Um debate, várias nações

O encenador alemão Erwin Piscator comparava o teatro a um parlamento. Invertendo a comparação, também o parlamento tem a sua dimensão teatral.

No debate de ontem, tanto a maioria como a oposição foram fieis aos guiões dos últimos meses. Para o governo, a nação está agora no caminho da prosperidade, graças às medidas que adoptou. Para a oposição, o estado da nação é o empobrecimento, por culpa das opções deste governo.

Quem esperava encontrar neste debate sinais de um consenso alargado – a começar porventura por um espectador atento em Belém – terá ficado desapontado. A diferença não estava entre o copo ‘meio cheio’ do governo e ‘meio vazio’ da oposição. Antes, governo e oposição passaram o debate a falar de copos diferentes: um reconstruído e a encher, outro vazio e quebrado.

Sem qualquer ponto de contacto entre as realidades apresentadas pelo governo e pela oposição,  tivemos um debate sobre nações distintas, que de comum tinham apenas o nome: Portugal.

Ao comparar o teatro a um parlamento, Piscator argumentava que o teatro deve induzir o público a envolver-se politicamente. Terá o debate de ontem aproximado os cidadãos da política? Parece improvável, sobretudo quando nenhuma das intervenções nas mais de quatro horas de debate abordou a crescente descrença dos portugueses em relação aos seus representantes políticos: menos de 10% confiam nos partidos e 85% estão insatisfeitos com o funcionamento da democracia nacional, o mais alto nível de insatisfação da UE. E esse é também o estado da nação.

 Coordenador do Doutoramento em Ciência Política (UA-UBI)

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