolake, um dos mais conceituados alquimistas electrónicos. O alemão preparou uma sessão singular para Ableton (instrumento pelo qual é reconhecido) e órgão de igreja, tocado pela alemã Susanne Kirchmayr (Electric Indigo), perante uma assistência que se deixou submergir pela solenidade do lugar e pelo som ambiental.

 Na noite de sábado, no mesmo lugar, Orla Wren, ou seja Tui, também apresentou um concerto original com imagens projectadas no interior de uma estrutura criada pelo artista em Viseu. E também única foi a performance vocal e visual do artista grego Mikhail Karikis (com colaboração do poeta Daniel Jonas) no magnífico espaço do claustro do Museu Grão Vasco, onde as noites acabam em festa com sessões DJ – na sexta foi Paulo Furtado e sábado Electric Indigo.

Ou seja, há lugar para linguagens contemporâneas exploratórias e novas perspectivas na interpretação das cidades e do mundo. Mas também há mercados, oficinas ou debates, fazendo participar a população numa dinâmica que congrega arquitectura, cinema, artes visuais, música, som, dança, ciência ou cidadania. Tudo a acontecer no centro histórico, num ambiente descontraído e salutar.

Para as três centenas de artistas, investigadores, curadores ou arquitectos envolvidos no acontecimento o desafio era pensarem Para Lá do Visível. Nesse contexto artistas sonoros como o grego Mikhail Karikis e os portugueses Pedro Tudela, Miguel Carvalhais e Vítor Joaquim ou os alemães Hands on Sound criaram peças de arte sonora para o museu Grão Vasco, enquanto Pedro Rebelo e Ricardo Jacinto desenvolveram a instalação sonora Mesas, numa das artérias mais conhecidas, a rua Direita, colocando vários tipos de mesas suspensas ao longo da rua, revelando memórias sonoras.

Nos lugares mais inusitados é possível ver exposições. Por exemplo, nos três pisos da casa Farmácia Pinto, há desenhos e fotografia de Paula Magalhães e Nicolau Tudela, ou textos, imagens de sons de Isabel Nogueira e Paulo Furtado, enquanto o magnífico espaço do antigo edifício do Orfeão é ocupado por uma exposição colectiva (André Cepeda, Miguel Palma, Gustavo Sumpta, Ghuna X, Rodrigo Areias ou Eduarto Matos), com curadoria de Miguel Von Hafe Pérez.

Descobrem-se espaços. Discute-se os centros das cidades e as reabilitações. Promove-se a cooperação. Como na feitura de Casulo, peça arquitectónica que nasceu a partir do arquitecto Álvaro Pereira e de centenas de pessoas de várias instituições da cidade, que conceberam um casulo de 14 metros de comprimento, feito de dez mil corações de origami, unidos por 500m de ferro e 1, 5km de lã. Uma peça visível por dentro e fora. A ideia, segundo Pereira, é mostrar que podem acontecer metamorfoses dentro das pessoas.

A música ao vivo começou, em grande, na sexta, com Bruno Pernadas e o seu colectivo, apresentando aquele que é um dos grandes álbuns deste ano, How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge?, tratado de como conciliar diversos géneros (jazz, pop, rock, electrónicas ou psicadelismos), em momentos instrumentais de transe absoluto ou em canções oníricas de envolvimento sonhador.

Depois de um concerto excelente, em Lisboa, em Abril, no teatro Maria Matos, foi a segunda vez que Pernadas se apresentou em palco e o mínimo que se pode desejar é que o faça mais vezes. Esta música merece ser desfrutada ao vivo. De preferência, como em Viseu, ao luar, com calor e com a surpresa estampada no rosto de quem, pela primeira vez, tomava contacto com aquela sonoridade caleidoscópica.

Mas o grande momento foi proporcionado por Nils Frahm. Com o monumental espaço da Sé de Viseu repleto – muitas pessoas não entraram – numa prova que o acontecimento já chama imensa gente de Lisboa e Porto. Tínhamo-lo visto há um mês no festival Sónar de Barcelona, mas assistir a uma performance para piano e teclados do alemão constituiu sempre uma revelação. Os telemóveis podem tocar ou disparar na sua direcção, mas tudo parece integrado na música hipnótica e encantatória, com ele, por vezes, recolhido e lírico, outras atacando o piano como se fosse um instrumento de percussão.

No final agradeceu ao bispo tê-lo recebido na sua casa e este retribuiu. E ambos devem estar agradecidos aos Jardins Efémeros por ter mostrado que pessoas de congregações muito diferentes se podem unir à volta da música, das artes, da cultura, da esperança. Até dia 20 ainda há muito ainda para ver e ouvir em Viseu com Dead Combo, Paus, Francisco López, Norberto Lobo ou Rauelsson.

 

 

 

 

 

 

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