Mais vida para descobrir nesse lugar chamado Rockuduro

Foto
Ricardo Almeida

Já sabíamos pelos concertos que isto era a sério. Agora, com Mambos de Outros Tipos, segundo álbum os Throes + The Shine, percebemos que os discos também são coisa séria

Há os teclados perfeitos para baile de sábado à noite, algures entre Luanda e Dacar, e o ritmo acelerado da bateria, tocado com o peso, o tom e a estridência do rock. Há essa música que acelera e as vozes que ouvimos: “de tribo a tribo/de terra a terra/preserva a tua cultura/seja ela qual for/preserva com muito amor”. No kimbo/a aldeia é o título da canção. Fala da vida tão simples quanto difícil nesse “kimbo” que é aldeia não nomeada. “Preserva a tua cultura/ seja ela qual for”, cantam então os portuenses Throes + The Shine, eles que se apresentaram há dois anos com um disco cujo título era todo um programa: Rockuduro.

É curioso que falem de “preservar a cultura” quando são fusão de banda de rock sónico com duo de kuduro. Ou seja, quando podemos considerá-los tudo menos guardiães da tradição. Digamos que preservam a cultura de forma especial: tratando-a enquanto matéria viva, disponível para ser transformada em algo novo. Sim, os Throes + The Shine são Mambos de Outros Tipos – que é o título do novo álbum e um passo em frente: a música abriu-se mais, o território alargou-se com as viagens e as descobertas que fizeram e a ilha que inventaram para habitar é tão apelativa quanto a que ilustra a capa do novo disco. Mergulharam mais profundamente na vasta e rica música do sudoeste africano, mantiveram inalterável a descarga de energia rock e, ao segundo disco, passam a ser, além de incendiários em palco, banda que sabe como utilizar o estúdio. “Eu e o Igor [Domingues, baterista] já tínhamos interesse nesse tipo de música [a africana] e procurámos conhecer mais”, conta o guitarrista e teclista Marco Castro. André do Boné e Diron Romão, continua, “gostam muito das suas raízes [angolanas]e em algumas músicas, porque quiseram mudar um pouco os temas que abordavam [festa e dança, genericamante], falam, por exemplo, das suas experiência em Angola quando eram miúdos”. Mas, ao mesmo tempo, “são músicos que nunca dizem não a experimentar outras coisas. Sabem adaptar as suas raízes àquilo que pretendermos fazer”.

Mambos de Outros Tipos mostra-nos que existe mais para descobrir neste Rockuduro que os Throes + The Shine nos apresentaram com estrondo em 2011. “Chegámos a estúdio com uma ideia diferente em relação ao outro disco. Aí a banda era muito jovem, tinha meio ano, não havia entrosamento entre todos e era mais difícil chegar a consensos”, explica Marco Castro. Nesse sentido, a gravação mais directa, para fita, num processo totalmente analógico, foi substituída por um maior investimento digital, de forma a conseguir mais variedade sonora. A formação foi alterada pelas mesmas razões, passando de quarteto a quinteto – João Brandão entrou oficialmente para a banda enquanto baixista. Houve principalmente um desejo de alargar território, de aprofundar esta síntese entre África gingada e Ocidente rockado.

Nunca tínhamos ouvido nada assim 

O resultado? Aquele ritmo sempre anfetaminado, mas por onde marulha agora o tricotado da guitarra highlife ganesa e nigeriana (Tuyeto mukina), uma Dombolobombástica que é kuduro atirado para uma rave ilegal subterrânea ou essa Wazekele que começa festa luxuriante com vibrafone e cowbell e que acabará num qualquer espaço imaginário entre o Quénia do benga e a América do country-rock. Em resumo: música frenética como em Rockuduro mas reveladora de novas subtilezas. “Muita gente disse-nos no passado que o [primeiro] disco não transmitia aquilo que se passava em palco. A nossa ideia neste foi manter a mesma energia, mas complementar a ausência da componente visual que tem um concerto, com uma composição mais cuidada e com mais texturas sonoras”. 

No início tínhamos de um lado os Throes, formados no Porto por Marco Castro e Igor Domingues. Do outro os The Shine, ou seja, André do Poster e Diron Romão, duo de kuduro numa cidade, o Porto, em que não é fácil ouvi-lo. No final de 2010, partilharam o mesmo cartaz de um mini festival organizado no Plano B. Nessa noite, André e Diron prestaram atenção a Ivo Domingues – havia algo naquele ritmo que os atraía, que parecia indicar um caminho. Passado algum tempo, já não existiam simplesmente os Throes ou os Shine, mas esta nova entidade que inventou um lugar musical que responde pelo nome, não houve que inventar, Throes + The Shine.

A verdade é que nunca tínhamos ouvido nada assim. Riffs de guitarra de precisão mecânica, teclados de som saturado e uma bateria de peso decididamente rock, mas balançando de forma diferente. Sobre isso, dois tipos que não cantavam propriamente, pegavam no microfone para lançar palavras de ordem que dessem verbo e sentido a essa coisa que nunca tínhamos ouvido: Rockuduro!, explodiam. Estávamos em 2011 e, a partir de então, foi impossível deixar de reparar neles. “Como é que ninguém se lembrou disto antes?”, perguntava quem os via. 

Três anos depois, quando o quarteto já passou a quinteto, a questão é outra. Já sabemos o que é o Rockuduro. Não só nós. A banda tem vivido tanto em Portugal como no resto da Europa, tocando em festivais de electrónica, de world music ou de rock. “Tocávamos num e tínhamos a Peaches e LMFAO como cabeças de cartaz, noutro tínhamos a Rihanna, noutro, como o World Music Festival, em Oslo, tocávamos no mesmo dia que a Rokia Traoré ou o António Zambujo”, conta Marco. “O nosso agente europeu diz-nos que tem muita facilidade em marcar concertos porque pode acentuar facetas diferentes da nossa música consoante o local em que nos apresenta”.

Para além dos concertos portugueses (Musicbox, em Lisboa, a 3 de Maio; Plano B, no Porto, dia 24), já têm uma digressão na Suiça marcada para o final do próximo mês e mais cerca de duas dezenas Europa fora nos próximos meses. Por vezes, quando se inventa um lugar novo, acontece isto: é-se de todo o lado, sem pertence exclusivamente a lado nenhum. É onde estão agora os Throes + The Shine. O mandamento principal é o de sempre: “Tuyeto mukina”. Quer dizer “Vamos dançar”.
 

****
Throes + The Shine
Mambos de Outros Tipos
Lovers & Lollipops
Sugerir correcção
Comentar