Das tralhas e dos contos

O chamado debate sobre o estado da nação é uma espécie de discurso da coroa posto no princípio do fim da sessão parlamentar, onde o aparelho de poder faz um ditado sobre as boas intenções de um inferno que são sempre os outros, os que disputam sobre a pesada herança das tralhas.

Basta recordar a “Arte de Furtar”, de 1652: todos aceitam a regra de "viva quem vence. E vence quem mais pode, e quem mais pode tenha tudo por seu, porque tudo se lhe rende".

Chega de espírito de seitas. Das que assumem que os respectivos adversários não podem ser honestos nem inteligentes, como dizia Orwell. Das que proclamam ter o monopólio da verdade, do caminho e da virtude.

Esta democracia precisa de heróis e poetas, de exemplos morais que não nos rebaixem os fins políticos. Precisa de se refundar, com menos caixeiros-viajantes, menos merceeiros e menos delegados de propaganda da banha da cobra. Precisa que os parcos factores nacionais de poder sejam civicamente controlados, porque, enquanto continuar a bancarrota doce, os executivos tendem a ser meros intermediários da ditadura da geofinança.

Urge sair deste interregno, onde os súbditos não são cidadãos, não se preocupam com isso e não pensam que podem libertar-se da sujeição, conforme Maquiavel descrevia os estados eclesiásticos. Cansa o regime das consultadorias apátridas que fazem tradução em calão de catálogos de medidas para uso dos bons alunos do sistema de que são empregados.

Nós inventámos a política para deixarmos de ter donos.

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