Uma vida inteira numa caixa de cinema

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Agnès Varda: o amor ao cinema e um olhar grave sobre a vida material(ista) Paulo Pimenta

Pode uma vida inteira caber numa caixa? Se esta for feita de filmes e cinema, caberá com certeza.

Assim se juntaram todos os passos feitos por Agnès Varda em Tout(e) Varda, uma caixa de DVD editada em conjunto pela Arte e Ciné-Tamaris, companhia de distribuição dos filmes de Varda e Jacques Demy (o seu companheiro de vida).

Nela, encontra-se todo o seu trabalho: vinte longas-metragens, entre as mais conhecidas Duas Horas da Vida de Uma Mulher (Cléo de 5 à 7, 1962), A Felicidade (Le bonheur, 1965), ou Sem Eira Nem Beira (Sans toit ni loi, 1985), tal como as dezasseis curtas realizadas ao longo da sua vida. Esta mesma terá sido uma das principais fontes de inspiração para o trabalho da autora - um gesto que partiu da sensibilidade comum à geração da nouvelle vague, mas que foi suplantado, em Varda, para um olhar social mais comprometido: não apenas feito de amor ao cinema (e Varda filmou também alguns dos seus rostos mais emblemáticos do seu país, como Catherine Deneuve, Michel Piccoli, ou Sandrine Bonnaire), mas olhando com gravidade a vida materialista de uma sociedade desatenta às desigualdades. Desta forma, incluem-se também trabalhos mais políticos como L'une chante, l'autre pas (1977, o feminismo) ou Les glaneurs et la glaneuse (2000, sobre o desperdício dos nossos recursos), um dos muitos documentários feitos na sua carreira, tal como o fascinante Huey (1968, sobre os Black Panthers), filmado durante a sua estadia na Califórnia.

Esse olhar sobre o real terá sempre alimentado a riqueza do trabalho de Varda, que encontrou no mais recente As Praias de Agnès (2009) uma união tocante entre o seu amor pela arte de fazer cinema e o amor da sua vida: Jacques Demy (cuja vida recriou em Jacquot de Nantes, 1991). Nessas suas memórias filmadas, dizia-nos: “amar o cinema é amar Jacques Demy, a pintura, a família, e os puzzles”, uma frase que abre portas para as outras paixões artísticas da realizadora francesa. Tout(e) Varda não vem, portanto, sem um álbum de 132 páginas de fotografias e textos da própria, vindas de cada um desses seus passos. Um monumento de vida, um monumento de cinema - toute Varda.

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