O rascunho acabado de Sérgio Godinho

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Sérgio Godinho nos ensaios para Final de Rascunho Fábio Teixeira

Pela primeira vez na sua carreira, Sérgio Godinho alinhou um lote de canções inéditas e vai mostrá-las em palco antes de serem disco. Começa hoje, na Culturgest

Um rascunho nunca acaba, mas há sempre uma altura em que o damos por terminado. E ele ganha forma de um poema, uma canção, um livro. Desde Junho que Sérgio Godinho iniciou um processo de "esculpir" canções em papel com "jactos e joalharia e de repente iluminações e carpintaria", como ele próprio diz. E agora chegou a vez de mostrá-las, a ver como soam. De hoje a domingo na Culturgest e dia 4 na Casa da Música, no Porto. "Mesmo sabendo que até aos dias da gravação estará tudo sempre e ainda em aberto".

"O concerto tem nove canções novas, duas das quais semi-novas. E outras mais antigas. Apeteceu-me arriscar isso, porque quando se faz um disco e nunca se testou as canções, no sentido de as praticar em palco, elas estão ainda um bocadinho perras. Às vezes passam seis meses e dizemos: agora é que se devia gravar o disco. Por isso achei que valia a pena desenvolver este conceito de mostrar canções que não estão já em rascunho. Algumas com uma crueza que provavelmente transitará até para o disco. Digamos que fizemos umas aparas no barroco..."

Este "fizemos" deve-se a Sérgio ter trabalhado colectivamente as canções, não apenas com o seu grupo, Os Assessores (Nuno Rafael, Miguel Fevereiro, João Cardoso, Nuno Espírito Santo, Sérgio Nascimento, Sara Côrte-Real, João Cabrita), mas também com dois convidados: Bernardo Sassetti (piano) e António Serginho (vibrafone, marimba), que no concerto do Porto, por razões logísticas, será substituído por Márcio Pinto.

"Isso dá uma coloração, em certas canções, que vai dar a diversidade que se quer. Há uma canção nova arranjada pelo Serginho, outra pelo Sassetti e uma em que fizemos parceria. A música, o Sassetti já a tinha. E eu depois plasmei-lhe a letra."

Além do que o público ouvirá de inédito, há coisas semi-começadas que ainda terão que ganhar forma. "Mas este caminho, diz Sérgio, "é já um caminho de pré-fixação do som que existirá no disco, onde haverá também arranjos desses dois que já falei. E tem um tema chamado 'Mão na música', que é o que abre o espectáculo, com arranjo do Hélder Gonçaves [dos Clã], um longo poema no estilo 'spoken word' com definições poéticas da música, umas mais conotadas com coisas técnicas e outras completamente líricas. São seis minutos e é um começo forte, porque dá outro tom ao espectáculo."

Muitas mãos na música

O disco que daqui sairá não tem ainda título. "Poderá ser 'Mão na Música', mas é um título de trabalho, mais do que outra coisa. Porque há aqui muito o conceito da mão, a mão na massa, a mão que remexe nas coisas, que agarra, que escreve, que toca, a mão no fim de contas é também um prolongamento do pensamento. Eu tirei uma série de fotografias, ao longo dos anos, da minha mão esquerda, porque é a mais expressiva. Essas fotografias serão também projectadas, durante essa canção e não só. O André Godinho, o meu filho, está a organizar esse material. Haverá também uma câmara, na vertical, sobre uma mesa onde há papéis de trabalho..."

De entre as canções semi-novas, haverá a já conhecida "Faz parte", que Sérgio compôs com José Mário Branco no âmbito do projecto Três Cantos, que uniu os dois a Fausto. "Sempre pensei fazer uma versão diferente, minha. Eu gostava do arranjo do Zé Mário, mas aqui fizemos um arranjo que denota outra atitude musical perante a canção." E há também "Bomba relógio", que Sérgio compôs para Cristina Branco gravar no disco "Kronos". "Ao compô-la, disse logo que ela iria ter uma outra vida. Aliás, disse isso à Cristina. Acrescentei letra e o arranjo é radicalmente diferente." Haverá também palavras do seu livro de poemas 'Sangue por um Fio' (2009). "Palavras que se agregam de forma natural a três ou quatro canções novas, mas essas serão ditas."

Disse-se, e ele próprio o escreveu, que "será um concerto com muitas palavras". Mas isso não quer dizer que seja um concerto tipo "aula".

"Será", diz Sérgio agora, "uma apresentação mais fluída do que isso. Acho que é interessante para as pessoas saberem o que é que suscitou um certo ambiente, o que é que fez partir a canção para determinado rumo, para um determinado olhar, e com que voz, poética e musical, se interpreta essa realidade. Às vezes é uma frase, às vezes é uma situação. Acho que devo partilhar isso com as pessoas e provavelmente neste espectáculo falarei um pouco mais do que é hábito. Mas não é uma palestra ou um 'master class', é um espectáculo de música.

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