David Cameron agrava isolamento na UE no processo de nomeação de Juncker

O primeiro-ministro britânico, a par de Viktor Orban, é o único dos 28 que continua a recusar o nome do luxemburguês para a Comissão Europeia.

Um confronto sobre diferentes visões da construção europeia e sobre as políticas de austeridade impostas durante a crise do euro está a ser travado no contexto da nomeação de Jean-Claude Juncker para suceder a Durão Barroso, o que promete tornar uma cimeira de líderes da União Europeia (UE) na quinta e sexta-feira numa dura batalha de sérias consequências.

David Cameron, primeiro-ministro britânico, é o único dos 28 chefes de Estado ou de governo da UE – porventura com o apoio do seu homólogo húngaro,Viktor Orban – que se opõe terminantemente à nomeação do ex-primeiro-ministro luxemburguês enquanto novo presidente da Comissão Europeia a partir de 1 de Novembro.

Embora em minoria, e sem qualquer capacidade de vetar a nomeação – a decisão pode ser tomada por maioria qualificada –, Cameron tem recusado todas as tentativas desenvolvidas pelos parceiros para construir um compromisso capaz de lhe salvar a face.

Uma destas tentativas consistiu na incorporação de algumas das ideias britânicas de reforma das políticas europeias nas linhas de orientação para o próximo mandato de cinco anos da Comissão, que deverão ser igualmente aprovadas pelos líderes na sexta-feira.

Cameron, cuja oposição é determinada sobretudo pela convicção de que Juncker é excessivamente federalista, tem sido duramente criticado pela imprensa britânica eurocéptica, que troça do seu isolamento e mais que previsível derrota em Bruxelas.

O chefe do Governo britânico tem mesmo ameaçado exigir uma votação dos líderes, uma situação totalmente inédita nas cimeiras europeias – onde as decisões são sempre tomadas por consenso –, de modo a poder apontar responsabilidades pelo que considera uma escolha desastrosa de um “homem do passado”.

Segundo vários analistas, Cameron esperará aparecer à sua opinião pública em posição de força enquanto homem de convicções, mas poderá, acima de tudo, provocar um agravamento do eurocepticismo nacional e precipitar, em consequência, a saída do país da UE. O líder britânico prometeu, aliás, um referendo sobre a questão o mais tardar em 2017, altura em que espera ter renegociado os termos da participação do país na UE. Nenhum dos parceiros está aberto a esta renegociação, uma posição que tenderá a ser agravada com a postura de Cameron face a Juncker.

O seu isolamento entre os 28 tornou-se, aliás, patente com a recente revelação de escutas ilegais do ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Radoslaw Sikorski – um dos principais aliados de Londres –, pouco lisonjeiras para o chefe do Governo britânico, que é acusado de incompetência e de agravar o eurocepticismo britânico por se recusar a combatê-lo.

Além do “problema Cameron”, a nomeação de Juncker tem em pano de fundo outra batalha, desta vez iniciada pelos líderes socialistas, que querem condicionar o seu apoio ao luxemburguês a uma flexibilização da interpretação das regras europeias de disciplina orçamental (expressas no pacto de estabilidade e crescimento do euro, ou PEC). Nesta frente, a batalha é conduzida pelo primeiro- ministro italiano, Matteo Renzi, com o apoio do Presidente francês, François Hollande, e para grande irritação da Alemanha, que recusa terminantemente qualquer alteração das regras.

A posição dos socialistas é mais táctica do que ideológica, já que Juncker – oficialmente o candidato do centro-direita (PPE), que ganhou as eleições europeias de Maio – é considerado “o mais social-democrata dos democratas-cristãos” e não gera anticorpos à esquerda. Ontem, no Parlamento italiano, Renzi garantiu que não quer alterar qualquer regra, mas simplesmente a sua aplicação de forma flexível, de modo a permitir que os governos disponham de mais tempo para reduzir os défices orçamentais em troca da assunção de programas firmes de reformas estruturais das respectivas economias.

Esta flexibilização impõe-se porque “o tratado [da UE] obriga-nos a olhar para o crescimento [económico] e para a estabilidade [orçamental] como elementos que devem andar a par e passo. Não há estabilidade possível, se não houver crescimento na Europa, e as políticas [de austeridade] dos últimos anos têm falhado por causa disso”, vincou.
 

   

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