Agora João Vieira é também White Haus

Os X-Wife podem esperar, a hora é de White Haus: canções pop electrónicas luxuriantes e música para dançar. Compor a solo foi uma aprendizagem, diz João Vieira

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Luís Espinheira

No início dos anos 2000 deixou Londres, onde viveu durante alguns anos, regressando à cidade natal, o Porto, para iniciar as noites Club Kitten, que haveriam de afirmar-se em todo o país. Depois formou, com Rui Maia e Fernando Sousa, os X-Wife, grupo que lançou quatro álbuns em que a energia simples do rock se adaptava aos impulsos electrónicos. Agora, João Vieira, ou seja DJ Kitten, desenvolve novo projecto solitário, White Haus, do qual acaba de ser lançado o álbum homónimo de estreia, que inclui, num segundo CD, o EP de quatro temas divulgado no ano passado. 

Para já, os X-Wife podem esperar. “As coisas foram acontecendo de forma natural” diz-nos João Vieira, dissertando sobre o facto de os três membros do grupo estarem ocupados com outros projectos: Rui Maia como Mirror People e Fernando Sousa ao lado de PZ e dos Best Youth. “Ao longo de dez anos ensaiávamos e fazíamos os discos com dinâmica de grupo. Depois o Rui Maia foi para Lisboa, eu fui pai, o Fernando também, tentámos fazer as coisas de outras formas, mas perdeu-se a energia de banda que é necessária para andar em frente. Todos os anos falamos sobre fazermos música juntos outra vez, mas não existe pressão, porque na verdade estamos todos a fazer música.”

Quando se lançou para o presente álbum, João tinha em mente criar música de dança, mas o resultado acaba por ser um pouco diferente. Sim, é música de base electrónica. E existem alguns temas de dinamismo rítmico, como Burnout ou All I ever wanted, com a voz de João Vieira mais sugerida do que cantada, linhas de baixo disco e efeitos electrónicos borbulhando por entre cadências digitalizadas. Mas isto é outra coisa, como se constata em Money, Paper bag ou na excelente Far from everything, pop electrónica climática, de compasso desacelerado, mais sugestiva do que impositiva, passeando por ambientes de fantasia luxuriante e às vezes nostálgica. 

“Foi um disco complicado de criar”, analisa João. “Foi todo feito em estúdio, sem ser imaginado para ser tocado ao vivo. De alguma forma resume 18 anos a consumir música, com uma série de influências. Não falo de influências desta ou daquela banda, ou deste ou daquele género, mas sim de ir buscar ideias a toda a música de que gosto, seja David Bowie, Kanye West, Prince, Cybotron, ou à DFA e à Italians Do It Better. Tudo isso acaba por fazer parte das minhas sessões DJ.” O binómio DFA e Italians Do It Better não parece acaso. A influência da editora dos LCD Soundsystem e Juan Maclean ainda se sente, principalmente nos temas mais dançantes, mas a maior parte das canções de White Haus está mais ajustada ao catálogo da editora Italians Do It Better dos The Chromatics.

O Porto, o mundo

O vazio deixado pelos X-Wife acabou por ter um efeito motivador, diz João Vieira, que às tantas sentiu necessidade de voltar a fazer música. Do ponto de vista técnico, foi um trabalho árduo. “Foi um processo de aprendizagem complicado. Passei muitas horas na Internet a aprender coisas. Por exemplo, aprendi a tocar baixo por cima de discos house. Começou muito a partir daí. Mas tinha a liberdade de fazer o que me apetecesse e aos poucos cheguei lá.” 

Fazer música em grupo e solitariamente resulta naturalmente numa experiência diferente. Não existe o confronto do diálogo, não há feedback. Mas essa ausência não foi vivida em conflito. “Há uns tempos li uma entrevista com o tipo do projecto Totally Enormous Extinct Dinosaurs em que ele dizia que preferia não mostrar as coisas que andava a fazer aos amigos porque o entusiasmo de quem cria e de quem ouve não é proporcional”, conta João por entre risos, acrescentando: “Comigo aconteceu um pouco isso. Quando comecei a desenvolver o projecto, as pessoas à minha volta não lhe acharam grande piada. Acharam esquisito. Mas eu estava confiante e fui recebendo reacções de fora, o que foi motivador.” 

As letras do álbum reflectem experiências pessoais, a passagem do tempo e também algumas frustrações. “Estive várias vezes, como DJ Kitten e com os X-Wife, perto de conseguir alguma coisa significativa a nível internacional, mas não aconteceu”, reflecte. “Não é de forma nenhuma uma obsessão, mas é qualquer coisa que procurei, porque sabia que era possível. O tempo passa depressa. Ontem estava em Londres a alugar o primeiro apartamento e agora estou a iniciar novo projecto aos 40 anos.”

Teria sido diferente se tivesse continuado em Londres? Ou se habitasse hoje em Berlim? Ou em Brooklyn? “Não é a mesma coisa, disso não tenho dúvidas. Estar no ambiente certo, conhecer as pessoas, gravar com elas, facilita.” E dá um exemplo recente. “Estive a trocar 30 e-mails com a [editora americana] Sub Pop, que mostrou interesse em mim. E até ao último e-mail tudo foi possível, até que acabaram por desistir. As razões podem ser as mais diversas, mas estar lá, falar cara a cara, continua a ser muito importante.”

Até agora, João tem tido um grande aliado, o videasta Vasco Mendes, com quem já fez três vídeos — o último é o magnífico clip para a canção Far from everything, filmado em Hong Kong e evocando os ambientes sonhadores de O Amor É Um Lugar Estranho, de Sofia Coppola. “Desde o início que estava assente que não quero aparecer nos vídeos e que esta é uma música urbana que deve ter tradução nas imagens”, explica o músico. “O Vasco escolheu a canção e quando foi para Hong Kong já tinha os planos na cabeça. Andámos meses na Internet à procura de uma rapariga que vivesse lá e que estivesse disposta a fazer este vídeo e conseguimos. O Vasco foi para lá três semanas e filmou o vídeo com total liberdade. Confio nele.” 

Entretanto, João Vieira já está a preparar a apresentação do disco ao vivo, para a qual vai contar com um baterista, um baixista e uma voz feminina que também tocará sintetizadores. Ele ocupar-se-á da voz, dos sintetizadores e, ocasionalmente, da guitarra. O Porto continua a ser a sua cidade de sempre — “Quando regressei, em 2001, ano da Capital Europeia da Cultura, havia cultura institucional, mas não havia cultura de rua para as pessoas. Hoje existe imensa oferta cultural, só que por outro lado há fenómenos de dispersão”, analisa —, mas o seu horizonte ainda é o mundo. Música não lhe falta. 
 

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White Haus
The White Haus Album
NorteSul 

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