Underground sound of Portugal em Londres

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A paisagem de Shoredich ou Brick Lane transformou-se. As cidades necessitam de incubadoras onde os artistas possam sobressair ou falhar. É nesse patamar que se situam os agentes portugueses em Londres Andrew Winning/Reuters

São praticantes de subgéneros obscuros da música de expressão electrónica. Mas é verdade: há uma série de novos músicos portugueses a operar a partir de Londres. Estão a conseguir visibilidade global, sendo mais conhecidos no exterior do que em Portugal

Cai chuva miudinha e o ar está gelado, mas as pessoas na rua aceitam-no com naturalidade. Estamos em Londres, mais exactamente em Brick Lane, final de tarde de um dia de semana numa dessas zonas reconvertidas da parte Oriental da cidade, onde mulheres de burka se misturam com jovens mundanos entre cafés e lojas. 

Perto de uma das lojas de discos mais conhecidas da cidade, a Rough Trade, esperam-nos Inês Coutinho, 30 anos, conhecida por fazer parte da dupla de hip-hop A.M.O.R. e, numa direcção mais electrónica, pela identidade a solo Violet. Com ela está Marco Rodrigues, também de 30 anos, conhecido pela música dançante, profunda e emotiva nos Photonz ou como Negentropy. E também pela editora One Eyed Jacks. 

Ela veio directamente do emprego (é copywriter de publicidade) e ele do apartamento que ambos partilham, em Peckham, Sul de Londres, depois da tarde a trabalhar, a partir do seu computador em casa, para uma loja de discos digital sediada em Helsínquia – a Digital Tunes. 

Estão a viver em Inglaterra há um ano e a satisfação é grande. “Existe um ritmo e uma atmosfera que funciona aqui”, exclama Marco. “Existe qualquer coisa que te puxa para seres mais empenhado nos teus projectos e o que contribui para isso é veres à tua volta muitas coisas resultar. Na minha cabeça existia a ideia de ser colocado numa circunstância diferente. Mudar de ar. E nesse aspecto está a ser brutal.”

Para eles está a resultar. Mas não só. Ivo Pacheco (ou seja, IVVVO), Luís Dourado (ou seja, Purple) e Bruno Deodato (ou seja, Trikk), todos na casa dos vinte, com percursos e motivações diversas, também não se podem queixar, tendo-se fixado também ali, com resultados proveitosos, lançando discos, actuando como DJs, fazendo parte das movimentações subterrâneas da música de dança a partir de Londres. 

Novo perfil

Há vinte anos os Underground Sound Of Lisbon (U.S.L.), de DJ Vibe e Rui da Silva, lançaram o single So get up (com a voz de Darin Pappas), sinalizando o emergir das movimentações de música de dança em Portugal. Depois de muitos solavancos parece existir agora uma geração que se afirma globalmente a partir de Portugal, esteja ela ancorada nas visões mais modelares da música de dança (Mirror People, Xinobi, Tiago Miranda ou Kaspar são alguns exemplos) ou nas dinâmicas surgidas no despontar do fenómeno Buraka Som Sistema, com nomes como Branko, Batida, Octa Push, Nigga Fox ou Marfox. 

Mas com a imigração de talentos nos últimos anos, pertencentes às mais diversas áreas criativas, uns motivados pelo desafio, outros pela situação socioeconómica, é natural que se criem microcosmos com portugueses lá dentro, aspirando ao mercado global. É o que parece acontecer agora em Londres. Ao longo dos tempos sempre houve quem ali tentasse a sorte. Mas nos últimos anos algo parece ter mudado. Não só existem mais a fazê-lo, como o perfil é totalmente diferente. 

Não são técnicos de estúdio, como Luís Jardim, nos anos 1970. Nem querem tentar a sua sorte na arena rock, como os Lx-90 de Rui Pregal da Cunha e Pedro Paulo Gonçalves nos anos 1990. Nem a ambição é chegar ao 1º lugar do top de singles do Reino Unido, como aconteceu com Rui da Silva em 2001, quando chegou a Londres depois dos U.S.L., ou ter uma noite como o Club Kitten de João Vieira (X-Wife). 

A música electrónica de dança é a área de expressão e quase todos já tinham contactos prévios com gente da música em Inglaterra, através do lançamento de discos para editoras locais. Já cresceram com o desmembrar da indústria tradicional, operando globalmente de forma informal, em rede. Não necessitam de grande aparato técnico, podendo fazer música a partir de um estúdio caseiro. Operam ao largo dos modelos mais clássicos da indústria, fazendo temas originais e remisturas com a mesma desenvoltura, e pertencendo a editoras que, por vezes, são mais relevantes que a sua assinatura. 

Já cresceram com a aspiração de comunicar global, percebendo que aquilo que fazem não pode ser dissociado das suas condições de existência, partilha e distribuição. São invisíveis para o grande público, mas detêm já assinalável capital de prestígio junto das audiências mais selectas, sendo mais conhecidos no exterior do que em Portugal. 

É o caso de Luís que, em 2009, fundou com Ivo, no Porto, a editora Terrain Ahead, tendo aí lançado o CD Violence (2010). Hoje pertence aos quadros da unidade criativa WeDidit, sediada em Los Angeles, uma editora e colectivo liderado pelo músico Shlohmo. 

A WeDidit tem-se destacado no último ano e meio com uma série de lançamentos da autoria de Shlohmo, RL Grime ou Ryan Hemsworth. Com a designação Purple, Luís lançou em Novembro o EP Salvation, o que lhe valeu elogios um pouco por todo o lado, graças a uma música que tanto pode ser associada a estetas das electrónicas exploratórias, como a nomes que têm investido na recriação da canção em contexto digital. Na maior parte dos temas empresta a sua voz a um som que desemboca em algo fantasmagórico, mas também expõe fragilidade. É uma sonoridade com qualquer coisa de carnal, denso e introspectivo. 

Se Luís parece lançado, tendo actuado ao vivo em Nova Iorque, Miami, Chicago ou Los Angeles, o mesmo se pode dizer de Ivo e Bruno, com quem partilha apartamento. O primeiro a chegar a Londres foi Bruno, há dois anos e meio. “Quando acabei a Escola Profissional de Técnico de Som disseram-me no Centro de Emprego do Porto que só me restava trabalhar em lojas ou cafés e decidi de imediato vir para aqui. Não tinha nada a perder. Também pensei em Berlim, mas vir para aqui fez-me muito mais sentido.”

O último a chegar foi Ivo, há um ano, já depois de ter lançado dois álbuns – Occult, na austríaca Mount10, e All Shades Of White, na inglesa Opal Tapes. “Os meus pais estavam fartos de me aturar e estava na altura de dar o passo seguinte”, justifica, com ironia. “Em determinada altura tinha uma data como DJ marcada para cá e tirei bilhete de ida. O Luís e o Bruno já cá estavam o que ajudou.”

Desde que chegou sente que a sua música mudou, mesmo que seja uma percepção inconsciente, expõe. “Quando faço música não penso num espaço geográfico. Não há limites. Mas a vivência social aqui é completamente diferente daquela que tinha no Porto e isso acaba por inspirar-me, mesmo que seja subtilmente. Sair de casa a uma terça-feira e ir ver uma exposição, interagir com uma sociedade diferente, ir a clubes, enfim, tudo isso acaba por ter alguma influência. A música hoje é uma realidade extensa. Não é apenas som. E mesmo quando estou rodeado de alguns amigos do design acaba por ser produtivo.”

A música de Ivo é predominantemente instrumental, de ambientes escurecidos, tanto perseguindo a fisicalidade, como climas de reclusão, algures entre cadências próximas do tecno mais imersivo e zonas de desolação, misto de sonoridades electrónicas caseiras, com algo de misterioso e uma atitude estética que remete para algo enigmático. 

Conhecem-se todos. De vez em quando cruzam-se à noite, embora o círculo de afinidades nem sempre seja convergente. Por acaso, esta quinta-feira, Ivo foi o convidado secreto da nova noite mensal da One Eyed Jacks na cidade. “Vamo-nos encontrando por aí, sim”, reflecte Marco, dizendo que o seu círculo de cumplicidades gira em torno “do pessoal da editora Unknown To The Unknown, como o DJ Haus ou o Kodiak, que é a malta com quem eu e a Inês vamos beber um copo ao pub, e passa também pelo Gonçalo Pereira [mais conhecido por ZNTN, um DJ e produtor português que se mudou para Londres em 2007 e é actualmente responsável pela editora How The Other Half Lives].”

À noite existe um ambiente especial, principalmente quando se encontram pessoas que se respeita muito. “Estamos sempre a encontrar heróis”, ri-se Marco, recordando que numa dessas incursões iniciais foi surpreendido. “Uma das coisas que mais gozo me deu foi quando fomos ver o Matias Aguayo ao clube Plastic People e encontrei o Trevor Jackson da editora Output. Eu ia ter com ele, respeitosamente, pensando que não se lembrava de mim – tínhamo-nos cruzado na Music Academy – e eis que ele, antes sequer de ter tempo para dizer alguma coisa, me cumprimenta e pergunta como estou. Essas coisas marcam. Essas noites são importantes. Encontram-se pessoas. Pensa-se em colaborações. Arranjam-se lançamentos. Entras no circuito.” 

Espaço para trabalhar

Quem já está no circuito há algum tempo é a DJ Rita Maia, que mantém um programa de rádio semanal na importante Resonance FM (com retransmissão para Portugal via Oxigénio), “com cerca de dois milhões de ouvintes”, afirma ela, ao mesmo tempo que actua por toda a Europa. O ano passado compilou e lançou o CDSine Of The Times, que reflecte o seu programa de rádio, que procura reflectir as configurações mais recentes e híbridas das electrónicas britânicas.

“Vim para Londres porque estava a fazer um curso de Serviço Social, com especialização em Artes e Desenvolvimento de Projecto, mais virado para a música. Era para ter ficado apenas três meses, mas fui ficando e estou cá há onze anos”, ri-se. O pai – Jorge Barreto, um dos fundadores dos Sheiks, grupo histórico da pop portuguesa – e o ambiente familiar conduziram-na à música e, a partir de determinada altura, Londres parecia o lugar natural para estar. “Esta cidade tem uma relação com a música especial. Não é substituível. Há mais pólos hoje em dia, na Europa ou mesmo em África, mas aqui, como há tanta gente ligada à música e muitas estruturas, há espaço para trabalhar.” 

O seu primeiro ano foi difícil. Não conhecia quase ninguém. Às tantas começou a ir ao clube Notting Hills Art Club e foi aí que algo se passou. “Propus um conceito para uma noite lá, as Ovni Sessions, e foi a partir daí que a minha actividade se consolidou aqui. A ideia era a troca de artistas entre Portugal e Inglaterra, não só música, mas também cinema ou artes. E também recebemos projectos novos de Angola, Cabo Verde, Moçambique ou Brasil”, recorda. Os Octa Push, DJ Ride ou Sagas foram alguns dos portugueses que por lá passaram. 

Não foi o único acontecimento com a mira na música lusa. O mais ambicioso foi o festival Atlantic Waves, ideia de Miguel Santos (Red Orange) e da Fundação Gulbenkian, que já não existe. Mas hoje ainda se mantém o conceito The Portuguese Conspiracy, que tem como mote divulgar a cultura portuguesa contemporânea e que já levou a Londres Dead Combo, PAUS, Legendary Tigerman ou Norberto Lobo. 

“Há um grande interesse aqui, junto dos ingleses, pela nova música portuguesa” garante Rita Maia. “As pessoas estão mais atentas do que há alguns anos atrás, principalmente depois dos Buraka Som Sistema. Já fui inclusive convidada a participar em festivais porque nas minhas sessões passo sempre música portuguesa e existe um grande interesse pelo que andam a fazer Nigga Fox, Marfox, Octa Push ou IVVVO.”

A opinião é suportada por Marco e Inês. “Portugal, do ponto de vista criativo, é muito bem visto aqui. Em termos de música de dança estão sempre a perguntar-me sobre projectos portugueses e estão a par do que se passa.” “E têm uma óptima imagem de Lisboa como cidade”, acrescenta Inês. “As pessoas lá não têm noção do que aqui se diz.” 

Bruno, por sua vez, lança um paralelo curioso sobre como Lisboa e Porto são percepcionadas a partir da música. Quando ouvem a sua música ou de Ivo e Luís, que apesar das diferenças na abordagem partilham a atmosfera escurecida, “associam de imediato o Porto a uma cena um pouco experimental e dizem que deve ser uma cidade meio nebulosa”, ri-se. “Ficam muito intrigados porque associam Lisboa aos Buraka e o Porto soa-lhes muito diferente.”

Os três músicos do Porto vivem em Dalston, uma dessas zonas até há pouco esquecidas que criam novas centralidades, como aconteceu recentemente com Shoredich e, num futuro próximo, poderá acontecer também em Peckham – “é uma daquelas zonas que está a começar a ficar interessante, com potencial para se tornar conhecida”, afirma Inês, “pelo ambiente descontraído e também porque é mais barato.” Ou seja, são zonas que até certa altura são habitadas essencialmente por comunidades de imigrantes ou por ingleses sem disponibilidade para pagar as rendas praticadas noutros lugares. 

Nos últimos anos a zona Oriental da cidade está a substituir o Norte e o Soho – “isso é para turistas”, dizem os mais radicais – como o lugar onde ocorre o que interessa na música, artes ou moda. A Dalston chegaram em primeiro lugar alguns restaurantes, depois bares, clubes, lojas e galerias de arte. E hoje já é um dos centros da cultura urbana. 

“A minha vida passa por esta zona”, reflecte Ivo. “Estou perto de Shoreditch, portanto dá para caminhar até lá. Não vou ao ‘centro’ com frequência, porque não preciso, a não ser que se passe qualquer coisa que deseje ver. Mas a rotina está circunscrita a este raio de 15km.”

Ao fim de semana, muitas vezes, Ivo e Bruno, ausentam-se, para sessões DJ, em Inglaterra, ou pelo resto da Europa. “Tudo o que está aqui foi comprado com o dinheiro que fiz da música”, diz Bruno, olhando para o material disposto em casa. Ele, que pratica uma música de alusões house percussivas, tem a sensação que está a ser tudo muito rápido. “Quando estava a mudar-me já tinha um EP a sair por uma editora inglesa, por isso quando cheguei, passados dois meses, já tinha um agente. Foram surgindo oportunidades que não esperava.”

Quando se apresenta em Portugal estão sempre a perguntar-lhe como é estar em Londres. Resposta: “digo-lhes que estão a duas horas de avião, para não terem medo de vir, se for essa a sua intenção, porque se as coisas não correrem bem, o pior que pode acontecer é terem de apanhar o avião de volta. As pessoas têm medo de sair. Mas só se tem uma vida. Mesmo que venham para aqui trabalhar num restaurante, é melhor do que estar a trabalhar num restaurante lá.” 

Motivação: vingar

Dos três, Luís, é o mais viajado. Já viveu em Barcelona e Berlim e a música sendo a sua prioridade, não é ocupação exclusiva, trabalhando em artes visuais e ilustração. “Londres é acima de tudo um bom sítio para nos projectarmos e pela rede de contactos”, diz, embora planeie continuar o seu percurso noutra cidade num futuro próximo. 

“Esta é uma cidade caríssima. A motivação tem de ser vingar. Tem de querer-se mesmo estar aqui, de contrário existirá sempre o sentimento de que estás a abdicar de qualidade de vida. Não me vejo a ficar aqui muito tempo. Esta não é a cidade onde quero estabilizar, nem o Porto.” 

No final de 2012 foi apadrinhado pelo colectivo americano WeDidit e a partir daí a sua situação mudou. “De repente tinha um agente e um manager a cuidar de mim e isso torna as coisas diferentes.” Para já a sua grande aposta são os espectáculos ao vivo, onde utiliza dois teclados e a sua voz em falsete. “Quero que as coisas cresçam devagar, mas como é evidente estou satisfeito pelo que está a acontecer.” 

No início do seu percurso, Ivo também tentou apresentar-se ao vivo, mas hoje remete-se ao papel de DJ, sendo agenciado pela Paramount, “uma agência relativamente grande, que me tem permitido apresentar como DJ à volta da Europa”, afirma. “Mas faço uma distinção nítida entre a minha música e aquela que passo como DJ”, adverte.

“Quando ‘toco’ como DJ deixa de ser sobre mim e passa a ser sobre quem lá está e o meu objectivo é que as pessoas dancem. A minha música é inteiramente sobre mim. É autobiográfica. A outra não. Raramente passo música minha, porque de uma maneira geral não gosto muito de ouvir o que faço.” Este mês vai lançar um novo disco na editora Genes Liquor de Los Angeles – com o nome Laurent – e em Junho sairá novo disco, como IVVVO, na editora inglesa Fourth Wave. 

“Terá uma abordagem diferente de discos anteriores”, revela. “Já não reflecte uma nostalgia da cena rave, como até agora, é qualquer coisa que apela às relações interpessoais, às mulheres, focando sentimentos.” 

À noite, tanto ele como Bruno e Luís, gostam de sair com um objectivo preciso. “Gosto de ir a festas pelo artista, como me aconteceu recentemente com o Actress ou com Pearson Sound”, diz Luís, reflectindo sobre o ambiente nocturno londrino. “Às tantas estás a dançar e ao lado está o Mykki Blanco e isso é a coisa mais natural do mundo. As pessoas vão-se encontrando de forma natural e nessas noites vamos também encontrando amigos de outras áreas, da fotografia ou design de moda, que acabam por ter interesses cruzados.”

E Bruno dá outro exemplo: “o James Blake costumava fazer umas festas privadas no Plastic People, quando ainda não era muito popular, e juntava-se lá imensa gente conhecida, de forma muito espontânea.” Do que todos têm noção é que sair à noite é um investimento. É caro. Não dá para ir apenas perscrutar o ambiente. O lado bom é que todas as pessoas estão motivadas para estarem nos locais. Qualquer coisa que Marco corrobora. “A semana passada fomos ver o Shakleton e o Perc ao vivo e foi incrível, mas não dá para sair muitas vezes assim.” 

Durante a semana, Marco, tem o seu trabalho, a partir de casa. “Faço divulgação de lançamentos e estou a iniciar uma editora com a loja Digital Tunes. É uma cena que adoro fazer.” E Inês desenvolve a sua actividade como copywriter a tempo inteiro. “Mas em breve vou começar a trabalhar menos para ter mais tempo para a música”, revela. “Aqui pagam melhor e vai ser possível trabalhar a tempo parcial.” 

Há quatro anos havíamos falado com Marco, em Londres, no contexto da Academia RedBull, para a qual havia sido seleccionado, e na altura ainda se mostrava algo dividido entre a arquitectura e a música. Hoje sorri desses tempos. “A Academia foi importante, mudou a minha perspectiva. Foi formativo. Era músico de quarto, fechado, quase autista. Trocar energias com outras pessoas que estão também na música com paixão fez-me ver as coisas de forma diversa. Estava na Universidade e já estava dividido. Estava em negação porque a minha cena é fazer música, é lidar com ela ou promove-la. A arquitectura é uma paixão, mas é outra coisa. Toda a gente dizia que a música era a opção menos segura, mas era a mais apaixonante e acabei por optar.” 

O ano passado, Inês lançou o álbum de estreia das A.M.O.R., o projecto rap que divide com Maria Guedes. Mas agora está mais focada em Violet. “Gostava de trabalhar a sério num álbum a solo este ano, numa linha mais próxima da música de dança.” Mas há muitos outros projectos, como uma editora conjunta com Marco. “Ela trabalha de forma diferente, é espontânea e melódica e isso inspira-me”, diz ele. 

Todas as semanas ele apresenta-se como DJ. Às vezes em locais pequenos. Mas a maior parte das vezes, na qualidade de Photonz, em Londres, ou noutros locais da Europa, em clubes de dança. “Estando cá é mais fácil apanhar um comboio para Paris ou Bélgica”, afirma, recordando noites com os escoceses Optimo ou com um dos pioneiros do tecno de Detroit, o americano Eddie ‘Flashin’ Fowlkes. 

Nos próximos tempos a editora One Eyed Jacks não vai ter mãos a medir, com vários lançamentos previstos. O que não vai faltar também são as incursões, aos fins-de-semana, pelas lojas de discos do Soho – “a Phonica, a Soul Jazz ou a Black Market”, enumera Inês – e essa sensação de que estão a viver um período saudável da sua vida. 

“Aqui sentes que te dão a oportunidade para mostrares o que vales, porque a cultura do trabalho é flexível e dá para fazer coisas novas. Se não resultar não resultou e ninguém leva a mal. Em Portugal há sempre muito peso envolvido em cada decisão”, reflecte. “As oportunidades são menores e há competição para os poucos lugares disponíveis.” Marco acrescenta: “Os ingleses dizem que também estão a passar por dificuldades, mas não creio que seja comparável. Aqui há dinheiro, trabalho e criatividade. O espírito das pessoas não está abatido. Vêem-se coisas a resultar. Em Portugal era angustiante ver coisas boas a surgir à volta, mas depois faltava sempre algo.” 

Há alguns anos quando se pensava em cultura popular era inevitável soletrar o nome da capital inglesa. Hoje esse ascendente é dividido. Há diversificação e também disseminação. Mas a cidade continua a respirar vitalidade, influenciado as inclinações globais na música ou nas artes, ao mesmo tempo que tem grande capacidade para se reinventar urbanisticamente, sendo capaz de atribuir novos sentidos a zonas anteriormente subvalorizadas. 

Em poucos anos a paisagem física e humana de Shoredich, Old Street ou Brick Lane transformou-se por completo, surgindo inúmeras lojas de roupa, cafés e bares de aparência confortável. Segue-se Dalston. E provavelmente, depois, Peckham. Todas as cidades necessitam de incubadoras onde os artistas mais novos possam experimentar, sobressair e, às vezes, falhar. A arte é volátil, mas também é isso que faz dela uma experiência revigorante. É nesse patamar que se situam estes agentes da música portugueses a viver a experiência de Londres.

É já noite quando nos despedimos de Bruno e Luís, em Dalston. Na rua ainda há muito movimento, o metro apresta-se para encerrar e os táxis não parecem interessados em parar. Mantém-se a chuva miudinha incomodativa e o ar está gelado. Continuamos sem dúvida em Londres.

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