Ao ritmo da vida

Com mais de 50 anos de carreira, o baterista Billy Hart reúne de novo o seu celebrado quarteto e edita um belíssimo novo álbum.

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Billy Hart com a sua formação mais estável e duradoura

Actualmente com 74 anos, o baterista Billy Hart é um dos raros músicos que, na fase final de uma extraordinária carreira, consegue ainda fazer uma depuração de todas as suas influências, expandindo a discografia com mais um álbum relevante e vital. Uma vitalidade que não está aqui relacionada com os níveis de energia com que a música é tocada, mas sim com a extraordinária fluidez de toda a banda, alcançada em temas extremamente complexos e sinuosos, como é o caso de Lennie groove, logo a abrir o disco. Se é verdade que Hart não tem realmente nada a provar — tocou e gravou com inúmeros artistas de topo como Herbie Hancock, Otis Redding, Charles Lloyd, Jimmy Smith, Wes Montgomery, Stan Getz ou Miles Davis —, isso não o impediu, já com 65 anos, de reunir-se àquela que viria a ser a sua formação mais estável e duradoura de sempre. Ao lado de Mark Turner (saxofone), Ethan Iverson (piano) e Ben Street (contrabaixo), editou Quartet em 2005 e All Our Reasons em 2012, este último a assinalar uma brilhante estreia na ECM. 

Apenas dois anos mais tarde, e assumindo o risco de uma comparação directa com o álbum anterior, Hart lança-se a si próprio o desafio e edita One is the Other, disco luminoso e extraordinariamente fluido que vai ainda mais longe no conceito criado para a banda. A linha da frente é, como habitualmente, ocupada pela filigrana harmónica e melódica do saxofone e do piano: Turner canaliza, como nunca antes, o saxofonismo cool de Warne Marsh, e Iverson balança elegantemente numa linha de contenção e rigor (bem longe dos Bad Plus), pegando em inúmeras referências históricas, de Tristano a Stravinsky, e eliminando qualquer traço de academismo. Na secção rítmica, o característico jogo de pratos de Hart forma o contraponto perfeito ao som robusto de Street, cada vez mais focado no centro tonal de cada nota. Com aparente simplicidade (pura ilusão), e absoluta sintonia, Hart e Street movem-se ligeiros, ancorando firmemente os movimentos do saxofone e do piano. EmMaraschino, tema de Iverson algures entre Monk e Satie, torna-se evidente o elevadíssimo grau de empatia da banda, com todos os músicos em movimentos oblíquos à linha central do tema. Quando podia embarcar facilmente em estéreis aventuras all-star, Billy Hart optou antes por continuar um trabalho sério e consistente, real, ao ritmo da vida.?

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