Mark E. Smith, sublime provocador

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Os The Fall apresentam-se sábado no Porto.

Falar em The Fall é falar em Mark E. Smith, o irascível, conflituoso e soberbo vocalista e único membro constante deste grupo fundamental da história do rock, o mais duradouro da pós-punk. Antes de 1977, Smith, natural de Manchester, chegou a ser um potencial membro de bandas de heavy metal, mas os seus gostos inclinavam-se mais para Velvet Underground e Can. Acabou por encontrar músicos com ideias semelhantes, com quem, em 1979, já sob o nome The Fall, editaria "Live at the Witch Trials".

Gravado num único dia, esse disco fixava já algumas das coordenadas que se manifestaram em toda a discografia, hoje com 27 discos de estúdio e incontáveis formações pelo meio. Havia ali urgência punk ("No Xmas for John Quays" é mais aterradora que mil rapazes de crista em riste), a claustrofobia e desolação que o pós-punk apuraram, mas com um filtro cínico e irónico, e, sobretudo, um vocalista único que se atirava a um constante refilar cáustico contra tudo e todos.

A fórmula Fall não mudou muito (o saudoso radialista John Peel, que os tinha como a sua banda favorita, disse que "eram sempre diferentes, sempre os mesmos"), flutuando apenas ao sabor dos apetites de Mark E. Smith (em 1997, com "Levitate", experimentaram brincar com o drum'n'bass, mas o lado conservador e reaccionário dos Fall é a sua principal força).

Entre os registos essenciais estão, por exemplo, "Dragnet" (onde figura uma assustadora "Spectre Versus Rector", com guitarras que fazem rock a partir da atonalidade e da cacofonia), de 1979, "Hex Enduction Hour" (1982) e "This Nation's Saving Grace" (ouve-se "L.A." e descobre-se muitas das pistas do rock independente que se seguiria), de 1985.

O último álbum de estúdio é "Imperial Wax Solvent", lançado em 2008, depois de mais uma mudança de formação. Não demonstra quaisquer sinais de amansamento dos Fall (na virulenta "50 year old man", Smith atira "I've got a three foot rock hard on/But I'm too busy to use it" e conclui "I'm a fifty year old man/What you gonna do about it?"). Pelo contrário, dá até sinais de uma vitalidade criativa invejável, com canções como "Tommy shooter" a recordar o melhor do grupo e a aumentar as expectativas dos seus muitos fãs em Portugal para o concerto de amanhã.

As palavras de Tony Wilson, proferidas antes de apresentar a magnífica "Big New Prinz" no seu programa de televisão, em 1988, ajudam a perceber o nível do culto acumulado em torno dos Fall. "Se houvesse um Cálice Sagrado, o senhor Smith seria o único autorizado a pegar nele", disse o patrão da Factory Records. 20 anos depois, a frase forte mantém-se totalmente aplicável.

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