A história de uma amizade improvável, de uma caixinha amarela e do segredo do Dr. Bayard

Em tempos de guerra mundial, um francês fez amizade com um marçano em Lisboa. Na hora do adeus, deixou ao seu jovem amigo uma caixinha amarela. Lá dentro estava o segredo do Dr. Bayard.

Fotogaleria
Daniel Rocha
Fotogaleria
Daniel Rocha

Na Rua Gomes Freire, Amadora, num prédio igual a tantos outros, esconde-se a fábrica de rebuçados Dr. Bayard. Ao entrar no prédio, não há vestígios da confecção de doces, mas, ao chegar à sala onde são feitos os rebuçados, começa a sentir-se um cheiro adocicado.

José António Matias, o filho do criador da marca, seguiu as pisadas do pai e gere a empresa. Na cabeça, tem a narrativa pronta a servir aos curiosos que procuram ficar a conhecer o passado dos rebuçados peitorais. José sabe bem como começar a história. Há que viajar no tempo e relembrar como chegou o pai, Álvaro Matias, a Lisboa.

“O meu pai tinha vindo da terra, menino e moço, com os seus 16, 17 aninhos, com a trouxa às costas”. O primeiro emprego acabou por lhe mudar a vida, sem que ele se apercebesse disso. Álvaro era marçano numa loja, no tempo da II Guerra Mundial. Os produtos eram racionados e era preciso ter senhas para os adquirir.

No trabalho, o pai de José conheceu um refugiado francês, um cliente habitual da loja. A relação vendedor/cliente rapidamente se dissipou e Álvaro passou a ser seu amigo. Terminada a guerra, o Dr. Bayard voltou para casa, mas deixou uma caixinha amarela com pedaços de rebuçados e uma lista de ingredientes que, juntos, seriam uma receita para o sucesso, ou, antes disso, para rebuçados. O sucesso só chegou mais tarde. Álvaro não sabia cozinhar, muito menos fazer rebuçados, e, como tal, guardou a caixa e nunca mais pensou no assunto.

Álvaro casou-se e a família começou a crescer. Um dia, sentiu necessidade de aumentar os seus rendimentos e, quando vendia doces nos bares dos cinemas, percebeu que podia lucrar mais se vendesse o seu próprio produto: os rebuçados peitorais. Meteu mãos à obra. Apenas com uma lista dos ingredientes (sem medidas nem método de confecção) e material de uma cozinha comum, conseguiu atingir um resultado satisfatório. Os rebuçados fizeram sucesso.

O trabalho era feito à mão, relembra José Matias: “Levávamos os rebuçados a casa das pessoas e todo o agregado familiar se sentava à mesa e embrulhava vários quilos”. Mas isso teve de mudar. O êxito dos rebuçados ditou a necessidade de expansão física. A cozinha da casa onde viviam deixou de ser suficiente. Álvaro pensou desistir, pois não tinha maneira de expandir o negócio naquele lugar. Foi uma viagem a Itália, para ver o Benfica, que mudou a situação. Apesar de não ser fã de futebol, os amigos convenceram-no a ir. Na altura do jogo, optou por não ir e passear.

Durante o passeio, Álvaro encontrou uma fábrica que construía máquinas para confeitarias e foi assim que resolveu o seu problema. Construiu uma marquise, na casa, para colocar as máquinas e aumentar a produção. Daí saiu para o edifício na Amadora onde ainda hoje se encontra a empresa.

O público-alvo da empresa é o adulto de todas as classes sociais, com uma grande incidência nas donas de casa. José António gostava de alargar esse público e exportar. Para isso tinha de haver uma renovação do espaço: mais terra, mais máquinas, mais produção. O investimento podia não ter retorno. Contudo, pôde ver a Dr. Bayard em vários países do mundo. Algumas lojas de comunidades portuguesas dispõem da marca no seu espólio de produtos.

José Matias tem tentado inovar a marca. A criação dos rebuçados mentolados foi uma das soluções. Ainda assim, os consumidores preferem o rebuçado peitoral. O logótipo foi melhorado e retocado, mas sem alterações radicais. Em Portugal, é muito provável ir a um café ou a uma pequena mercearia e dar de caras com o logótipo do Dr. Bayard, num dos expositores. As grandes superfícies comerciais também acolhem este produto, que faz parte da vida de tantas pessoas.

Nas instalações da Amadora, a Dr. Bayard tem 15 trabalhadores, 11 dos quais estão envolvidos no processo de produção. A funcionária mais antiga, Lúcia Barata, trabalha há mais de 40 anos com a marca; começou na empresa quando tinha 19 anos. "No início, trazíamos os rebuçados à cabeça, da casa onde eram confeccionados até à actual fábrica onde os empacotávamos”, recorda. Agora com 62 anos, diz não ter medo de trabalhar e não se farta do seu emprego, nem dos rebuçados.

Apesar de a crise andar a bater à porta dos portugueses, as receitas da Dr. Bayard têm-se mantido. Da fábrica saem cerca de quatro toneladas de massa doce por dia, o equivalente a 800 mil rebuçados. A empresa apresenta lucros e é uma “PME Líder”, arrecadando, em vendas, 2,3 a 2,5 milhões de euros por ano. A venda é feita exclusivamente a empresas de distribuição, não se realizando vendas a retalho.

José Matias revela que já houve quem tentasse comprar a Dr. Bayard, mas isso acabou por nunca acontecer. “Além de ser a nossa forma de vida, são 65 anos dedicados a esta causa”, conta o gerente. “A empresa tem um valor bastante mais significativo do que o dinheiro que possa valer. Está em nosso poder há duas gerações”.

A principal preocupação de José António é manter a tradição e a qualidade esperada da marca. O gerente não quer desiludir os seus consumidores, nem o legado que o seu pai deixou: “Tenho feito o melhor que sei e que posso para manter a marca e prestigiar a Dr. Bayard”.  

Sugerir correcção
Comentar