Ameaça do califado leva sauditas a reforçar tropas na fronteira com o Iraque

Multiplicam-se os sinais de internacionalização do conflito. Jihadistas controlam já a quase totalidade da província síria mais próxima do Iraque. Irão terá enviado aviões para ajudar governo de Bagdad.

Foto
Parada militar do ISIS em Raqqa, a sua "capital" na Síria Reuters

A Arábia Saudita enviou 30 mil soldados para a fronteira com o Iraque, que se estende por 800 quilómetros de deserto, noticiou a televisão Al-Arabya, alegando que o reforço na segurança aconteceu depois de os soldados iraquianos terem abandonado os postos de controlo. Bagdad negou a retirada, mas as movimentações sauditas – no mesmo dia em que os jihadistas se apoderaram de duas cidades e um campo petrolífero no Leste da Síria – mostram como todo o Médio Oriente arrisca ser arrastado para um conflito que se pode tornar regional.

A Al-Arabya, estação sediada nos Emirados Árabes Unidos mas de capitais sauditas, difundiu quarta-feira um vídeo de um grupo de militares iraquianos que diziam ter recebido ordens para abandonar a fronteira. “Não estávamos expostos a nenhum ataque ou algo do género. Mandaram-nos retirar, não sabemos porquê”, diz um soldado na gravação, cuja autenticidade não foi confirmada. A estação diz que 2500 soldados (dos cerca de 4000 estacionados na fronteira) retiraram para a região de Kerbala, cidade santa do xiismo, no Sul do Iraque.

“Esta é uma informação falsa destinada a atingir o moral do nosso povo e o moral dos nossos combatentes heróicos", reagiu o general Qassim Atta, porta-voz militar do primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, assegurando que a fronteira com a Arábia Saudita continua “totalmente nas mãos” das tropas iraquianas.

O anunciado reforço de tropas na fronteira – que Riad não desmentiu – surge uma semana depois de o rei Abdullah ter declarado que tomaria todas as medidas necessárias para proteger o país “da ameaça terrorista”. Diplomatas ocidentais ouvidos pela BBC dizem desconhecer qualquer ameaça directa dos jihadistas à fronteira saudita, protegida por um sistema de vedações, postos de vigia e patrulhas – barreiras que não são inexpugnáveis, mas que são um obstáculo maior do que as dunas de areia que separam a Síria do Iraque, que os militantes do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS) derrubaram com bulldozers para assinalar o nascimento de um califado dos dois lados da fronteira.

A medida é vista mais como uma precaução de Riad que, depois de em 2006 ter erradicado células ligadas à Al-Qaeda que lançaram vários ataques no país, teme que a nova vaga de jovens sauditas que partiu para combater ao lado dos jihadistas no Iraque e na Síria regresse ao país para lutar contra monarquia. E apesar de o ISIS não ter ainda afrontado directamente o reino, o califado decretado pelos radicais junto às suas fronteiras representa uma ameaça directa para o regime saudita.

Quarta-feira, Abdullah falou ao telefone com o Presidente norte-americano, Barack Obama, e ambos concordaram na necessidade de apoiar a formação de um governo inclusivo em Bagdad como forma de retirar apoio aos radicais e impedir a desintegração do Iraque.

Mas tanto o Iraque como o Irão desconfiam das promessas sauditas, a quem acusam há muito de ter financiado o ISIS e outros grupos sunitas, exactamente com o propósito de desestabilizar o Governo de Bagdad, dominado pela maioria xiita. “O apoio da Arábia Saudita aos grupos terroristas, na Síria e no Iraque, é uma maquinação que um dia acabará por enredar também o país”, disse à BBC o deputado iraniano Mohammad Asafari. Um jornalista iraquiano ouvido pelo Financial Times admitiu que, a ser verdade a ordem dada para a retirada da fronteira, esta seria uma forma de Maliki pressionar o governo saudita a deixar de apoiar a rebelião sunita, acenando-lhe com o perigo de os radicais entrarem no seu território.

Mas os sinais de internacionalização do conflito não se ficam por aqui. Na Jordânia, que reforçou já a segurança na fronteira com o Iraque, houve manifestações pró-ISIS em pelo menos uma cidade no Sul e teme-se que o grupo ganhe apoios entre os 1,5 milhões de refugiados sírios, concentrados no Norte. Quarta-feira, um grupo de peritos militares britânicos disse ter concluído, com base em imagens divulgadas pela televisão, que pelo menos três dos caças que chegaram nos últimos dias ao Iraque foram enviados pelo Irão – o primeiro indício material do envolvimento directo de Teerão no conflito. E da Síria, chegou a notícia de que o ISIS – que usou a guerra contra Bashar al-Assad para obter armas, dinheiro e combatentes – controla a quase totalidade da província de Deir Ezzor, tendo ocupado nesta quinta-feira duas cidades e o campo petrolífero de Omar que estavam em poder da Frente al-Nusra, o braço da Al-Qaeda no país.   

Dentro do Iraque, a ameaça de desintegração não pára de aumentar. Com o impasse instalado nas negociações para formar um novo governo capaz de ser aceite por curdos, sunitas e xiitas, o presidente do Curdistão iraquiano anunciou ter dado instruções ao parlamento autónomo para “preparar a organização de um referendo sobre o direito de autodeterminação”. Massoud Barzani diz que não foram os curdos que “sabotaram o Iraque”, mas as políticas sectárias do primeiro-ministro, e assegura que a inclusão de Kirkuk, cidade que os pershmerga ocuparam alegando que a estavam a proteger da ofensiva sunita, não está em causa.

Sugerir correcção
Comentar