Trabalhadores insatisfeitos com o trabalho têm maior consumo de substâncias

Trabalhadores sem vínculo laboral e a tempo parcial também tendem a ter maior prevalência de uso de substâncias

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A lei do álcool, tal como está, permite que a partir dos 16 anos qualquer pessoa possa adquirir cerveja e vinho Adriano Miranda

Os trabalhadores mais insatisfeitos com o seu trabalho são os que apresentam consumos mais elevados de substâncias, o que tanto acontece no tabaco e no álcool, como em medicamentos (sedativos, tranquilizantes ou hipnóticos) e drogas ilícitas, revelam dados do estudo Consumo de substâncias psicoactivas na população laboral, apresentado esta quarta-feira em Lisboa. Ainda assim, o emprego parece funcionar como um factor protector quando se avaliam os consumos entre a população desempregado que atinge níveis mais elevados, sobretudo no tabaco e no álcool.

 Além da insatisfação no trabalho há outros factores laborais que surgem associados a uma maior prevalência de consumos – é o caso do vínculo laboral. Olhando, por exemplo, para o consumo excessivo de bebidas alcoólicas constata-se que a diferença entre quem é precário e quem tem vínculo à empresa é grande: no caso dos homens apresentam consumo nocivo de álcool 32,5% dos trabalhadores sem vínculo, face a 17,9% dos que o tem, no caso das mulheres a diferença existe mas é mais ténue, entre 10,6% (sem vínculo) e 8% (com vínculo).

“Também os trabalhadores a tempo parcial estão sobre-representados em todos os consumos, menos no caso do álcool”, disse Casimiro Balsa, coordenador do estudo realizado pelo CESNOVA-Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, a pedido do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e das Dependências (SICAD). A investigação teve por base uma amostra de 6817 inquéritos com respondentes dos 15 aos 64 anos, inseridos no II Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias na população geral, realizado em 2012.

Ainda assim, ter emprego é, no que toca a este tipo de consumos, melhor do que não o ter, realçou Casimiro Balsa. Os desempregados apresentam prevalências de consumo de substâncias mais elevados do que as pessoas que estão empregadas. Isso é especialmente notório nos homens no caso do tabaco, em que 53,3% dos desempregados dizem fumar, face a 33,8% das pessoas empregadas. No caso do consumo excessivo de bebidas alcoólicas a diferença é entre 20,7% nos empregados e 22,9% no caso dos desempregados.

Na sequência da apresentação, o subdirector do Sicad, Manuel Cardoso, realçou um dado. Por regra, são sempre os homens a consumir mais mas este estudo apresentou uma excepção que “tem que significar alguma coisa”: nas trabalhadoras "com jornadas de trabalho de regime contínuo nocturno" todas as tendências de consumo são invertidas e são de longe as mulheres as que apresentam maiores consumos de substâncias.

Os inquiridos do estudo respondem que nas empresas onde trabalham não são feitas acções de prevenção e controlo de consumo de álcool e drogas no local de trabalho. São 79% os que dizem que não existe qualquer regulamento sobre o seu uso no local de trabalho. Ainda mais inquiridos (87,6%) dizem que no seu trabalho não foi realizada qualquer acção de prevenção sobre esta questão. “Há muito para fazer nesta área”, admitiu o director do Sicad, João Goulão.

Quando à realização de testes para a detecção de consumo de álcool e drogas ilícitas, a percentagem dos que dizem que nunca foram feitos ronda os 90%. Manuela Brito, médica do Sicad no Porto, sublinhou que é preciso ter cuidado em relação à forma como os testes de despistagem de drogas e álcool podem estar a ser usados em meio laboral. A clínica disse “que estão a receber cada vez mais relatos” de trabalhadores que dizem que estes testes não são feitos pela medicina no trabalho, mas “por chefias directas” e “que são usados como forma de chantagem contra o trabalhador”.

 

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