Novos resultados reforçam a ideia de que o bosão de Higgs se comporta como previsto pela teoria em vigor

Pela primeira vez, há fortes indícios de que o bosão de Higgs pode “decair” (transformar-se) directamente em partículas que compõem a matéria visível.

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O detector CMS está instalado no LHC, o maior acelerador de partículas do mundo, na fronteira franco-suíça CERN

As mais recentes análises de dados realizadas por físicos envolvidos na experiência CMS – uma das duas a ter, em 2012, permitido a detecção do bosão de Higgs no grande acelerador de partículas LHC do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN) – sugerem fortemente que o bosão de Higgs pode decair (transformar-se) directamente em partículas elementares chamadas fermiões. Os resultados foram publicados no domingo na revista Nature Physics.

Segundo o chamado Modelo-Padrão, que é a teoria que melhor descreve actualmente as partículas subatómicas e as forças que se exercem entre elas, conferindo estrutura à matéria, o bosão de Higgs, teorizado nos anos 1960, é a partícula que confere massa às outras. Sem ela, o Universo tal como o conhecemos não existiria.

O modelo estipula, nomeadamente, a existência de dois tipos de partículas elementares: os fermiões e os bosões. Os fermiões – que incluem os chamados quarks e leptões – são partículas que compõem a matéria visível; os bosões são “transportadores das forças da natureza”, como explica o CERN em comunicado.

Como o bosão de Higgs é tão efémero, só pode ser detectado através os produtos do seu decaimento – ou transformação – em outras partículas. E, há quase dois anos, em 2012, foi de facto detectado, simultânea e respectivamente, por experiências independentes realizadas com dois grandes detectores do CERN, CMS e ATLAS – e com base em medições do seu decaimento em outros bosões, chamados W e Z. Essa detecção confirmou portanto, de forma experimental, a previsão teórica feita há décadas de que o bosão de Higgs existe e confere massa aos outros bosões.

Mas agora, a equipa do CMS “combinou” os dados que foram recolhidos pelo seu detector, entre 2011 e 2012, relativos ao decaimento do Higgs em dois tipos de pares de fermiões com os exóticos nomes de quarks bottom e leptões tau. E obteve assim “indícios substanciais” de que o bosão de Higgs também pode decair directamente em fermiões – ou seja, conferir massa aos constituintes da matéria propriamente dita.

“A missão principal do Higgs é tratar das massas do Z e do W. Mostrar que o Higgs [confere] massa aos quarks e aos leptões é como uma super-cereja no bolo”, disse ao PÚBLICO André David, investigador português do CERN co-autor do actual trabalho na Nature Physics (e da descoberta inicial do Higgs). Mas, para isso, foi preciso combinar os resultados “de forma a obter provas suficientemente fortes da relação do Higgs com os fermiões”, explica ainda o cientista.

Os resultados também confirmam – mais uma vez – a ideia de que o bosão de Higgs respeita à risca as previsões do Modelo-Padrão. “Não só [o Higgs] parece tratar das massas dos fermiões, como também o faz como esperado no [Modelo-Padrão], o que é supereconómico”, acrescenta André David.

Há quem gostasse que, quando o LHC reentrar em funcionamento, a duplicação da energia do feixe de protões que nele circula permitisse detectar propriedades menos “normais” do bosão de Higgs. Mas por enquanto, a partícula não tem dado sinal disso.

Recorde-se que o LHC tem estado encerrado desde Fevereiro de 2013 para modernização tecnológica. A esse propósito, o CERN acaba também de anunciar que “a última interligação entre [ímanes supercondutores] foi finalizada a 18 de Junho” – no total, são cerca de 10.000 esses "magnetos". E ainda que já arrancaram as operações de arrefecimento da grande máquina, que funciona uns graus acima do zero absoluto. Se tudo correr como previsto, ela deverá portanto voltar a funcionar em inícios de 2015.

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