Fazer rir é uma experiência que gera dependência de tão prazerosa que é

Mil milhões de visualizações na Internet. Mas apesar da popularidade, o grupo Porta dos Fundos nunca se mostra entediado com os fãs. Entrevistámos Fábio Porchat e Gregório Duvivier. “O Porta é um time de futebol em que todo o mundo que cresce joga junto”

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À esquerda, Fábio Porchat e à direita Gregório Duvivier Nuno Ferreira Santos
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Na quarta-feira, o grupo veio ao palco no final do stand-up de Fábio Porchat Nuno Ferreira Santos

Fábio Porchat ia actuar sozinho na quarta-feira, mas chega ao Campo Pequeno, em Lisboa, com outros actores-guionistas do Porta dos Fundos – a cada passo é parado para tirar fotografias. Ele, sempre com um sorriso, nunca recusa. De cada vez que sai à rua conta com tempo extra para as vezes em que o irão travar. Não se incomoda, diz-nos, e vê-se que é sincero: não se vislumbra sinal de fadiga nas dezenas de fotografias que tirou antes, durante e depois do jantar no restaurante Rubro, a minutos de começar o seu one man show de stand-up ,Fora de Normal.

À mesa com o grupo do Porta dos Fundos, o programa de humor mais popular actualmente no Brasil e em Portugal, vai rindo e mexendo no telemóvel – ele gosta de responder aos fãs. À mesa gritam quando chega outro Porta, Rafael Infante, vindo do aeroporto, e brinda-se. No palco esperam por Fábio Porchat seis mil espectadores, mas ele, que anda na estrada com este mesmo show há “três, quatro anos”, não está nada nervoso, conta no backstage, no meio de dezenas de pessoas, entre equipa de produção e jornalistas. Sabe tudo de cor, e nada muda, diz com microfone na mão, havaianas de cada cor nos pés (vermelha e azul), e os suspensórios das calças castanhas atirados para baixo.  

Não há como fugir aos números: os sketches do Porta vão em mil milhões de visualizações na Internet, segundo Porchat, e têm uma média de 70 milhões de visitas por mês. Isto mostra o sucesso de um programa que em 2012 nasceu, e hoje continua, na Internet – pela primeira vez vão passar para a televisão, para a Fox, possivelmente em 2015.


O mais conhecido grupo de humor brasileiro tem sido protagonista de um festival que lhe é dedicado em Lisboa, entre dia 2 e este sábado. Esta sexta-feira faz um intervalo mas amanhã, às 21h30, o colectivo estará à conversa com Ricardo Araújo Pereira, no Cinema São Jorge (esgotado).

Entrevistámos Fábio Porchat e Gregório Duvivier na quinta-feira de manhã, no hotel em que estão hospedados em Lisboa e na mesma sala onde fizeram a festa na madrugada do dia da estreia do espectáculo. Os dois têm projectos separados do Porta dos Fundos – Gregório é poeta e tem uma coluna semanal na Folha de São Paulo que nenhum fã dos humoristas deveria perder. Aproveitaram a vinda a Europa para passar férias antes: Gregório foi à Grécia, Fábio à República Checa.  

Qual de vocês é que tem mais graça?
FÁBIO – Acho que cada um tem graça num sentido diferente. Cada um faz um tipo de humor. O Gregório tem um tempo que eu chamei de contra-tempo que é incrível. Ele tem uma coisa que acho muito divertida: é qualquer personagem. Se botar roupa de Moisés, é Moisés. A figura de Gregório encaixa com a figura de todos os seres humanos. Eu, se botar roupa de Moisés, fica: ‘Olha o Fábio fazendo Moisés’.

Está certo ele?
GREGÓRIO – Você me fale.

E o Fábio, qual é a especificidade dele?
FÁBIO – A gente vai ficando se elogiando!

GREGÓRIO – O Fábio tem mil especificidades, mas ele tem o sotaque dele. Não sei se vocês conseguem identificar, mas não é de nenhum lugar do Brasil. É uma mistura, um dialecto pessoal e idiossincrático - é um ‘r’ da Bahia, com um ‘s’ gaúcho. E é uma música muito engraçada. Isso é inexplicável: como é que tem gente que fala engraçado, o que é que é falar engraçado? É uma dicção, uma prosódia cómica. E é muito fácil. A aparência de naturalidade dele é fundamental. No palco não parece que está fazendo graça, porque não tem esforço. Pela verve, pela força que ele tem, energia, é o que mais ‘levanta’ o texto. A gente até brinca e diz: ‘este texto tem o factor Fábio’. E quando a gente vai ler ele faz com uma garra que levanta.

FÁBIO – Tem, por exemplo, o Luís Lobianco. Ele não faz nada, não fala nada. O vídeo podia ser só o close-up dele. O Portas tem pessoas muito diferentes, que se complementam, que não disputam.

GREGÓRIO – Até porque são tipos muito diferentes, não tem dois tipos iguais. Eu tenho um tempo, o Rafael Infante tem outro tempo, a Júlia Rabello é uma actriz seríssima – é uma actriz excelente. Cada um tem uma escola.

FÁBIO – Acho todo o mundo engraçado. Todo o mundo. Claro, um pode preferir um. Não tem um que fale: ‘ah, atrapalhou…’. Acho isso óptimo. É o melhor grupo de elenco do humor do Brasil.

GREGÓRIO – A gente quando começou o Porta já estava fazendo teatro no Rio há um tempo grande, fazendo escola, festivais, conhecemos um monte de gente assim. Já tínhamos feito uma pesquisa de campo enorme pelo Brasil e elegido as pessoas que mais gostávamos. O Porta é um elenco muito pensado. Eram essas pessoas que toparam comprar essa briga  e fazer uma coisa que não tinha sido feita antes. Há 10 anos as opções eram  fazer teatro e ser pobre ou fazer televisão e ser rico, era muito binário.

Agora tem também o Porta para ser rico?
GREGÓRIO – Exactamente.

FÁBIO – Tem a Internet para ser rico.

GREGÓRIO– A Internet é uma via que permite ser autoral como no teatro e rentabilizar como na televisão. É o paraíso.

Fábio é o que tem a maior exposição mediática: isso levanta alguma questão no grupo?
FÁBIO – Não sinto isso nem um pouco. Todo o mundo está tão exposto, cada um de um jeito diferente... Gregório ganhou um prémio de melhor actor no ano passado. É o único de todos que ganhou um prémio. É maravilhoso. Não vou ficar: ‘ah, Gregório ganhou um prémio’. Assim que soube liguei louco. O livro dele estava concorrendo no Portugal Telecom [prémio literário]. Cada um tem uma brincadeira, está fazendo a sua coisa, e todo o mundo está crescendo junto.

GREGÓRIO – O Porta é um time de futebol em que todo o mundo que cresce joga junto. É verdade que tem o Fábio e o solo dele que viaja para o mundo inteiro. Isso é muito bom para o grupo. Agora, por exemplo, ele está trazendo o grupo para Portugal. E volta e meia o grupo também ajuda ele. Então de alguma maneira tem um círculo virtuoso…

FÁBIO - …a gente se alimenta.

GREGÓRIO – Exactamente. O grupo alimenta o individual e o individual obviamente que faz o grupo existir. Sem essa alimentação nenhum dos dois existe.  
Todo o mundo é de teatro, no teatro a gente sabe que a competição é muito nociva – você precisa do outro e o grupo só funciona quando é maior do que os indivíduos.

Fábio, você lê a poesia do Gregório? O que é que acha?
FÁBIO – Leio tudo o que o Gregório faz. Não só falei para ele, como coloquei na minha página. O que eu disse: ‘É do caralho! É foda!’ Mas o que pode ser publicado, o que achei é: você fala em poesia, e a primeira coisa que vem na cabeça é que é chato. Quando se lê a poesia do Gregório [publicou A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora e Ligue os pontos - Poemas de amor e Big Bang] ela é muito quotidiana no bom sentido, é muito moderna no bom sentido, é muito fácil no bom sentido. A poesia do Gregório tem uma coisa boa de você entender palavra por palavra, de mexer palavra por palavra. Ela instiga. Gosto da arte que me instiga, me mexe na cadeira: estou vendo uma peça e estou tendo ideia, estou pensando outra coisa.

Pede para alguém ler antes de publicar?
GREGÓRIO – A poesia não. Na verdade a gente é bem separado com as outras coisas. No máximo há curiosidade.

FÁBIO – Na verdade é bom poder fazer coisas fora porque você se enche de bagagem para trazer aqui para dentro.

GREGÓRIO – Os grupos que estão muito tempo juntos às vezes ficam auto-referentes. Você vê que eles estão fazendo um piada que acham graça porque não saem daquele grupo. Isso é um perigo. Por isso o teatro e o stand-up é tão bom, te mantém o tempo todo em contacto com o que o público acha graça de verdade. Vejo isso em você [olhando para Fábio]: faz uma ligação directa com o público real. É muito importante ter esse pé fincado no público real.

Como fazem esse filtro da piada interna?
FÁBIO – Muito fácil.

GREGÓRIO – Por exemplo, como ele tem esse contacto ajuda muito. Quando ele fala: ‘cara, isso não vai funcionar’, eu confio totalmente.

Voltando à sua poesia Gregório, também tem humor. O humor é algo que faz parte de uma identidade?
GREGÓRIO – Faz. É inevitável. Sem querer, ele surge. Nas colunas [de jornal], volta e meia quero falar de um assunto sério e dar uma opinião. E não consigo. Quando vejo, estou [virando] para o humor. Talvez pelo facto de ter começado no Tablado, que é uma escola de comédia, tenho o humor no DNA – já entrou na minha criatividade, não consigo fugir dele, é sem querer que aparece na poesia, nas colunas, em tudo o que faço.

FÁBIO – Eu gosto de rir, gosto de fazer rir, sempre gostei desde criança. Acho ruim alguns comediantes que tentam negar isso e dizem: ‘agora sou sério’. Você pode fazer tudo com humor. Tchekhov escreveu as peças dele e dizia que eram comédia.

GREGÓRIO – O Fábio tem um trabalho que não tem humor sobre violência doméstica na China, não tinha uma piada [dirigiu uma peça Palavras na Brisa Noturna, inspirado em As Boas Mulheres da China, de Xinran Xue]. Então Fábio tem esse pé no drama.

FÁBIO – Gosto de boas histórias. A minha facilidade, claro, é a comédia, o humor. Mas também gosto de contar um outro tipo de história.

Em alguns dos vossos sketches há uma crítica política: estou a pensar no Pobre (escrito e interpretado por Gregório) e no Dura (que valeu a Fábio Porchat críticas e ameaças). Querem falar da forma como a vossa opinião está aqui?
FÁBIO – Na comédia claro que o objectivo é fazer rir, mas quando consegue fazer rir e pensar, fazer rir e dar a sua opinião, fazer rir e jogar uma luz em cima daquele assunto é a comédia perfeita. Quando a gente faz Dura, com policial levando tapa na cara, a gente está falando da realidade do Brasil. E só é engraçado porque é verdade – é aquele rir para não chorar.

E no caso do Pobre, como surgiu?
GREGÓRIO - Surgiu porque acho muito doido aqueles jipes que tem no Rio. Morava do lado da favela, pertinho da Rocinha, no alto da Gávea, e vi esses jipes passando, alguns pareciam um safari, uns gringos assustados e ao mesmo tempo interessados, entrando dentro da vida das pessoas. Sempre achei isso muito estranho, então tinha que falar disso no Porta.

FÁBIO -  A primeira coisa que ele falou é: ‘aquilo é hilário, um cara passando de jipe, dá uma boa piada’. Depois é: ‘vamos fazer uma crítica sobre isso’. Nunca é ao contrário.

GREGÓRIO – Assim como a polémica. A gente esbarra nela sempre sem querer, nunca busca a polémica, nunca pensa: ‘Uau, esse sketch vai chocar’.

FÁBIO – O Dura deu uma polémica que jamais ia imaginar na minha existência.

E como é o vosso método? Por exemplo, em relação ao Pobre?
GREGÓRIO – Em geral a ideia surge quando estou sozinho. Escrevi e trago para o grupo. No segundo estado com o grupo quase sempre tem uma interferência positiva de acréscimo ou de corte.

FÁBIO – O grupo são os cinco sócios, eles é que decidem os textos.

GREGÓRIO – O grupo sou eu, Fábio, João Vicente de Castro, António Tabet, Ian SBF e ainda tem um sexto roteirista que é o Gabriel Esteves. O que acontece é, o grupo fala: 'não gosto, vamos jogar fora'; ou fala: 'sim, adoro, vamos gravar na hora, está perfeito' – mas é muito raro acontecer. O que mais acontece, além de negar, é: ‘tá legal, mas está sem final, ou podia acabar antes’. Em geral o texto é mexido muitas vezes e muitas vezes depois. Tem vários textos que são escritos a seis mãos. Muitos textos têm várias versões.

Ninguém se ofende?
GREGÓRIO – Não. A maioria dos sketches são negados. A gente escreve oito sketches por semana. Dos oito, a gente geralmente aprova dois ou três. Tem semanas que a gente não aprova nada.

Quando é que não aprovam?
GREGÓRIO e FÁBIO – Quando não tem graça.

GREGÓRIO – Quando a piada é velha. Às vezes tem graça mas a gente já viu. Ou já fez. Volta e meia a gente copia a si mesmo e fala: está se auto plagiando.

FÁBIO – O que é muito bom no Porta é que a gente não leva para o pessoal mesmo. Ali todo o mundo acredita muito um no outro. Acerto um monte, e erro também.  

Qual é a importância daquilo que vocês fazem ser de borla para os espectadores?
GREGÓRIO – É maravilhoso. Há uma relação com o público que é muito diferente da televisão. Os espectadores são quase sócios do Porta: viram surgir, espalharam e espalham até hoje a palavra. Eles dizem: ‘eu te vi crescer, eu que te contei para toda a gente’. São as nossas antenas. Temos essa gratidão com eles e eles têm a gratidão connosco porque nunca cobrámos um centavo. Nunca deixámos de botar vídeo na segunda e quinta, inclusive botámos um dia novo, o sábado, nunca cobrámos por esses vídeos e nunca vamos cobrar porque o grande barato é essa relação de confiança, de fidelidade, de afecto...

Porque é que não têm mulheres roteiristas?
Porque elas não escrevem. A Clarice [Falcão, actriz] já mandou texto – o Essa é Pra Você é dela e é um dos vídeos mais vistos. Só não tem mais porque elas não escrevem.

FÁBIO – Eu cobro a Clarice sempre: porque você não manda?
Claro, tem muito mais homens fazendo comédia do que mulheres. Deve ter explicação sociológica para isso, mas no nosso caso é porque a gente era amigo, escrevia, fez. Tem várias mulheres roteiristas no Brasil que estão escrevendo. A relação da mulher com o humor é diferente.

Em que aspecto?
FÁBIO – O mundo é machista. Se eu falar que tenho pau pequeno todo o mundo ri, se a mulher falar que tem uma boceta larga vai ser um constrangimento, as pessoas vão ficar chocadíssimas. Porque é que eu posso falar do meu pau e ela não? A gente não quer ver a mulher falando que foi ao banheiro cagar e soltou um peido [aliás, os Porta têm um sketch sobre isso]. Tem várias explicações e teorias. Porque é que a mulher não é engraçada? Porque a mulher nunca precisou de ser engraçada, o homem é que precisa de ser engraçado para cortejar a mulher – a mulher em 1950 não podia nem falar, tinha que ficar quieta, no canto. Então só há 40 anos é que a mulher pode falar, o homem vem contando piadas há 5 mil anos. Outra teoria é: se um homem rir de outra mulher, ela vai ficar com ciúmes, porque está achando ela interessante.

GREGÓRIO – A Dani Calabrese, um óptima comediante, diz que quando ela sobe no palco há um sentimento de ‘ahhh’ que é igual ao executivo que sobe na pool dance e os amigos falam: ‘pó, sai daí, cara’. O público no Brasil é muito machista. A prova de que é machista é que toda a comediante tem que falar disso, sobre ser mulher e comediante. Acho isso ruim, que a mulher não possa ser só um indivíduo, tem que ser antes mulher.
De alguma maneira tem um sentimento meio perverso: a mesma pessoa machista que escolhe um homem só porque ele é homem também é machista falar que só uma mulher vai saber falar sobre feminismo. A gente tem o dever de ser feminista no melhor sentido de não isolar as mulheres, não fazer as mesmas piadas sobre mulheres, dar bons papéis. Ao mesmo tempo, isso não significa que tem que contratar uma roteirista mulher, seria também machista.

Em que aspecto se acham feministas?
GREGÓRIO – Por exemplo, o vídeo Sobre a Mesa é um vídeo feminista. Fala de como o homem machista não está pronto para a liberdade da mulher.

FÁBIO – O da Branca de Neve acho muito legal, o príncipe chega para beijar a Branca de Neve e ela diz ‘eu estou dormido, eu sou gay’. Mas acima de tudo, a gente quer ser engraçado. Se também consegue fazer o Sobre a Mesa, brilhante. Mas a gente consegue fazer vídeos que são só divertidos. Se não, parece que estamos defendendo uma causa!

Foram ver os Monty Python em Londres (na terça-feira), foi o Fábio que comprou os bilhetes para todos. São influenciados por eles. Ainda não houve nada a seguir a eles tão decisivo no humor?
FÁBIO – O Monty Python revolucionou o humor no mundo moderno até hoje, o humor maluco, o humor non-sense. Talvez os Simpsons nos influenciaram, a animação, Family Guy, South Park, mas não sei se como Monty Python.

GREGÓRIO – Monty Python mudou tudo. Falou: ‘calma aí, o humor pode ser tudo’.

FÁBIO – O humor pode ser um cara que fica fazendo assim [atira a perna para o ar] o sketch inteiro porque é engraçado. Acho que o Monty Python simboliza isso, embora eles tenham parado de fazer coisas em 1983. Para ver como é forte, eu nasci em 1983, quando eles lançaram O Sentido da Vida.
Achava simbólico e importante todos irmos assistir ao Monty Python pela última vez – o nosso grupo está começando, está atingindo uma escala muito grande, tem mil milhão de visualizações, que é uma coisa muito louca, a gente está numa escala mundial.

Era um desejo de virem a ser tão influentes como eles um dia?
GREGÓRIO – Sim, o que eles conseguiram, e é maravilhoso, é essa universalização.
Eles são muito loucos e ao mesmo tempo muito verdadeiros. Antes dos Monty Python já tinha humor non-sense, já tinha teatro do absurdo, mas acho meio fácil, fica sem pé nem cabeça. O que acho lindo nos Monty Python é que tem um pé no absurdo e na realidade muito forte. As pessoas falam muito da loucura deles mas têm uma lucidez muito grande. Então esse contraponto, botar alguma lucidez na loucura do absurdo era uma novidade incendiária.    

Vou roubar uma pergunta ao escritor suíço Max Frisch: quando dizem que alguém tem sentido de humor, é porque vos faz rir ou porque a fazem rir?
GREGÓRIO – Em geral acho que é a mesma coisa. Quem acho graça muitas vezes me acha graça. O humor é uma via de mão dupla. As pessoas que conheço mais engraçadas riem muito, sabem rir. Esse canal de comunicação de humor que é, em geral, afectivo, passa pelo afecto, passa pelo [levanta o tom]: ‘é verdade!’ Ou, mesmo que seja uma piada idiota, tem uma coisa de afecto, você gosta, é bom rir. Você tem uma relação de confiança e gratidão com a pessoa que te faz rir e em geral é o contrário também.

FÁBIO – Acho que concordo. Mas senso de humor é também você se permitir rir daquele assunto – se diz não posso rir disso está-se censurando de rir, de se divertir, de poder olhar para aquele assunto de outra forma. O legal é a gente poder rir de tudo.

O que dá prazer em fazer rir os outros?
FÁBIO – Sempre fui um contador de histórias, adorava contar histórias para a família, para os meus amigos. Acontecia uma coisa comigo em dois segundos e eu transformava em dez minutos de história. E o riso parece que as pessoas estão dizendo: ‘continua’. O rir é tão gostoso que parece que elas estão dizendo: ‘me faz mais rir’. Porque é que eu gosto de fazer rir? Talvez porque gosto de rir. Fazer rir também me faz rir. Quando conto, eu já ri muito em cima daquilo para poder agora fazer rir, entendeu?

GREGÓRIO – É um prazer que passa muito pela comunicação: ‘Olha só, você entendeu o que eu estou dizendo’. Lembro que da primeira vez que subi num palco - comecei a fazer teatro com nove anos - fiz rir sem querer. Tinha voz aguda, era muito baixinho, e as pessoas riram quando abri a boca. Estavam rindo de mim, do meu ridículo, óbvio - mas ainda assim foi muito prazeroso como experiência. A experiência do riso é um barato, deve ter alguma coisa inexplicável sobre uma carência qualquer afectiva que você fica precisando dela depois. Fazer rir é uma experiência que dificilmente deixa as pessoas incólumes e gera uma certa dependência de tão prazerosa. É quase hormonal, uma descarga tão legal que é meio como se sentir querido, se sentir aprovado, sentir que [alguém diz]: ‘eu entendo você, gerámos um canal de comunicação aqui’. Eu me identifico, eu sou você: tem isso no humor.

A relação com o humor veio da vossa família?
FÁBIO – Minha mãe é formada em Letras, foi professora; meu pai mexe com artes plásticas. Ninguém é ligado com humor, mas a minha avó e uma tia avó são hilárias. Escrevi até uma peça inspirada nelas, Velha é a Mãe. Minha família é bem humorada. Está sempre fazendo comentários, observações, é uma família predisposta ao riso, então isso me ajuda muito.

No seu caso?
GREGÓRIO – Também gostam muito de humor, mas não são comediantes. Tinha muitos amigos na família que eram engraçados e isso talvez tenha ajudado mais do que os meus próprios pais [músicos]: a gente convivia com o Millôr Fernandes, por quem sou apaixonado, com o João Ubualdo Ribeiro, Luis Fernando Veríssimo – um cronista genial. O que me influenciou foi dizerem: ‘vai lá ler esse cara’. Os nossos pais lêem muito.

FÁBIO – É. Minha casa era rodeada de livros. As estantes, os corredores, lembro minha mãe lendo à noite. Sempre fui muito incentivado a ler, mas claro que lia os livros de que gostava. Acho chatérrimo uma criança de 13 anos ler Dom Casmurro [de Machado de Assis], ele quer Harry Potter, O Senhor dos Anéis.

Alguma pergunta que Fábio nunca tenha feito ao Gregório e que queira fazer e vice-versa?
FÁBIO – Deixa eu pensar. A gente vai almoçar onde hoje?

GREGÓRIO– A gente conversa tanto que é difícil, né? Eu tenho: você tem medo de envelhecer? Eu vi agora o Monty Python, eles são maravilhosos, mas dá uma afliçãosinha você ver que eles não têm mais o mesmo tempo – e eu amei ver eles, talvez por isso – e ver o seu ídolo meio troncho, errando um pouco o tempo, os textos. Você tem medo disso, de envelhecer errado, meio estranho?

FÁBIO – Não tenho medo de envelhecer, tenho medo de não perceber que eu estou envelhecendo, de não perceber que não posso mais fazer aquilo, de ficar me repetindo. Medo é eu daqui a 40 anos estar pintado de azul cancelando uma linha. [Risos dos dois].
Eu penso já em textos que poderia fazer quando tiver 70 anos, já tenho ideias. O medo é não saber que estou a envelhecer, não perceber que estou envelhecendo, não saber parar, diminuir ou escolher os papéis certos.

GREGÓRIO – As pessoas falam muito: ‘e o que é que vai acontecer quando o Porta perder a graça?’ Isso me dá um ódio porque estão rogando uma praga! É uma pergunta muito escrota, né? O humor é muito cruel, precisa muito de novidade, de frescura. É muito difícil de envelhecer no humor, por isso perguntei [ao Fábio]. Tenho muito medo de perder o julgamento, a sensibilidade, o tacto, o que que nos faz especiais, o que nos dá graça. Porque a graça é um presente, ela é uma coisa que volta e meia você não sabe porque é que ganhou essa piada, a vida te dá essa piada. Dá medo parar de ter esses presentes da vida.

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