Banco de Portugal afasta Salgado e a família Espírito Santo da gestão do BES

Depois de mais de duas décadas à frente do banco, Ricardo Salgado abandona a liderança do BES. Morais Pires é o presidente que se segue.

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Ricardo Salgado deixa a liderança do grupo financeiro ao fim de 23 anos Nuno Ferreira Santos

Surpresa! Amílcar Morais Pires vai mesmo ser proposto para liderar o Banco Espírito Santos (BES) até ao final do actual mandato, enquanto o deputado do PSD, Paulo Mota Pinto, será candidato a sentar-se na cadeira de chairman (presidente não executivo).

Já Ricardo Salgado, que deixa a liderança do grupo financeiro ao fim de 23 anos, renunciou por pressão do Banco de Portugal (BdP), enquanto José Maria Ricciardi, que tentou substituir o primo-direito, acabou por esclarecer que se manterá no BESI e que a sua prioridade agora é autonomizar o banco de investimento da casa mãe: o BES.

O anúncio de que Morais Pires, 53 anos, é o nome da ESFG para ser o CEO do BES até Março de 2016 (quando se inicia um novo mandato) apanhou de surpresa o meio financeiro, que já considerava esta opção “improvável”. E não por motivos técnicos, mas outras razões: Morais Pires não é consensual dentro da família ES, pois houve quem sugerisse José Maria Ricciardi para CEO; Morais Pires, tal como Ricciardi, é arguido num processo-crime de mercado que data de 2008 (envolvendo acções da EDP) e apareceu associado a outras polémicas ligadas ao BES e a Salgado (o BdP aprovou a ida de Jorge Tomé para o Banif, apesar de este ser também arguido num alegado crime de mercado). E há vários anos que o CFO do BES foi designado por Salgado, hoje com 70 anos e que sai com a imagem debilitada, o seu sucessor.

Há um terceiro motivo para justificar a perplexidade. É que nas últimas semanas o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, de quem José Maria Ricciardi é consultor informal, manifestou-se contra a solução Morais Pires.

Por definição, o Banco de Portugal actua de modo independente e não deverá sujeitar-se a pressões. Carlos Costa já veio dizer que só depois da Assembleia-Geral, marcada para 31 de Julho, se pronunciará sobre Morais Pires, Ana Rita Barosa e Isabel Almeida Bernardino, ambas quadros do banco, e recrutadas para substituírem, na Comissão Executiva, Ricciardi e José Manuel Espírito Santo.

Do mesmo modo, Paulo Mota Pinto (que ficará no lugar de Alberto Oliveira Pinto) vai ser avaliado depois da reunião magna. O deputado do PSD, próximo de Ferreira Leite e Cavaco Silva, já assegurou que pretende “contribuir para o modelo de governo, estabilidade e sucesso de um banco que é, como todos reconhecem, uma das mais importantes instituições financeiras do nosso país”. “Caso seja eleito”, cessará “de imediato o exercício das funções públicas”.

Escândalos e investigações

A renúncia de Salgado ao lugar de CEO surge como o culminar de várias investigações em curso ao grupo familiar que apareceu envolvido em vários escândalos:
Operação Furacão, Face Oculta, Portucale, contrapartidas da compra de submarinos pelo Estado português, Escom, desaparecimento no BES Angola de cerca de cinco mil milhões de euros. Isto para além do facto de Salgado ter sido obrigado a corrigir a sua declaração de rendimentos várias vezes, e ter recebido uma comissão de 8,5 milhões de euros do construtor José Guilherme por apoio aos negócios deste em Angola.

As exigências de Carlos Costa para a ESFG encontrar uma solução de gestão nova para o BES, fora da esfera familiar, visaram afastar a instabilidade do sector e proteger o BES das lutas e dos interesses accionistas. Mas a medida pode não resolver a questão financeira, se o aumento de capital que o BES efectuou com sucesso (1,047 mil milhões de euros), desenhado por Morais Pires, não chegar para tapar o buraco de cinco mil milhões provocado pelo BESA (ainda que o Estado angolano tenha dado uma garantia).

Insuficiências de capital

Terá sido neste contexto, segundo informações que circularam nesta sexta-feira, que a família procurou financiamento de 2,5 mil milhões junto da CGD e do BCP, mas que não foi conseguido. O jornal
online Observador noticiou que o GES tentou que a Caixa liderasse um sindicato bancário nacional para investir na ESI e no Rio Forte (não-financeira), mas Passos Coelho bloqueou. A situação pode ganhar relevância, dado que o tema GES/BES se internacionalizou e já está no BCE e nas autoridades luxemburguesas, onde as holdings ESI e ESFG têm sede, e onde se concentram muitos problemas.

Com insuficiências de capital da ordem dos 2,5 mil milhões, as auditorias externas pedidas pelo BdP detectaram uma exposição a instrumentos de dívida de empresas do GES à volta de cinco mil milhões: 3% do PIB português. Recorde-se que, em entrevista ao Jornal de Negócios, Salgado reconheceu ter existido negligência na ESI, de que é administrador, mas remeteu “as culpas” para o contabilista, dando a entender que não existia um corpo executivo à frente da holding que concentra os interesses da família.

Um elenco fechado?

Ainda que o BdP se reserve o direito de se pronunciar mais tarde sobre os novos gestores, seria estranho, tendo em conta o actual contexto, que o ESFG tenha avançado com o nome de Morais Pires sem a indicação de não oposição por parte da equipa de Carlos Costa. Na reunião que decorreu esta quinta-feira, entre o governador, o vice-governador, Pedro Neves, e o Conselho Superior do ESFG (que detém 25% do BES), e onde estão os cinco ramos da família, foram sugeridos dois nomes para CEO do BES: o de Ricciardi e o de Morais Pires. O governador “vetou” o do presidente do BESI, não por questões de idoneidade, mas por pertencer à família e poder haver conflito de interesses. Mas o facto de terem existido propostas distintas, e das movimentações terem continuado durante a tarde de sexta-feira, não torna impossível o aparecimento de candidaturas alternativas à divulgada.

Uma das medidas que será também apresentada a 31 de Julho prende-se com o modelo de governação do banco e a criação de um Conselho Estratégico, onde os interesses da família ficarão acantonados. Este corpo estranho terá poderes de consultoria à administração e será presidido por Ricardo Salgado. Carlos Costa já informou que só depois da reunião de 31 de Julho se pronunciará sobre o novo modelo de gestão.

 

 

  

 

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