Parlamento discutiu proposta já ultrapassada sobre o Fundo de Apoio Municipal

Governo já garantiu à ANMP que financia fundo a 50%, e não a 30%. Tribunal de Contas questiona legalidade do diploma.

Foto
António Leitão Amaro aceita aumentar contribuição do Estado para 50% Nuno Ferreira Santos

Ainda não se sabe ao certo o que será o Fundo de Apoio Municipal (FAM), mas é certo que não será exactamente aquilo que consta da proposta de lei do Governo que a Assembleia da República discutiu esta quarta-feira, com a oposição unida nas críticas ao diploma.

É que, por um lado, sabe-se que o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) dispuseram-se já a alterar a repartição dos encargos com o financiamento do fundo a criar para acudir às cerca de 30 câmaras em ruptura financeira, e às cerca de 25 que estão perto disso, com o Estado a avançar, afinal, com 50% dos 650 milhões de euros, e não com os 30% previstos na proposta ontem discutida.

Por outro lado, o Tribunal de Contas (TdC) já considerou, num parecer solicitado pela Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Administração Pública, que um dos aspectos mais polémicos da lei – pagar primeiros ao credores das autarquias que aceitem perdoar-lhes uma parte da dívida – é de admissibilidade duvidosa.

“À luz dos princípios gerais do Direito (…) questiona-se ainda a admissibilidade do tratamento diferenciado entre credores que firmarem com o município acordos de reestruturação de dívida e aqueles que não fizerem (os primeiros gozariam de preferência na satisfação dos seus créditos). Deveria utilizar-se como critério aferidor o tratamento previsto no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para os credores de empresas declaradas em situação de insolvência”, pode ler-se no parecer, a que o PÚBLICO teve acesso, da autoria da Comissão Permanente do TdC. O mesmo documento ressalva que as posições nele defendidas não vincularão o TdC, quando este for chamado a desempenhar as funções de fiscalização que a lei lhe confere nas matérias em apreço.

O facto é que esta posição crítica do TdC sobre o incentivo à renegociação das dívidas entre municípios e credores é música para os ouvidos da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário. Já o secretário de Estado da Administração Local, Leitão Amaro, comentou apenas que o parecer do TdC “levanta questões que, sem prejuízo de o diploma se encontrar em sede parlamentar, o Governo vai analisar com o respeito institucional que o tribunal lhe merece”.

No Parlamento, Leitão Amaro sublinhou que os assuntos que dizem exclusivamente ao FAM já foram objecto de acordo com a ANMP, cujo conselho geral aprovou o entendimento com 37 votos a favor e sete contra. Também já é certo que o prazo de constituição do fundo será de sete anos, a partir de 2015, e não de cinco. Mas a ANMP faz depender o acordo final com o Governo de outras matérias, como a revisão da Lei dos Compromissos e o apoio a um programa de rescisões a aplicar aos funcionários municipais.

O PÚBLICO sabe que estas duas condições estão garantidas, mas a ANMP, argumentando que a criação do FAM implicará esforços muito significativos por parte dos municípios que têm perdido boa parte das transferências do Estado e das receitas próprias, quer mais: pede IVA a 6% para a iluminação pública, transportes e refeições escolares e continua a insistir que os 100 milhões de euros não utilizados por municípios que não conseguiram visto do TdC para aderir ao PAEL (Programa de Apoio à Economia Local), criado para as ajudar a pagar dívidas a fornecedores, devia servir agora para capitalizar o FAM e abater à sua contribuição de 325 milhões.

O secretário de Estado da Administração Local mantém que tal não é possível. Por um lado, porque aquela verba nunca existiu de facto, era uma mera “permissão de despesa”, para contrair um empréstimo, no Orçamento de Estado do ano passado. Além disso, o governante observa que, com a capitalização do FAM a arrancar apenas em 2015, e com a hipótese de haver 55 autarquias a solicitarem já o auxílio do FAM, o Governo pode vir a precisar, muito em breve, de contrair um empréstimo de 600 milhões de euros – muito mais do que a alegada remanescência do PAEL.

Ontem no Parlamento, PS, PCP e BE coincidiram que o FAM é um atentado à autonomia do poder local, vai criar um encargo que deixará em dificuldades câmaras que até têm contas equilibradas e acarretar mais austeridade para as populações de municípios que recorram ao fundo, já que esta "troika para as autarquias" implica um programa de ajustamento, avaliações e maximização das receitas próprias – que é como quem diz IMI, derrama, taxas de resíduos e tarifas de água a preços máximos.

Seja como for, com vários aspectos do acordo com a ANMP ainda em aberto, não é líquido sequer que a proposta sobre o FAM chegue a ser votada na sexta-feira. Se não houver acordo com a ANMP até lá, o mais certo é que passe à discussão na especialidade, sem qualquer votação, uma hipótese admitida pelo regimento parlamentar.

Sector da construção quer cobrar tudo
O presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, Manuel Reis Campos, considera “profundamente imoral e contrária aos mais elementares princípios do Estado de Direito” as normas da proposta de lei sobre o FAM que prevêem um tratamento diferenciado dos credores dos municípios, ao dar preferência de pagamento àqueles que aceitarem perdoar uma parte da dívida. Notando que o sector atravessa a “pior crise” dos últimos anos e é o principal credor dos municípios, que ainda lhe devem 397 milhões - eram 980 milhões de euros antes do PAEL -, Reis Campos conclui que o está aqui em causa é “uma imposição”. E lembra que o Estado não perdoa nada às empresas de construção das quais é credor.

O secretário de Estado Leitão Amaro contrapõe que os créditos das empresas que não quiserem negociar permanecem “intocados” e que a preferência de pagamento vale apenas para o “dinheiro novo” que vier a ser emprestado pelo FAM aos municípios, num esforço de solidariedade nacional, que deverá ajudar também quem a ele se associar.

Sugerir correcção
Comentar