Lei que impede estagiários de assinar artigos “visa impedir pessoas de trabalhar de graça”

Pós-graduações em Jornalismo permitem, mediante pagamento de propinas, aceder a estágios remunerados nas redacções e obter licença para publicar trabalhos.

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Daniel Rocha

A lei que proíbe os estagiários dos órgãos de comunicação social de assinarem artigos “visa impedir as empresas de despedir profissionais e de os substituir por pessoas que trabalham de graça”, diz um membro da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, Daniel Ricardo.

O PÚBLICO foi informado na quinta-feira por este organismo, responsável pela acreditação dos jornalistas, que os trabalhos dos estagiários curriculares não podem ser publicados no jornal. O presidente da comissão ameaçou o PÚBLICO com multas, que podem ascender a muitos milhares de euros, por o jornal permitir que jovens a terminar os cursos superiores desempenhem actos jornalísticos inerentes à profissão – como contactar fontes de informação oficiais. Para este organismo financiado pelo Estado, isso viola o Estatuto do Jornalista, segundo o qual os profissionais credenciados pela comissão são os únicos com “capacidade editorial” para fazer notícias. 

“Sei de empresas de comunicação social que logo a seguir a terem feito despedimentos ligaram às universidades para lhes pedirem estagiários curriculares”, descreve Daniel Ricardo, que é jornalista da Visão e para quem nesta polémica está ainda em causa a responsabilidade social de quem trabalha na profissão, com tudo o que isso implica ao nível do sigilo profissional, por exemplo. “Compreendo que, na crise que vivemos, a tendência seja para gastar o mínimo. Mas não pode ser à custa do sacrifício dos estagiários curriculares”, observa. “Se uma profissão não for remunerada é um hobby”.

Habitualmente a remuneração dos estagiários sucede num momento posterior, no chamado estágio profissional, de duração mais prolongada do que o curricular. Aí, a Comissão da Carteira Profissional já emite um título provisório de estagiário, que permite ao recém-chegado à profissão exercer actos jornalísticos, sob supervisão. Neste momento há pós-graduações em Jornalismo cujos alunos podem, mediante o pagamento de propinas, aceder a estágios remunerados em redacções de diferentes grupos de comunicação social – e assinar os seus trabalhos. No curso da Universidade Nova em que o próprio Daniel Ricardo também dá aulas anuncia-se o valor das propinas: 4350 euros – “montante recuperado em aproximadamente 55% sob a forma de estágio profissional remunerado”.

“A pós-graduação inclui a possibilidade de acesso ao título provisório de estagiário, para o exercício de actividade profissional de jornalista, com redução do período obrigatório de estágio”, anuncia por seu turno o Instituto Universitário de Lisboa – ISCTE.  Daniel Ricardo não vê nenhuma desigualdade de tratamento entre quem paga para conseguir a acreditação e quem está impedido, por lei, de a obter: “Ao fazerem do jornalismo a sua actividade principal, permanente e remunerada, os estagiários destas pós-graduações têm direito ao título” que lhes permite assinar trabalho. Já os estagiários curriculares a terminar as licenciaturas, pelo contrário, “estão diminuídos profissionalmente”, quer por lhe faltar experiência quer por não se encontrarem a receber um salário. O facto de a lei prever que os estágios profissionais durem um ano e de estas pós-graduações terem uma duração inferior também não constitui problema para Daniel Ricardo.

“A Comissão da Carteira Profissional resolveria o problema, se emitisse uma carteira para os estagiários curriculares com uma duração máxima de três meses”, sugere António Granado, professor de Jornalismo da Universidade Nova , para quem os estudantes deviam, caso o problema se mantenha, recorrer a juristas que possam averiguar da constitucionalidade de “proibir alguém de escrever um texto no jornal”.

“Se isto se mantiver, o que vai acontecer é que outros jornalistas vão passar assinar os textos escritos pelos estagiários – como, aliás, já sucede nalguns órgão de comunicação social”, denuncia.

Aluno de Ciências da Comunicação também da Universidade Nova e dirigente estudantil, Pedro Rebelo Pereira vê igualmente com maus olhos a posição da Comissão da Carteira: “É uma tremenda injustiça não podermos assinar. Se só pudermos fazer exercícios, não vamos aprender grande coisa”. Na opinião da directora do Jornal de Negócios, Helena Garrido, os jovens a tentar entrar no mercado de trabalho são, de facto, os principais prejudicados: “No jornalismo o nome é o nosso principal activo. Se um estagiário curricular deixa de poder fazer o que quer que seja, isso leva-nos a questionar a necessidade de os ter nas redacções”.

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