Polícia Científica da PJ, o “CSI” português, quer levar menos tempo a fazer perícias

É necessário apostar mais nas perícias informáticas e estudar o impacto da ciência forense no sistema judicial, defende o director do Laboratório de Polícia Científica da PJ. Reconhecimento facial e da íris poderá integrar nova base de dados.

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Caso está nas mãos da PJ Pedro Cunha/Arquivo

Antes de séries como o CSI, a preocupação de alguns vizinhos e jornalistas era saber se passavam por baixo ou por cima da fita que delimitava locais de crimes. Agora há mais consciência acerca da importância de preservar o espaço para recolha de vestígios, e a série televisiva tem mérito nisso. O exemplo foi dado pelo director do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, Carlos Farinha, à margem da sua intervenção na conferência internacional CSI-Lab Mitos e Desafios, que decorreu nesta quinta-feira em Lisboa. Esta Polícia Científica, que recebe cerca de 2000 pedidos por mês, quer encurtar mais o tempo de resposta aos pedidos e chegar ao fim do ano sem perícias que demorem mais de 60 dias a realizar.

Fatos, luvas e óculos para recolher salpicos de sangue. Exames à caligrafia, a balas. Tudo isso é verdade, acontece em Portugal. O que não corresponde à realidade é o tempo em que decorrem as perícias na televisão e a existência de bases de dados com informações sobre a vida toda dos cidadãos. Na realidade, há perícias instantâneas e outras que podem demorar meses. “As coisas têm uma morosidade necessária. A celeridade não pode tornar-se em precipitação. Nós não fazemos sair nenhum relatório pericial sem o chamado double checking, sem haver uma validação. Passa por mais do que uma pessoa, nalguns casos por três”, explica Carlos Farinha. Mesmo assim, a ideia é encurtar o tempo de resposta: “Temos como objectivo nosso, interno, chegar ao final deste ano de 2014 sem perícias que ultrapassem os 60 dias.”

Para este director, não “é desejável” que haja um “tempo imediato de resposta”, nem bases de dados como as do CSI: “Para essa informação estar disponível e surgir na sequência de uma intervenção pericial, tinha de estar toda tratada. Para isso, qualquer passo do nosso dia-a-dia tinha de estar a ser tratado em bases de dados. A limitação da liberdade em ordem de uma eficácia era absolutamente intolerável.”

Do ponto de vista “técnico-científico”, a série televisiva assenta em “princípios e regras correctos”: “Um cabelo pode permitir identificar um ADN, mas não permite sempre, às vezes não se consegue. Um pingo de sangue pode permitir saber qual a direcção em que foi produzido, mas às vezes não permite. As séries apresentam-nos todo o 'possível' como 'garantido'. E a possibilidade não corresponde à garantia. Às vezes consegue-se, outras não”, explica. No que toca a “alta tecnologia, mais pesada”, a diferença é que, por exemplo, nos Estados Unidos haverá “cinco” equipamentos e em Portugal apenas “um”.

Mais trabalho para fora
São peritos com diferentes formações que trabalham no laboratório da Polícia Científica. Debruçam-se sobre balística, biologia, toxicologia, química, física, resíduos de disparo, documentos, escrita manual, notas, sangue, saliva, cabelos, esperma, suor, inflamáveis, explosivos, sprays

Nos crimes da competência da PJ, o trabalho começa fora do laboratório. Vão até ao local do crime, recolhem os elementos. Neste caso, em causa estão, entre outros, homicídios, crimes sexuais, tráfico. Nos crimes da competência da GNR, PSP ou de outras polícias são elas que recolhem os vestígios, enviados depois para análise. O pedido também pode ser feito, por exemplo, por um magistrado. “No ano passado, trabalhámos 57% para fora da PJ e 43% para a PJ”, diz Carlos Farinha. Estes números significam que há “uma massificação, um aumento” dos pedidos: “Há um recurso cada vez mais consciente à ciência forense para apoiar a Justiça.” Deve-se a um certo deslumbramento com a ciência, mas também ao próprio avanço científico.

Uma das áreas em que é preciso apostar é na perícia informática: “Na alta tecnologia ainda não estamos suficientemente desenvolvidos, mas iremos estar a médio prazo. Estamos a falar de perícias informáticas, de perícias de alta tecnologia, de som, de imagem. Perícia informática é saber se um computador emitiu determinada mensagem ou saber se o computador tem lá um conteúdo que possa servir de prova de que aquela pessoa fez uma fraude”, explica. Porém, como é intenção da PJ “criar uma unidade no âmbito do combate ao cibercrime”, Carlos Farinha acredita que, por arrasto, “virá a capacidade pericial acrescida”.

Falta também um estudo sobre o impacto da ciência forense no sistema judicial: “Nos nossos julgamentos, em que medida os resultados da Polícia Científica ou do Instituto Nacional de Medicina Legal, ou de outra entidade, foram importantes? Foram um apoio ou um estorvo? Não se sabe.”

Este laboratório continua a funcionar nas antigas instalações da PJ, a mudança para as novas ainda não aconteceu. Trata-se de uma transferência delicada, porque alguns equipamentos não podem ser desligados, sob risco de se perder o trabalho em desenvolvimento. “No novo laboratório, há novas valências que vão ser instaladas, nomeadamente o áudio, a comparação de som. Está em fase de organização aaquisição do equipamento necessário. E há equipamentos que vão ser substituídos, porque não suportam a mudança.”

Em curso está ainda o aumento das potencialidades da base de dados de impressões digitais, com recurso a fundos comunitários que asseguram 90% de um investimento de 1,5 milhões de euros. “Queremos introduzir nessa base de dados mais elementos biométricos”, explica Carlos Farinha. Entre eles, poderá estar o reconhecimento facial e da íris.

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