La Palangana. Sem medo do imperfeito

Das máquinas de um colectivo de fotógrafos, alguns amadores, saiu a verdade social da Espanha dos anos 50 e 60.

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Fernando Gordillo (Carnicería, 1966)

A noiva vai de branco, a grinalda segura-lhe o véu que esvoaça ligeiramente e lhe desce até à cintura. Seria de esperar que estivesse à porta da igreja, até a fazer pose para o fotógrafo. Mas o que se vê, seguindo-lhe o olhar, é uma vintena de galinhas a bicarem a terra. Há fotografias que ficam na cabeça e não se sabe explicar porquê. A de Paco Gómez tem esse efeito. A noiva da fotografia preparava-se para ser a sua mulher e é por querer registar esse amor que comprou uma máquina fotográfica. Gómez era um amateur, que se cruzou com a fotografia por casualidade. O que não o impediu de integrar o colectivo La Palangana, que nasceu em 1959 pela vontade de seis amigos, três já profissionais – Francisco Ontañón, Leonardo Cantero e Ramón Masats. Os outros, Gómez, Gabriel Cualladó e Rubio Camín, eram autodidactas.

Quando o Palangana apareceu, a fotografia em Espanha estava reduzida a objecto decorativo e contemplativo, como convinha ao regime. O catálogo da exposição cita Daniel Masclet, fotógrafo francês hoje esquecido, que resumia de forma contundente: “a fotografia espanhola está morta”.

Tiveram vida curta e uma única aparição pública, em 1963, no Salão Internacional de Tarrasa. Depois disso, Masats (ainda vivo e Prémio Nacional da Fotografia em 2004), Ontañon e Camín seguiram percursos a solo. Foram substituídos por Juan Dolcet, Gerardo Vielba e Fernando Gordillo, mas só este último ganhava a vida com a fotografia.

La Palangana não deixou manifesto nem carta de intenções, como sucedia com outros colectivos saídos da Real Sociedad Fotográfica e que se apressaram a firmar por escrito o seu ideário. O comissário, José María Parreño, faz questão de lembrar o traço comum nas referências históricas ao grupo: seis amigos que apreciavam tertúlias e copos, amiúde noite dentro em casa de um ou outro. Discutiam a fotografia possível sob convencionalismos vários, mas nunca os seus artifícios técnicos, esmiuçavam o bacoco da sociedade espanhola mas também os exemplos que timidamente iam chegando trazidos pelo neo-realismo italiano e pelo fotojornalismo americano (certamente a série The Family Man, de Edward Steichen, que o MoMa mostrou em 1955). O que os movia era sobretudo a possibilidade de criar uma linguagem fotográfica mais próxima da verdade social por oposição aos trabalhos de estúdio que vingavam para mostrar a Espanha feliz de Franco.

E o que corre à frente dos olhos na Sala Goya do Círculo de Bellas Artes é o humanismo de uma realidade suja e que veste camisolas esburacadas, de crianças com rostos escuros e sapatos cambados, de casas em pedra mal amanhada e mulheres de negro que assomam à janela, de fervor religioso nas expressões dos homens que carregam andores. Não há cenas bucólicas nem o preciosismo formal da composição gráfica. Há o varejar da azeitona, os lençóis estendidos no feno, a pausa para o farnel na jorna da vindima, o olhar vago de um camponês apoiado no seu cajado. E pelo meio, quase surpreendente, o despontar de um certo glamour nos salões da burguesia, a Gran Vía a encher-se de gente, as antenas de televisão a multiplicarem-se.

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Leonardo Cantero (Sem título) e Ramón Masats (Missa na Casa de Campo, 1962)

“La Palangana foi a invenção de um grupo de amigos que não serviu para mais nada a não ser tomar uns copos”, escreveu Francisco Ontañon na nota que acompanhou a exposição do colectivo em 2006, no Palácio Robert. Podem não ter tido a ambição de, em conjunto, servirem a causa e mudarem a tolhida fotografia documental espanhola. Mas, mesmo sem o enunciarem, foram o “bichinho” que despertou consciências e deixou a nu que os tempos do pictorialismo e da iconografia franquista tão pouco inocente tinham já os dias contados.

La Palangana pode ser vista até 31 de Agosto no Círculo de Bellas Artes, em Madrid (http://circulobellasartes.com/

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