Copo furado não enche

Novas políticas sobre o álcool: dos mitos à (dura) realidade.

Seis meses após o terceiro enorme aumento da carga fiscal sobre as bebidas espirituosas no Orçamento do Estado para 2014 e um ano depois da entrada em vigor da lei do álcool em Portugal, os resultados alcançados refletem a falta de equidade e a incongruência das opções feitas: lesivas para os interesses das empresas, dos consumidores e do próprio Estado português.

Os últimos três orçamentos são testemunhas de opções que beneficiam uns sectores em detrimento de outros – o das bebidas espirituosas (Ginginha, Licor Beirão, Amêndoa Amarga e outras). Em vez de reconhecer e retificar as injustiças que introduziu artificialmente neste mercado, o Governo acrescenta mais discriminação alimentada por mitos: alega, por exemplo, que bebidas com maior teor alcoólico encerram mais riscos do que as bebidas “mais fracas” (esquecendo que os consumidores não bebem as mesmas quantidades de umas e de outras); e alega também que uma maior carga fiscal resulta em maiores receitas para o Estado, quando a única coisa que se passa é que o “copo” das bebidas espirituosas já está “furado” e qualquer aumento da carga fiscal está, desse modo, apenas a alimentar os copos das outras bebidas...

Fixemo-nos primeiro sobre a lei do álcool e no facto de esta estabelecer maioridades diferenciadas para o consumo de bebidas alcoólicas (16 para a cerveja e para o vinho e 18 para as espirituosas). Além da mensagem perigosa que parece transparecer – a de que há bom e mau álcool –, o último relatório da OMS sobre álcool e saúde indica claramente que o vinho e a cerveja representam cerca de 90% do álcool consumido entre nós e são, ainda, as bebidas mais baratas.

Mais: com esta diferenciação, Portugal integra um cada vez mais reduzido lote de países onde esta discriminação existe. Os últimos Estados da UE a harmonizarem a maioridade para o consumo de bebidas foram a Espanha e a Holanda, em linha com o que é hoje consensual na comunidade médica e científica – de que o fundamental é educar para um consumo de baixo risco, ou, no caso dos menores, para um não consumo.

Se é verdade que a lei do álcool supre em aspetos não despiciendos alguns desafios com que as entidades que zelam pela lei se deparavam, não é menos verdade que muitos destes mesmos atores advogam a utilização de instrumentos como uma fiscalidade elevada para o combate ao consumo de risco. Tal, a par com a necessidade de elevar a receita do Estado devido ao ajustamento em curso, tem levado as Finanças a anuir face às propostas do Ministério da Saúde.

Ora, nem sempre os impostos elevados levam a melhores padrões de consumo. Basta olharmos para os países do Norte da Europa, onde uma fiscalidade exorbitante não impede muito maiores percentagens de embriaguezes do que no Sul. Recorde-se ainda que os portugueses, quando consideramos o seu poder de compra ponderado, já estão a pagar em impostos sobre o álcool bem acima da média comunitária e muito acima do nível médio que estes produtos pagam no Sul da Europa.

Um olhar sobre os dados da evolução da fiscalidade do álcool dos últimos dez anos não deixa dúvidas quanto à impossibilidade de se obterem mais receitas com aumentos que incidam só sobre as bebidas espirituosas:

Desde 2003, a carga fiscal sobre estas bebidas em Portugal registou um aumento de 43% (21% só nos últimos três anos!), mas as receitas arrecadadas pelo Estado caíram cerca de 15% nesse mesmo período.

Não deixa de ser estranho que apenas as empresas do sector das bebidas espirituosas, com uma forte componente familiar, tradicional, com produtos identificados com a nossa cultura e que representam cerca de 35% do sector, sejam chamadas a contribuir para o ajustamento financeiro do Estado. Mais estranho ainda se torna quando consideramos que este sector, responsável por sensivelmente 10% do álcool consumido em Portugal, já paga mais de 60% do total das receitas que o Estado angaria com as bebidas alcoólicas.

Esta política de aumentos discriminatórios a única coisa que conseguiu foi um esmagamento das margens das empresas de bebidas espirituosas, sem o crescimento proporcional da receita fiscal, apesar dos 20% de aumento.

Entre os mitos em que o Governo se fundamenta para defender as suas políticas fiscais sobre o álcool e a realidade portuguesa, há um fosso por onde, caso o caminho não mude, se continuarão a esvair quer as receitas de que tanto precisa o Estado, quer o emprego, a inovação e o investimento que as empresas poderiam estar a gerar.

Urge regressar a um sistema com método que, com equidade para todos os operadores no mercado das bebidas alcoólicas e, não só, das bebidas espirituosas, preveja ou atualizações iguais para todas as bebidas ou para nenhumas. Para que o copo deixe de verter.

Secretário-geral da Associação Nacional das Empresas de Bebidas Espirituosas

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