Crato garante que municípios não vão gerir carreira ou salários de docentes no próximo ano

Em causa está descentralização de competências do Ministério da Educação e Ciência para as autarquias. Uma das propostas prevê compensação monetária de municípios que consigam gerir escolas com menos docentes. Crato garante que, no seu mandato e para o ano, tal não vai avançar.

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Nuno Crato diz que se trata de “um pré-projecto-piloto” em “fase de discussão” com “uma dezena de municípios” Daniel Rocha

O ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, garantiu nesta segunda-feira que, pelo menos para o ano, não haverá qualquer transferência de competências da administração central para os municípios no que toca a salários, contratação de professores ou gestão da carreira docente. O governante foi questionado, à saída de uma reunião com a Federação Nacional da Educação (FNE), sobre a possibilidade de as autarquias serem monetariamente compensadas caso consigam gerir as escolas com menos docentes, no âmbito da descentralização de competências deste ministério para os municípios, mas garantiu que tal não irá acontecer.

“Eu sei o que vai acontecer no meu mandato e o que está em causa no meu mandato é, no próximo ano lectivo, haver uma transferência de competências para os municípios que não inclui a gestão dos salários e a contratação de professores. Não inclui. Continuará a ser feita pela administração central. E o que está em causa em linhas gerais é um maior envolvimento local na melhoria da educação, é só isto. Não vale a pena especularmos”, afirmou.

Esta posição do ministro surge dias depois de reuniões com autarcas sobre a "municipalização" de escolas já em 2014-15 e de ter sido tornada pública uma proposta que previa prémios para as câmaras que trabalhassem com menos docentes nas escolas. Esta proposta de introdução do chamado “factor de eficiência” constava de documentos oficiais que o Ministério da Educação e da Ciência (MEC) e a Secretaria de Estado da Administração Local fizeram chegar às autarquias e nos quais se reconhece ainda aos municípios “a competência de recrutamento de pessoal docente para projectos específicos de base local”. Nos mesmos documentos, aos quais o PÚBLICO teve acesso, o próprio Governo reconhecia que a matéria relativa ao pessoal docente é a que encerra “maior complexidade, designadamente jurídica” e que “maior ponderação e concertação deve envolver”.

Questionado sobre se essa gestão de recursos, no que toca a professores, alguma vez passará para as câmaras, Nuno Crato disse que apenas responde pelo que se passará para o ano, no seu mandato, e que não faz “futurologia”: “Não sei o que vai acontecer no século XXII, sei o que vai acontecer para o ano.”

O ministro adiantou que, na reunião, explicou à FNE que o projecto de transferência de competências para os municípios na área da educação é ainda “um pré-projecto-piloto”, em “fase de discussão” com “uma dezena de municípios”. “Após esta discussão serão esclarecidas quais são as formas de colaboração que existirão para essa transferência de competências para municípios. Mas não está em causa salários dos professores, contratação de professores, gestão da carreira docente, nada disso está em causa. Portanto, não há que haver qualquer preocupação no que se refere aos professores, que continuam a ser funcionários da administração central”, sublinhou. Nuno Crato acrescentou que o que se pretende “é um maior envolvimento local dos municípios” e que em discussão está “a possibilidade de incentivar uma melhor gestão dos recursos globais”. Questionado sobre o que significará na prática essa melhor gestão, o ministro disse que tal “resultará” precisamente da discussão que está a decorrer com os municípios.

O governante apelou ainda à “tranquilidade” em relação a este projecto de descentralização de competências. “Temos de olhar para todos estes assuntos com a maior tranquilidade. Está em cima da mesa um conjunto de ideias para uma transferência de competências para os municípios, com vista a que haja um maior envolvimento das populações locais através dos seus municípios e delas próprias na melhoria da qualidade do ensino”, declarou. Sublinhou que em análise estão para já “propostas gerais” e que “não vale a pena” especular sobre o que vai acontecer. “Estamos a conversar com os municípios e registamos o interesse da FNE em ser parceira deste acordo, ou seja, em envolver-se também nessa discussão. Mas, como dissemos à FNE, é cedo, porque estamos ainda a conversar com os municípios e conversaremos com outros parceiros a partir do momento em que estejam mais delineadas as posições que vão ser tomadas”, justificou.

Fenprof promete “luta”
O secretário-geral da FNE, João Dias da Silva, também saiu da reunião com a equipa ministerial com a garantia de que as autarquias não poderão receber prémios por terem menos professores nas escolas: “A afirmação que foi feita muito claramente pelo senhor ministro foi a de que os professores são funcionários da administração central, continuarão a ser funcionários da administração central e que não está em causa qualquer transferência que diga respeito à gestão de professores ou a salários de professores.” Para João Dias da Silva, neste quadro, a hipótese de haver um prémio para as autarquias que consigam gerir escolas com menos docentes não se coloca: “Se aquilo que nos foi afirmado foi que não está em causa que os professores continuem a ser funcionários da administração central, que salários de professores só têm a ver com o MEC, que a gestão de recursos humanos só tem a ver com o MEC e as escolas, essa questão não se coloca.”

No encontro, a FNE reiterou a “disponibilidade para ser parceiro” neste processo de descentralização, desde que essa transferência de competências não signifique “substituir o MEC pela câmara municipal”. As áreas em que a FNE admite mais “envolvimento da comunidade local nas decisões” dizem respeito, entre outras, à gestão dos edifícios escolares, das ofertas educativas e das componentes curriculares locais.

Nesta segunda-feira, a Fenprof também enviou um comunicado à imprensa, mostrando-se preocupada com as propostas de “municipalização” da Educação em curso, considerando que a tutela pretende “destruir o Estatuto da Carreira Docente e atacar, ainda mais violentamente, os professores e educadores e as escolas públicas”: “A confirmá-lo estão documentos que começam a ser conhecidos, como os que se destinam à municipalização da Educação ou à criação de uma tabela remuneratória única que integraria os professores, deixando estes de se enquadrar na grelha salarial específica que os seus estatutos de carreira consagram.” A Fenprof garante que vai continuar a pressionar o MEC para uma reunião e tomar decisões acerca de formas de “luta”.

No fim do encontro com o MEC, João Dias da Silva relembrou que ainda há professores que, desde o ano passado, continuam à espera de ver aceite o pedido de reforma. “Consideramos fundamental que este processo termine o mais rapidamente possível por parte da Caixa Geral de Aposentações”, disse o dirigente. Sobre o encerramento de escolas primárias João Dias da Silva disse que lembrou à tutela que “todos os professores” do sistema “são necessários para as respostas educativas que as escolas devem disponibilizar aos alunos”. “Seja desde logo na educação para a infância, seja no ensino básico e secundário, seja no ensino superior, seja na formação de adultos”, especificou.

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