Anti-tédio

Caroline Polachek tem uma vida para além dos Chairlift.

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Caroline Polachek, metade dos Chairlift, criou a personagem Ramona Lisa para se entreter

Philip K. Dick perguntava-se no título de um dos seus clássicos de ficção científica se os androides sonhariam (ou chamariam o sono) com carneiros eléctricos. A pergunta, juntando máquinas e ambientes bucólicos, poderia ser igualmente formulada pela cabeça de Caroline Polachek em Arcadia, numa outra versão: poderá um álbum pastoril ser inteiramente composto num computador portátil, usando apenas sons midi? Parece que sim. Polachek, metade criativa do grupo pop de nervo electrónico Chairlift, adoptou a personagem Ramona Lisa para se mover dentro deste mundo que criou como um escape durante as digressões do duo. Em quartos de hotel, salas de espera de aeroportos ou camarins — um álbum a solo de padrões clássicos, portanto —, enfiava os auscultadores e trancava o mundo exterior lá fora enquanto se evadia para um lugar feito de cenários irreais, de um tempo impreciso.

A ser projectada para o futuro, a música de Ramona Lisa pertenceria a um futuro em que Julia Holter seria uma deusa monoteísta, supra-religiões. Um futuro em que a natureza poderia ter de ser evocada através de sons quase transparentes e canções pouco físicas — que, preventivamente, desautorizassem o contacto entre corpos para evitar contágios disto e daquilo. Nada que ver, portanto, com a canção-maravilha em modo r&b slow-motion que Polachek colocou nas mãos de Beyoncé para o último álbum da mega-diva nada fictícia deste tempo.

Ramona Lisa — pseudónimo que destronou Kimsin Kreft e Theora Vorbis — é Caroline Polachek a ir atrás da febre perseguidora de uma pop etérea e sonhadora, assumindo a plasticidade e a fragilidade garantidas pelos meios rudimentares. Mas sem que as canções soem mal-acabadas ou a precisar de um choque vitamínico. Poderia ser atraída por um holograma com a cara de Kate Bush, mas não há aqui o excesso nem o esquadrinhamento constante de canções épicas. O escape de Arcadiaé também o do tédio, dos tempos mortos nos tais aeroportos, de uma necessidade de dar sentido a uma inutilidade de horas intermináveis através de pequenos oásis pop como Backwards and upwards ou Getaway ride. E Arcadia sobrevive milagrosamente, talvez ajudado pela residência artística na romana Villa Medici que coseu as pontas, por servir esse propósito funcional na vida de Polachek e não se esgotar nesse fim. 

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