Autoridades reclamam clarificação das relações no GES

Crise no BES contagiou os mercados internacionais e está a influenciar nova subida dos juros da dívida portuguesa.

Foto
A situação é delicada e está a colocar pressão sobre as autoridades Mafalda Melo

Esta quinta-feira foi um dia negro para o Grupo Espírito Santo (GES). Depois de semanas de indecisão, o dossier BES-GES-PT ganhou expressão internacional, o que levou a Espírito Santo Financial Group (que detém 25,1% do BES) a pedir a suspensão da cotação e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a suspender a negociação das acções do BES na Bolsa de Lisboa, à espera de informação relevante do banco. O supervisor reclama uma nova clarificação das relações accionistas e comerciais intragrupo.

Apesar das insistentes garantias dadas pelo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, de que o BES está protegido das convulsões e das insuficiências financeiras das holdings do GES e que tem uma situação de solvabilidade “sólida” por ter uma almofada financeira suficiente para acomodar eventuais incumprimentos, os investidores parecem não se rever nesta avaliação e reagiram em força esta quinta-feira. A turbulência alastrou-se aos mercados financeiros, nacional e estrangeiro, e, com a incerteza a pairar sobre a eventual necessidade de o BES ter de pedir ajuda estatal, os juros da dívida pública nacional a 10 anos voltaram a subir para máximos de 2013.

Junta-se a esta “percepção” a intervenção do Citigroup, que adquiriu acções do BES no último aumento de capital de 1045 milhões de euros, a admitir que o segundo maior banco português terá de elevar (no pior dos cenários) o capital em mais 4,2 mil milhões de euros.

A queda das cotações das empresas do chamado “sistema GES-BES-PT” acentuou-se assim que a manhã começou, originando perdas superiores a 15%. A meio da tarde, o presidente do BESI, José Maria Ricciardi, emitiu em seu nome pessoal uma nota de conforto aos seus colaboradores para garantir que o “BES não é responsável pelas dívidas” da família Espirito Santo (de que o próprio faz parte), que já não controla o BES”. E que a exposição económica do BES às empresas do GES “está dentro dos limites possíveis”.

Os “tumultos” que se verificaram esta quinta-feira em redor do BES permitem tirar algumas conclusões: a indicação de um novo chairman (Paulo Mota Pinto) e de um novo CEO (Vítor Bento) para liderarem o BES, propostas com a chancela do BdP, não apagou as dúvidas sobre o verdadeiro grau de exposição directa e indirecta do banco às sociedades detidas ou ligadas à família e que estão insolventes (Rioforte, ESI); a contaminação do dossier à PT, que emprestou 900 milhões de euros à Rioforte, a holding problemática do GES, atraiu também os holofotes dos supervisores brasileiro e norte-americano (SEC) para o que se está a passar em Portugal. Mas também dos investidores internacionais. A PT é cotada na bolsa nova-iorquina e está em fusão com a brasileira Oi. O provável “buraco” de 900 milhões de euros que a operadora terá de assumir, total ou parcialmente, representa metade do valor de mercado que a PT perdeu nos últimos dez dias.

Há ainda outra questão a que não foi dada relevância. O dia em que Ricardo Salgado anunciou que se afastaria da gestão do BES foi o dia em que os investidores compreenderam que algo de muito grave se passava na instituição. Até aí, os problemas à volta do BES tinham sido compreendidos com ligeireza, nomeadamente, pelos clientes do banco. O que ficou de repente em causa foi quem sempre se apresentou como o representante da “velha dinastia de banqueiros que sobrevivera à revolução” e a única instituição que não necessitara de apoio estatal (o que implica uma voz nas políticas internas, nomeadamente, na remuneração dos gestores). A saída de Salgado foi acompanhada de uma catadupa de notícias que culminaram na divulgação de que a Espírito Santo International, com sede no Luxemburgo, vai pedir a protecção de credores.

Esta holding é a maior accionista da ESFG, que possui 25,1% do banco. E, ainda que os depositantes do BES não corram riscos, assim que surgiram em público clientes do suíço Banque Privée (uma gestora de fortunas detida pela ESFG) a afirmar que tinham perdido as suas aplicações, levantaram-se mais dúvidas. 

No universo bancário, apurou o PÚBLICO, discutem-se soluções: se as empresas do GES entrarem em incumprimento com os bancos do grupo (BES/BES-SFE, Banque Privée, Miami), e dado que existem cartas de conforto, ou outras garantias de accionistas (ESI), os credores podem pedir a doação em pagamento, nomeadamente, da posição (25,1%) detida pela ESFG no BES.

A situação é delicada e está a colocar pressão sobre as autoridades, BdP, CMVM que, se não acelerarem um desfecho que tranquilize os mercados, terão ainda de esperar até 31 de Julho, quando for realizada a assembleia geral do BES para votar a nova gestão. E Governo, Passos Coelho e Maria Luiz Albuquerque, que sempre disseram que não interviriam neste dossier, vão ter de se conter se os juros da dívida continuarem a subir.

Além de contagiar os mercados, a situação no GES acabou por saltar para as páginas dos jornais e agências online, destacando-se a manchete da edição electrónica do Financial Times, que sob uma foto do BES titulava que a situação na banca portuguesa conduzira os investidores a um forte movimento de venda.

Também o Fundo Monetário Internacional (FMI) emitiu um breve comunicado em que reconhece que há casos no sistema bancário português que exigem "medidas correctivas". Sem precisar os casos a que refere, porque "não faz comentários sobre instituições financeiras em particular", o fundo avança que, tal como o Banco de Portugal reconhece, "mantêm-se [no sector] bolsas de vulnerabilidade, que exigem medidas correctivas, nuns casos, e uma supervisão intrusiva, nos outros".

   

Sugerir correcção
Comentar