Ministério da Educação quer “escolas municipalizadas” em vários concelhos já no ano lectivo 2014/2015

A eventual transferência da tutela dos professores para os municípios é a questão que mais polémica suscita. Autarquias dizem que só aceitam com o acordo da classe docente, mas Fenprof já avisou que “nem pensar”.

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A tutela dos professores nas escolas "municipalizadas" deverá suscitar polémica Nelson Garrido

O Ministério da Educação e Ciência (MEC) está por estes dias em reuniões consecutivas com mais de uma dezena de municípios nos quais quer avançar com a descentralização de competências na área da educação, ao nível do ensino básico e secundário.

O MEC queria que a chamada “municipalização das escolas” (com os municípios a assumir responsabilidades na definição da oferta curricular e, eventualmente, na gestão dos próprios docentes) arrancasse já no ano lectivo de 2014/2015. Porém, embora haja concelhos interessados, o processo está atrasado relativamente ao calendário inicial.

Águeda, Famalicão, Matosinhos, Maia, Óbidos, Oliveira de Azeméis, Águeda, Oliveira do Bairro, Cascais, Constância e Abrantes são alguns dos 16 concelhos que já foram contactados no âmbito deste processo que, além do ministério de Nuno Crato, está a ser negociado no terreno pela secretaria de Estado da Administração Local e pelo ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional, Poiares Maduro. A ideia era aglomerar um mínimo de 10 municipios na fase-piloto do projecto que deverá durar quatro anos, findos os quais, e dependendo da avaliação que vier a ser feita, a delegação de competências passará a ser definitiva.

As negociações têm, porém, seguido a ritmos diferentes nos diferentes municípios. Enquanto alguns, como Constância se terão posto de fora, outros, como Matosinhos, Óbidos e Águeda mostram-se entusiasmados com a ideia. “A proposta do MEC pareceu-nos muito bem formulada, embora as negociações não tenham sido ainda fechadas. O anterior processo de transferência de competências [nas escolas do básico] correu bem, trata-se agora de aprofundar isto e de alargar o processo ao secundário”, adiantou o presidente da Câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto. O vereador da Educação da autarquia, Correia Pinto, precisou que o que está sobre a mesa é “uma descentralização e repartição de competências entre os municípios e as escolas, ficando o Ministério da Educação com as questões de avaliação do próprio sistema e a definição de orientações que se pretende que sejam nacionais para garantir a equidade do sistema educativo”.

Em Óbidos, o presidente da câmara, Humberto Marques, também se mostra impaciente para pôr no terreno a sua “escola municipal”. De tal forma que já por diversas vezes avisou que com ou sem Governo colocará em Setembro a sua marca no único agrupamento do concelho. Faz notar que, ali, o projecto “nasceu muito antes deste Governo ter pensado em tal coisa”; e, apesar de “acreditar que as negociações chegarão a bom termo”, desta vez prefere "prevenir a remediar". Do pré-escolar ao secundário, os alunos terão direito a uma oferta diversificada de actividades cujos custos podem ter de vir a ser suportados integralmente pela autarquia, admite Humberto Marques. “Um risco” que o presidente da câmara assume, publicitando desde já a oferta de Filosofia para crianças no 1.º ciclo, de ioga para as do pré-escolar, e de golfe e de oficinas de eco-design para os alnos mais velhos, só para dar alguns exemplos.

Sem custos para o MEC
Mais paciente e sereno, o presidente da Câmara de Águeda, Gil Nadais, prefere sublinhar que tudo está ainda numa fase muito prematura e que, “ainda que entretanto se proceda às alterações legislativas necessárias”, os reflexos nos quatro agrupamentos de escolas “não se vão fazer sentir antes de 2015/2016”. “Estamos a dois meses do arranque do novo ano lectivo, mas nada impede que o contrato seja assinado em Setembro e que a transição de competências se faça de forma gradual”, admite Correia Pinto.

Desde 2008 que 113 municípios aceitaram assumir responsabilidades acrescidas relativamente às escolas do ensino básico e da rede pré-escolar, nomeadamente quanto à contratação e gestão do pessoal não docente, à acção social escolar, incluíndo as refeições, e às actividades de enriquecimento escolar, as chamadas AEC, e à construção, manutenção e apetrechamento dos edifícios.

Doravante, e entre outros aspectos, os municípios que assinarem os chamados contratos de educação e formação municipal assumem também poder na definição de  currículos escolares próprios - dentro das balizas estabelecidas pelo MEC - não só no básico mas também no secundário. Tudo isto tendo em vista objectivos como a prevenção do risco de abandono e insucesso escolar mas também, por exemplo, a ligação ao mundo do trabalho.

“A câmara de Matosinhos tem 46 escolas que gere em termos de manutenção e conservação, e cujas despesas assumiu, e já tem 700 funcionários não docentes sob sua responsabilidade. Tratar-se-ia aqui de somar mais seis escolas do secundário e mais cerca de 200 funcionários”, concretiza o vereador Correia Pinto, para acrescentar que o mais importante, porém, será a possibilidade de, em conjugação com as escolas, intervir na oferta educativa do concelho, adequando-a à realidade local. “Vamos poder dizer se teremos cursos vocacionados para a área do turismo ou da restauração, que são fundamentais para o concelho, e isso fará toda a diferença.”
Estes contratos que o Governo pretende firmar com os municípios só deverão fazer-se mediante “forte vontade” dos autarcas mas também da direcção das escolas ou dos agrupamentos escolares. Nos casos em que avançar, câmaras e MEC deverão, até 180 dias antes do final do último ano lectivo da experiência, avaliar o projecto-piloto e decidir sobre a sua continuidade em regime definitivo. Mas esta delegação de competências surge desde logo balizada por alguns aspectos. Em primeiro lugar, surge a regra do não aumento da despesa para o MEC. E isto significa, entre outras coisas, que não poderá aumentar o custo médio por aluno no contexto da escola.

Professores prometem polémica
A gestão dos recursos humanos, sobretudo dos professores, é uma das questões que se adivinha mais polémica.Embora apontando como positiva a experiência de recrutamento de docentes pelos municípios no âmbito das AEC, o próprio MEC reconhece tratar-se de matéria de grande complexidade, “designadamente jurídica”. É assim a questão que obriga a “maior ponderação e concertação”. De forma um tanto dúbia, o contrato proposto limita-se, e recordando as permissões da lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, quanto à afectação temporária de recursos humanos nas delegações de competências do Estado nos municípios, a reconhecer aos municípios a competência de recrutamento de pessoal docente para projectos específicos de base local.

Em casos como o de Matosinhos, o presidente Guilherme Pinto garante que a câmara “não tem nenhum óbice” a assumir a gestão do pessoal docente, desde que assegurado o reforço da tranbsferência financeira para a autarquia, mas ressalva que tal implica que haja entendimento entre Governo e professores. “Não aceitaremos fazer isto contra as pessoas”, precisa Correia Pinto, que vai para a semana reunir com Fenprof e Federação Nacional da Educação para que o processo seja “partilhado e assumido”.

Sobre a tutela dos professores, tanto Humberto Marques, de Óbidos, como Gil Nadais, de Águeda, asseguram que a possibilidade de aquela passar para as autarquias está posta de parte. O último acrescenta, no entanto, “para já”. “Pelo menos numa primeira fase isso está fora de causa, o processo já é suficientemente complexo sem isso”, avalia o autarca de Águeda. Humberto Marques diz que seria “contraproducente indispor os professores quando o que mais importa é que eles estejam motivados para se envolverem no projecto”.

Será uma batalha difícil de ganhar. Mário Nogueira, da Fenprof, começa por apontar o “mau exemplo” das actividades extracurriculares. “Há registo de atraso no pagamento dos salários aos professores contratados pelas autarquias, com alguns destes docentes a terem de trabalhar até três meses sem receber. Noutros casos, assistimos ao recurso a empresas privadas para colocação de docentes. E como seria quanto ao exercício da acção disciplinar? As pessoas têm medo que surjam, aqui e ali, critérios de discricionariedade, sobretudo nos concelhos pequenos em que a relação das pessoas é muito próxima”, opõe-se aquele líder sindical, apontando ainda o “número significativo de câmaras que estão em falência técnica”.  O PÚBLICO tentou ainda ouvir a Associação Nacional de Municípios Portugueses mas esta garante não ter recebido qualquer documento sobre a matéria, pelo que “não pode pronunciar-se sobre um assunto que desconhece”. com Graça Barbosa Ribeiro

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