Poroshenko diz que assinatura de acordo com a UE é "um dia histórico"

Kiev dá sinais de que o frágil cessar-fogo vai ser prolongado por mais três dias. Separatistas pró-russos libertam quatro observadores da OSCE.

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Poroshenko é o convidado de honra da cimeira europeia Philippe Wojazer/Reuters

Depois de sete meses que mudaram a Ucrânia, o Presidente Petro Poroshenko assinou nesta sexta-feira o acordo de associação com a União Europeia, o documento que o seu antecessor trocou à última hora pela promessa de ajuda económica da Rússia, desencadeando um ciclo de acontecimentos que desemboca na actual revolta separatista no Leste do país. Kiev dá entretanto sinais de que vai prolongar por mais três dias a frágil trégua em vigor desde o início da semana.

O acordo de associação, criticado pela Rússia e temido nas regiões industriais do Leste ucraniano, prevê a supressão das barreiras aduaneiras entre a Ucrânia e os países da UE e pacotes de ajuda financeira a Kiev em troca de reformas estruturais. Medidas que serão replicadas em relação à Geórgia e à Moldávia, com que a UE assinou também nesta sexta-feira acordos idênticos.

“Este é um dia histórico para o meu país, o mais importante desde a independência [em 1991, quando se desfez a União Soviética]”, disse Poroshenko à chegada à cimeira europeia em Bruxelas. Já depois da assinatura, o presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, respondeu que “este é um grande dia para a Europa”. “A UE está ao vosso lado, hoje mais do que nunca”, acrescentou, dirigindo-se aos três novos parceiros.

Para lá do seu valor económico — inferior aos empréstimos anunciados por Moscovo em Dezembro —, o acordo de associação com a Ucrânia representa um sinal político de aproximação ao bloco europeu, em detrimento da ligação umbilical à economia e à esfera de influência russa. Um passo que era desejado pelas multidões que, em Novembro, saíram à rua em Kiev e noutras cidades do Oeste da Ucrânia em protesto contra a decisão do então Presidente Viktor Ianukovich de adiar a assinatura do acordo, denunciando pressões de Moscovo e exigindo à UE contrapartidas financeiras mais elevadas pela aproximação.

Protestos que se radicalizaram e que, após uma repressão que fez dezenas de mortos, acabariam por forçar Ianukovich a abandonar o poder. Rejeitando seguir o caminho traçado por Kiev, a península da Crimeia, reforçada com tropas enviadas por Moscovo, decidiu-se pela anexação à Rússia. Um passo que muitos nas regiões russófonas de Donetsk e Lugansk quiseram imitar, desencadeando uma rebelião que nas últimas semanas fez já centenas de mortos, sobretudo separatistas e soldados ucranianos enviados para esmagar uma revolta que as novas autoridades de Kiev apelidam de “terrorista”.

A Rússia, que ambicionava integrar os países da ex-URSS no seu projecto de união aduaneira, não esconde a sua oposição ao estreitar de laços da Ucrânia com a UE. Um porta-voz do Kremlin veio já dizer que a Rússia adoptará medidas para proteger a sua economia dos efeitos adversos da associação das ex-repúblicas soviéticas à UE e o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Grigori Karassin, assegurou que os três países enfrentarão “graves consequências”.

Em declarações à BBC, um assessor do Presidente russo, Vladimir Putin, foi ao ponto de acusar a UE de “estar a forçar a Ucrânia a assinar este acordo”. “Eles organizaram um golpe militar na Ucrânia, que ajudou os nazis a chegar ao poder. E agora este governo nazi está a bombardear a maior região da Ucrânia”, disse Serguei Glaziev, conselheiro de Putin para a integração económica regional. Questionado se Poroshenko é também ele um nazi, respondeu: “Claro que sim.”

Prolongamento da trégua em discussão
Poroshenko, eleito há um mês, anunciou na semana passada um cessar-fogo unilateral para dar oportunidade aos separatistas de deporem as armas, mas a violência não deu tréguas — os rebeldes chegaram a abater um helicóptero do Exército, matando os seus nove ocupantes.

Na madrugada desta sexta-feira, os separatistas anunciaram ter tomado uma base militar nos arredores de Donetsk e quatro soldados terão morrido em combates na cidade de Kramatorsk. Em contrapartida, quatro dos oito observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) capturados em Maio foram libertados em Donetsk.

As agências noticiaram que representantes dos dois lados voltaram a encontrar-se nesta sexta-feira na cidade para discutir a suspensão dos combates e dar uma hipótese ao plano de paz proposto por Poroshenko. À mesma hora, em Bruxelas, fontes diplomáticas garantiram que o Presidente tinha decidido prolongar por mais 72 horas a trégua, que deveria expirar ao início da noite. O próprio garantiu, no entanto, que uma decisão final só será tomada depois do seu regresso a Kiev, ao final do dia.

Mas numa indicação de que o cessar-fogo será mantido, os Vinte e Oito anunciaram que vão voltar a debater a crise na Ucrânia na próxima segunda-feira, esperando que até lá os rebeldes tenham libertado todos os reféns, aceitado os termos de um cessar-fogo duradouro e cedido ao Exército o controlo total sobre a fronteira com a Rússia.

O Conselho Europeu deixa claro que a Rússia deve aproveitar este hiato para provar que está empenhada em reduzir a tensão na região. Caso contrário, podem ser discutidas novas sanções. Foi o que disseram o Presidente francês, François Hollande, e a chanceler alemã,  Angela Merkel que no domingo vão falar telefonicamente com Putin e Poroshenko.

Consequência directa dos combates, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados revelou que só na última semana mais de 16 mil pessoas deixaram as suas casas no Leste da Ucrânia, elevando para 54 mil o número de deslocados internos, a que se juntam 110 mil que desde o início do ano procuraram refúgio na Rússia.

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