Rússia anula autorização dada pelo Parlamento a intervenção militar na Ucrânia

Poroshenko fala em “passo concreto” para a paz. Mas acusa separatistas pró-russos de não estarem a respeitar cessar-fogo.

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Putin justifica decisão com o objectivo de “normalizar” situação na Ucrânia Reuters

Os sinais de que a crise no Leste da Ucrânia pode ter uma evolução pacífica começam a aparecer. O Presidente russo, Vladimir Putin, pediu nesta terça-feira, à câmara alta do Parlamento, para revogar a autorização dada em Março para uma intervenção das forças armadas na Ucrânia, em defesa dos falantes de russo.

“O chefe de Estado propôs ao Conselho da Federação a anulação da decisão de 1 de Março sobre o recurso às forças armadas da Rússia no território da Ucrânia”, disse o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, citado pelas agências russas. A decisão agora tomada tem “o objectivo de normalizar” a situação na Ucrânia, acrescentou.

A revogação deve ser aprovada nesta quarta-feira, segundo um membro da câmara alta citado pela agência Interfax. É um passo atrás na escalada de tensão vivida na região nos últimos meses, que atingiu níveis sem precedentes desde a Guerra Fria e levou à imposição de sanções dos países ocidentais à Rússia.

O Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, reagiu pouco depois e referiu-se à decisão russa como um “primeiro passo concreto” para resolver a crise no Leste da Ucrânia. É “o primeiro passo concreto desde que o Presidente russo apoiou formalmente o plano de paz da Ucrânia”, disse, numa declaração divulgada pelo site da chefia do Estado.

Horas depois, Putin declarou que a revogação não significa que "a Rússia vai deixar de proteger os interesses das minorias russas na Ucrânia". E considerou que os sete dias de cessar-fogo decretados por Poroshenko no Leste "são insuficientes" e devem ser prolongados para proporcionar as condições para a realização de "negociações substanciais".

Depois da autorização aprovada em Março pelo Conselho da Federação, a Rússia consumou a anexação da região ucraniana da Crimeia, com o apoio de militares russos não identificados como tal. Apesar de inicialmente o negar, Putin admitiu mais tarde a actuação de forças russas no terreno.

Ao contrário, tem negado as acusações do Governo de Kiev de que militares russos armaram e apoiam os rebeldes separatistas do Leste da Ucrânia – os combates entre tropas ucranianas e pró-russos causaram desde Abril pelo menos 375 mortos e ameaçam a unidade do país.

O anúncio de Putin aconteceu depois de, na segunda-feira, líderes pró-russos do Leste da Ucrânia terem concordado respeitar o cessar-fogo  declarado unilateralmente no final da semana passada, e até à próxima sexta-feira, por Poroshenko.

“Em resposta ao cessar-fogo decretado por Kiev, comprometemo-nos também a um cessar-fogo”, disse Alexander Borodai, um dos líderes da autoproclamada república de Donetsk, citado pela agência Itar-Tass. O compromisso abrange também, segundo as agências noticiosas, a república de Lugansk. O cessar-fogo tinha sido inicialmente rejeitado pelos separatistas, que o consideraram um “estratagema” de Poroshenko.

Combates continuam
Ainda que no terreno político a evolução pareça ir no sentido positivo, o processo não está isento de riscos. Já depois de ter manifestado satisfação pela iniciativa de Putin, a presidência ucraniana acusou pró-russos de oito ataques nocturnos a postos de controlo. Foi morto um soldado e feridos oito, anunciou. E já nesta terça-feira, rebeldes separatistas abateram um helicóptero militar ucraniano, matando nove soldados que iam a bordo do aparelho, segundo revelou um porta-voz da exército, Vladislav Selezniov, na sua página do Facebook. Em Slaviansk, um jornalista da AFP também ouviu tiros de artilharia e de canhões trocados entre rebeldes e o exército ucraniano.

O Presidente ucraniano, empossado no início do mês, apresentou o cessar-fogo como o ponto de partida de um plano de paz que implica a deposição das armas pelos rebeldes, prevê uma amnistia para os que não tenham cometido crimes de sangue e inclui eleições locais. O plano contempla também a criação de uma zona tampão de dez quilómetros junto à fronteira russa, a descentralização – os separatistas reclamam federalização – e a defesa da língua russa.

Na segunda-feira, a União Europeia apelou à Rússia para apoiar o plano de paz ucraniano – discutido previamente com Putin – e o Presidente norte-americano, Barack Obama, numa conversa telefónica, ameaçou Putin com novas sanções.

Os últimos desenvolvimentos coincidem também com intensas movimentações diplomáticas. Putin deslocou-se nesta terça-feira a Viena, para encontros com a liderança austríaca e o presidente em exercício da Organização para a Cooperação e Segurança na Europa, Didier Burkhalter. Poroshenko recebeu em Kiev o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Frank-Walter Steinmeir.

Num comentário ao que está a acontecer, Daniel Sanford, correspondente da BBC em Moscovo, usou uma imagem que parece ajustar-se aos mais recentes desenvolvimentos. “É como se todos estivessem a recuar da beira do abismo ou pelo menos a tentar fazê-lo.”

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