Espanha ainda longe da “tempestade perfeita”

Abdicação do rei. Pressão para a independência da Catalunha. Desprestígio das instituições. Debate sobre o regime. Dúvidas sobre a validade da transição democrática. Mais de cinco milhões de desempregados. Seis jovens olham para o seu país e peritos explicam.

Foto

Se uma coisa funcionou até agora, porquê mudá-la?”, pergunta Cristina Jaquerte, 22 anos, finalista de Educação Física, referindo-se à continuidade da monarquia. É ao fim da tarde de sexta-feira, 20 de Junho, numa esplanada de Pozuelo de Alarcón, município nos arredores de Madrid, que seis jovens universitários, entre os 19 e os 23 anos, falam sobre o seu país. São filhos da classe média. Têm diferenças de apreciação, mas pertencem ao mesmo grupo de amigos. Sinal de tolerância. O que, em Espanha, é sinónimo de modernidade.

“A cerimónia pareceu-me correcta e austera como a sociedade reclama, de acordo com os tempos que vivemos.” Um dia depois da proclamação de Felipe VI, Enrique Moreno, 22 anos, estudante de Economia, faz um balanço sintético. “A cerimónia foi excessiva, se isto é austero… havia demasiadas bandeiras espanholas”, contrapõe Elena Gutiérrez, 19 anos, estudante de Administração e Direcção de Empresas, com um bisavô português de Braga. “Era uma coisa importante”, responde Ana Ejérron, 21, que estuda Jornalismo e Publicidade. Winslow Land, 21, filho de americano e espanhola, no 1.º ano de Engenharia Mecânica, questiona a importância.

Enrique surpreende-se e recorda que a monarquia está na Constituição. “Também o direito à habitação”, riposta Winslow. Cristina faz a bissectriz argumental. Não é partidária da república nem da monarquia, mas tem uma preferência de custos: “Segundo dizem, parece ser mais barata uma monarquia.” Ana continua na senda do pragmatismo: “Necessitamos de uma figura imparcial, os Borbón [que reinam em Espanha] são conhecidos, quem mudar de quatro em quatro anos não tem contactos, o rei é o melhor relações públicas.”

Esta apresentação do regime como veículo utilitário da representação desagrada a Winslow, para quem os problemas não se solucionam com apertos de mão reais: “São os donos das empresas que os resolvem.” Daí que aponte como solução o referendo. O que desespera Enrique, para quem a Constituição tem um carácter intemporal e já foi referendada em 1978. “A Constituição foi em 1978, há mais de 35 anos”, alerta Afonso González, 23, que este ano espera terminar Educação Física. Elena pede o referendo para a opinião dos cidadãos ser novamente considerada.

O diálogo é vivo. É uma conversa de amigos entre amigos. Longe do dramatismo que sempre encerra os discursos dos políticos e as diatribes partidárias. O que favorece consensos. Surpreendentes perante o calor dos argumentos. “O meu futuro não depende da monarquia ou da república”, pondera Elena. Há um acordo generalizado com a síntese de Enrique: “O futuro depende da acção do Governo.”

As diferentes opiniões desaguam na relativização da importância da forma do regime. Para todos os jovens, a crise é o principal problema. Mas há declinações. Enrique lamenta a politização do sistema judicial. Cristina fala do desemprego. O poder dos bancos e das multinacionais preocupa Winslon. “O problema é o que a crise levou, só a economia está globalizada, socialmente há diferenças de salários, há que repensar a globalização”, alvitra Afonso González.

Assim, o debate monarquia versus república não é encarado em Espanha como decisivo. O que nos chega é o ruído de manifestações e a novidade do colorido da bandeira republicana (vermelha, amarelo e violeta) como pano de fundo. “Não há um sentimento dominante nem a ideia de que a monarquia seja um problema”, constata Santos Juliá, catedrático de História Social e do Pensamento Político. Os dados de uma recente sondagem do oficial Centro de Informações Sociológicas confirmam esta versão. A monarquia só é problema para 0,2% dos inquiridos.

“O que está por detrás da questão republicana é a existência em Espanha de muitas Nações e que estas reclamam o direito a decidir”, prossegue Juliá, prémio Nacional de História de Espanha em 2004. Não foi por acaso que no discurso de proclamação Felipe VI evocou o seu papel constitucional de símbolo da unidade do país.

“É um debate que existe, mas as posições ainda não estão definidas”, contrapõe José Ignácio Torreblanca, professor de Ciência Política e investigador do Conselho Europeu de Relações Exteriores: “Há uma minoria monárquica e outra republicana, por questões de princípio, mas há uma maioria acidentalista que considera que manter ou mudar a monarquia depende dos custos.” Neste âmbito, Torreblanca aponta o paradoxo espanhol: a monarquia sustenta-se sobre os republicanos (o centro-esquerda), os monárquicos são os principais inimigos do rei.

A opinião de Juan Cruz, primeiro editor de José Saramago em Espanha, é disso um exemplo: “Sou republicano mas não tenho urgência de cumprir esse ideal, prefiro a democracia à monarquia ou à república.” Para Cruz, o debate só foi levantado quando Juan Carlos “cometeu imprudências” (a instabilidade conjugal e a última caçada no Botswana), mas a questão apareceu pela crise económica e política e por uma vaga incandescente de populismo, como se a forma do Estado fosse um problema. Pelo que alerta: “Em Espanha, instalou-se uma perigosa facilidade de palavra, como se as palavras resolvessem os factos.”

Fernando Vallespin, catedrático de Ciência Política, aponta noutra direcção: “A monarquia continua a ser um factor de estabilidade.” O jornalista José García Abad, autor do livro A Solidão do Rei, considera prematuro o debate sobre a forma de regime: “A maioria tem medo do fim da estabilidade, a generalidade da população tem recordações preocupantes de uma Segunda República que terminou em Guerra Civil [1936-39].”

Esta memória colectiva aconselha prudência. “Para a direita, a república não é um termo neutro, é igual a revolução, no entanto, com o tempo e o passar das gerações, isto vai mudando”, admite García Abad. E destaca que não há ainda, em Espanha, um partido republicano tout court.

Uma evidência que leva José António Zarzalejo, antigo director do diário ABC e monárquico, a apontar uma fraqueza intrínseca: “O movimento republicano é débil, não tem líderes, nem discurso, não sabemos se querem uma República representativa ou presidencialista, apareceram, agora, porque era o momento de abdicação do rei Juan Carlos.”

Quem desce às ruas a pedir o referendo cavalga a onda da crise. “Houve uma reviravolta dos comunistas que, da dicotomia ditadura-democracia de Santiago Carrillo em 1977, optaram pela monarquia/república”, refere Santos Juliá: “Para os comunistas e os sindicatos, é um recurso oportunista, porque não têm nada de atractivo para oferecer à sociedade e sofrem com o avanço de outras formações.”

Os emblemáticos momentos de reivindicação social, como as concentrações do 1.º de Maio, há muito que perderam fulgor, e a Espanha passou a ter um dos mais baixos índices de sindicalização. O score eleitoral do até agora desconhecido nas europeias de 25 de Maio último, com a eleição de cinco eurodeputados e 7,97% de um corpo eleitoral de 36,5 milhões, corresponde a esse movimento. São herdeiros do 15 de Maio de 2012, um movimento inorgânico que definhou após ter levantado o acampamento de tendas das Portas do Sol.

“Nas europeias, vota-se mais com o coração do que com a cabeça”, relativiza Fernando Vallespin. Foi assim que o bipartidarismo Partido Popular (PP)/ Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) ficou abaixo da metade da escolha dos eleitores quando, tradicionalmente, congregava as preferências de 80% dos cidadãos.

Para além da memória nefasta do mais duro conflito interno — uma Guerra Civil —, outro receio invade os espanhóis. “Um Presidente da República tem um handicap, a sua origem partidária”, anuncia Santos Juliá. Não é de somenos quando a classe política perdeu pontos na avaliação da cidadania. “O Presidente da República teria de sair dos dois principais partidos, pelo que perderia a sua capacidade de árbitro e de símbolo”, concorda José Ignácio Torreblanca. A capacidade de construir pontes é bem avaliada pela sociedade. Em contraste com a colonização do Estado pelo bipartidarismo, a eterna reprodução das cotas do PP e do PSOE no aparelho de Estado, como sublinha Fernando Vallespin.

Foto
o debate monarquia versus república não é encarado em Espanha como decisivo RAFA RIVAS/AFP

Do Papa ao populista Mujica

São estas reticências que originaram a discrição dos protestos republicanos em 19 de Junho, data da proclamação de Felipe VI. E, num país de paradoxos, em que a conveniência é a bissectriz das possibilidades, a razão do pouco entusiasmo que a mudança de reinado suscitou no país. Em Madrid, só a distribuição pela Câmara de 120 mil bandeirolas engalanou a cidade, onde a bandeira espanhola aparecia em varandas e estabelecimentos comerciais com a ilusão do Mundial de Futebol.

Não apenas a cerimónia foi austera, limitada a uma recepção com a ausência de cabeças coroadas de outros reinos e de dirigentes políticos internacionais, como ocasional foi a propaganda ao novo casal real. Apenas 40 mil pequenos posters de Felipe e Letizia foram editados por iniciativa da associação de comerciantes da capital, em contraste com a agitação de há dez anos, quando do casamento dos então príncipes das Astúrias. Agora, o país acedeu sem entusiasmo ao novo reinado e também fez ouvidos moucos aos cânticos da mudança. Resignou-se, por enquanto, ao que tem.

É neste limbo, de expectativa e certa indiferença, que se move Felipe VI. O seu reinado será, contudo, decisivo para a manutenção da fórmula monárquica. “Na família real, quem mais prestígio tinha era o príncipe herdeiro, por isso a abdicação era a única medida para que a monarquia recuperasse”, afirma Santos Juliá. Em Fevereiro deste ano, o catedrático defendeu publicamente a abdicação de Juan Carlos I.

“Para salvar a instituição, o monarca tinha de abdicar, mas houve muita precipitação, não só pelo escândalo financeiro que afecta a sua filha Cristina e o genro Iñaki Urdangarin, mas pelo resultado das eleições europeias nas quais os principais partidos que apoiam a monarquia, o PP e o PSOE, perderam a maioria”, analisa José García Abad. “Felipe VI tem grandes diferenças com o seu pai, não é bonacheirão, é mais rigoroso, fez os cursos de Economia e Direito, um master em Relações Internacionais”, enumera. “Mas na monarquia o que impera é a imagem”, ressalva García Abad: “Juan Carlos tinha um grande capital humano que perdeu nos últimos seis anos, Felipe VI tem de encontrar o seu próprio estilo com mais transparência, mais afastamento do mundo dos negócios, vai ter de cuidar as suas amizades, não vai poder andar em caçadas porque defende o meio ambiente.”

A abdicação era, assim, há muito desejada. “Desde há ano e meio que defendia que Juan Carlos I abdicasse, devia ter abdicado em 2012, na sequência da caçada aos elefantes no Botswana porque o desgaste da Coroa teria sido menor”, recorda José António Zarzalejo. Monárquico, Zarzalejo antevê uma mudança no regime: “Se Juan Carlos tinha poderes carismáticos, Felipe VI tem o poder pela Constituição.”

Também para Juliá, o novo rei tem vantagens acumuladas: “Sempre teve uma posição institucional, nunca teve a tentação de interferir, de demonstrar as suas preferências, não está mediatizado pela biografia anterior, como aconteceria com um Presidente da República.”

Condições e características que são novidade, assegura José Ignácio Torreblanca: “Historicamente, a monarquia em Espanha foi muito frágil devido aos erros dos monarcas, o novo rei está muito consciente desse problema.” Daí que no seu discurso de 30 minutos de proclamação tenha apresentado o seu rumo dando um título, muito meditado, à imprensa e à sociedade: uma monarquia renovada para um novo tempo.

Um caminho que corresponde às exigências dos politólogos e da opinião pública. “São precisas medidas de transparência, tal como a exemplaridade na vida privada”, aponta Ignácio Torreblanca. “Pode apelar à negociação, fazer um trabalho de mediação, pressionar discretamente, apadrinhar uma mudança, mas não pode, apenas, contemplar a paisagem política”, reflecte Fernando Vallespin.

Mais uma vez, tudo se joga no equilíbrio entre o necessário e o possível. “A prudência de Felipe VI vai ser fundamental, este rei vai ser exemplar também na sua vida privada”, antevê José António Zarzalejos. O painel dos jovens debate o regime, com preferência à justa pela continuidade monárquica. Mas as personagens que lhes interessam vão do Papa Francisco ao Presidente do Uruguai, o populista José Mujica, independentemente de serem ou não crentes.

Foto
Manifestação pró-república depois de Felipe VI ser empossado Gonzalo Fuentes/REUTERS

Terceira via para a Catalunha

Ganhar a confiança dos cidadãos, marcar diferenças com o seu pai são as tarefas do novo rei. Mas no horizonte imediato espanhol, após o Verão, está a proposta de referendo independentista da Catalunha.

“Não estou de acordo com um referendo na Catalunha sobre a sua independência de Espanha, tem de ser o país todo a decidir”, diz Enrique. O estudante de Economia retoma o argumento constitucional de que uma parte do Estado não pode decidir por si própria a manutenção no conjunto do Estado. Espanha não é apenas uma casa, contrapõe Winslow. Elena devolve a questão à Catalunha “Se eles querem ser independentes, porque não?”

O referendo para a independência de uma parte de Espanha torna mais vivas as diferenças. “Se querem ser independentes que o sejam com todas as consequências”, proclama Cristina. Com todas as suas consequências, concorda Ana. Na mira das duas jovens estão os interesses económicos catalães e o fluxo comercial com o resto de Espanha, que representa cerca de 70% do comércio da Catalunha. É o cenário da inviabilidade económica da independência, argumento que tem sido esgrimido por alguns círculos empresariais e pela banca.

Os resultados do referendo de Novembro não terão validade jurídica. Mas garantida está a tensão. Alguns sectores recomendam um golpe de força de Madrid. “Se eles utilizam a força, claro que não quero, mas seria uma guerra civil”, admite Enrique. Uma intervenção pela força é recusada por Winslow e Elena. “Não será necessário”, antevê Afonso. “Tenho familiares na Catalunha, os meus primos dizem-me que isso não se vai colocar, mas, a haver uma situação-limite, teríamos de mandar tropas”, afirma Ana.

O futuro da Catalunha divide o grupo de seis amigos. Há a mesma tensão que se detecta na vida política espanhola. O presidente da Generalitat, Artur Mas, defensor e proponente do referendo, marcou distâncias na semana passada com a Coroa. Faltou, tal como Iñigo Urkullu — lendakhari basco — chefe do executivo do País Basco, à assinatura da abdicação de Juan Carlos I. Esteve na proclamação de Felipe VI, mas não aplaudiu o discurso do novo monarca. Compareceu por dever institucional. E, tal como Urkullu, manifestou propositadamente o seu desagrado.

“Há pouco espaço de manobra, estamos a caminho de um conflito muito sério que pode chegar à rua”, afirma José António Zarzalejos. “O presidente de um Governo democrático [Mariano Rajoy] não pode ser confrontado com um ultimato e um referendo, não se pode negociar a implosão do Estado”, destaca o antigo director do ABC. Para ele, a via devia ser outra. Eleições plebiscitárias na Catalunha com um programa que defenda a independência e que demonstre que todos os partidos a reclamam. Um contrato claro com a sociedade e os catalães.

A opinião de Zarzalejos da possibilidade de uma “tempestade perfeita” não é, contudo, unânime. “Só há uma saída que não é uma declaração de independência unilateral da Catalunha, tem de haver uma revisão da Constituição”, considera Santos Juliá. José Ignácio Torreblanca afirma não ter ainda sido feita uma oferta de negociação à Catalunha e não se ter colocado em cima da mesa a possibilidade de uma reforma constitucional com a alteração do sistema de financiamento dos catalães. “Cada dia que passa é mais difícil, o PP não quer porque sabe que isso destrói o PSOE e a CIU [Convergência e União, à frente do executivo catalão] é uma visão míope porque, se a curto prazo o PP ganha, os independentistas acabam por suplantar os moderados”, analisa Torreblanca.

Fernando Vallespin não vê um futuro de inevitabilidades. Admite margem de manobra: “Necessitamos de lideranças políticas como as da transição democrática [1975-78] e mais responsabilidade dos nacionalistas.” Esta terceira via de Vallespin passa por um novo processo constituinte que reorganize os poderes do Estado, a solidariedade entre as regiões, o sistema de financiamento. “A Catalunha não tem dinheiro para manter, por si só, o Estado de bem-estar social”, adverte.

A reforma é a via também defendida por Santos Juliá, num projecto com vários passos: reforma constitucional, definição das competências das diferentes comunidades autónomas, sendo esta questão admitida como a mais delicada.

Idêntico propósito é o defendido por Ignácio Torreblanca: “Há que fazer um pacote global, um novo consenso territorial, um novo sistema de partidos políticos, a reforma da Constituição com o fim do machismo na prevalência masculina na sucessão ao trono, tudo submetido a um referendo, como aconteceu em 1978.” Um grande trabalho de acordo político, portanto.

Há, ainda, espaço de manobra, acentua Torreblanca: “No início da crise, a independência da Catalunha não era a prioridade, foi o imobilismo de Madrid e a falta de resultados que levaram o independentismo ao populismo.” Ou seja, o bloqueio político e as dificuldades económicas radicalizaram posições.

Fernando Vallespin enquadra a situação de outra forma. Mais crua. “A Espanha não tem projecto de futuro claro, parece um barco à deriva, e os catalães querem salvar-se”, considera. Nesta visão, a crise europeia dos últimos anos agravou a crise nacional.

Perante a situação na Catalunha, Felipe VI nada pode fazer. Os seus poderes estão limitados constitucionalmente. Tem funções de moderação e de árbitro. Cabe ao Governo e aos partidos encontrarem uma solução.

Foto
Protestos nas Portas do Sol em Maio de 2011 PEDRO ARMESTRE/AFO

Sair com bilhete de volta

“No PSOE, estamos contra um referendo fora da Constituição, a solução é uma reforma constitucional que consagre o reconhecimento das especificidades da Catalunha em Espanha”, destaca Trinidad Jiménez, antiga ministra dos Assuntos Exteriores de José Luís Rodriguez Zapatero. A ex-chefe da diplomacia considera injusta a expectativa de ser Felipe VI a resolver os problemas com a Catalunha. Refere que constitucionalmente o papel do chefe de Estado é muito específico. Garante, mesmo, que não gostaria que o monarca tivesse outro papel, portanto à revelia dos ditames constitucionais.

O Governo de Rajoy e o PP não avançam fórmulas de solução. Esperam que a situação se degrade, que os sectores catalães moderados saiam do actual guião adoptado pela CIU e que, na verdade, foi proposto pelos sectores independentistas.

Foi o referendo catalão que trouxe para a ribalta política o princípio do “direito a decidir” sobre a forma de regime. Uma janela de oportunidade para os republicanos, à boleia das reivindicações dos nacionalistas da Catalunha. E perante o acompanhamento atento do nacionalismo basco, a que se somou a falta de agenda dos comunistas e a crescente debilidade do movimento sindical. Uma conjugação sem massa crítica e de propósitos diferenciados.

Desatar este nó espanhol passa por um redesenho do Estado das Autonomias. De um novo encaixe dos territórios e nacionalidades na pátria comum. Não é tarefa fácil. A montagem autonómica, 17 comunidades com multiplicação de representação política — executivos regionais, parlamento —, e desdobramento de funções deixou de ser uma solução virtuosa. A crise económica pôs em questão os seus custos e racionalidade, apesar de ter, em muito, contribuído para o desenvolvimento do país através de um mais directo aproveitamento dos fundos comunitários.

Os jovens reunidos à mesa na esplanada de Pozuelo de Alarcón estão conscientes deste facto. Elena e Cristina apontam o gasto excessivo de recursos. Enrique lamenta a existência de normas diferentes na Educação e Saúde. A sua crítica é partilhada pelo grupo. Em Espanha, ser estudante em Madrid não é o mesmo que ser aluno na Catalunha. Estar no liceu na Catalunha não tem paralelo em frequentar o secundário na Galiza. O que tem consequências no acesso à universidade e na entrada no mercado de trabalho. São escadas de acesso diferentes.

“Estou de acordo com as Comunidades, mas discordo dos privilégios forais (nos impostos) de Navarra e País Basco”, destaca Enrique. Afonso lembra a génese do Estado das Autonomias, a existência de línguas próprias e a identidade cultural própria nalgumas comunidades. Mas não há paixão pelo modelo.

Santos Juliá considera que o actual desenho está esgotado: “O Estado autonómico equivale a um tipo de federalismo, mas carece de algumas instituições, como as agências federais.” José Ignácio Torreblanca vai mais longe. Considera que o modelo referendado em 1978 necessita de uma nova legitimação. Tal como a forma de regime: “A monarquia não tem o consenso suficiente, com tempo, há que fazer um referendo para evitar pôr em perigo a instituição.”

Fernando Vallespin vê dificuldades no calendário político imediato, com o referendo catalão em Novembro, as eleições municipais e regionais em Março de 2015, a que se seguem, em Novembro do próximo ano, as gerais. “Vamos passar um período de convulsões”, antevê. José António Zarzalejos admite que o grande debate é avançar com uma reforma constitucional para melhorar o sistema. Um caminho lento, que passa por várias fases: 3/5 do Parlamento para aprovar a reforma, dissolução das Cortes (Parlamento e Senado), eleições, referendo e nova aprovação pelos eleitos do povo.

Concluídos estes trâmites, com tempo e sem as actuais urgências políticas, nasceria uma Espanha diferente. A reforma aponta para uma maior operatividade da fórmula e reclama um novo consenso. O tempo necessário é um dos óbices.

Os seis jovens universitários sonham com um futuro a dois tempos. Numa primeira fase, pelo estrangeiro. Depois, o regresso. Enrique só admite sair se o projecto valer a pena: “Para trabalhar num Mcdonald’s no estrangeiro, não vale a pena.” Ana dá a resposta típica espanhola, pois não se vive melhor que em Espanha. Cristina pensa sair, mas… “a longo prazo volto para me casar e ter filhos aqui”. Elena condiciona a partida à vigência da crise. Winslow desenvolve o pragmatismo e irá para onde o trabalho estiver. Afonso tem o mesmo guião que Cristina: “As coisas não estão bem, sairei uns quatro ou cinco anos, mas com bilhete de volta.”     

Sugerir correcção
Comentar