Estilhaços da crise interna do PS podem influir nas legislativas

A maioria das distritais só deve tomar uma posição sobre congresso e directas depois a reunião da Comissão Nacional do próximo domingo.

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Costa e Seguro, no congresso de 2011 Adriano Miranda

A uma semana da comissão nacional (CN), convocada por apoiantes de António Costa, que defendem um congresso extraordinário e directas, o PS continua mergulhado numa luta interna que, provavelmente, “nunca foi tão profunda”.

Das cinco distritais mais poderosas, apenas Setúbal reuniu a sua comissão política, rejeitando por três votos (36-33) a proposta para realização de directas para a escolha do secretário-geral e de um congresso. As outras quatro (Porto, Lisboa, Braga e Aveiro) ainda não tomaram posição (ver mapa). A distrital portuense convocou a sua comissão política, mas da ordem de trabalhos não constava a convocação de congresso extraordinário.

A federação de Viseu, liderada por João Azevedo e Costa, também disse não a uma reunião magna extraordinária. Em contrapartida, Vila Real está com o presidente da Câmara de Lisboa, bem como as distritais de Castelo Branco, Portalegre, Évora e Faro.

Num universo de 21 distritais, há apenas sete que já têm uma posição definida. Faltam 14. A federação de Lisboa reúne-se esta terça-feira, já Braga só vai convocar a sua comissão política depois da CN, o mesmo acontecendo com Leiria, Santarém, Beja e Viana do Castelo. A distrital dos Açores, conotada com António Costa, tem agendada para o próximo sábado uma reunião. O presidente da mesa da comissão política distrital, Carlos César, já veio alertar para “o risco” de o PS perder as legislativas de 2015 por “falta de credibilidade” da actual direcção do partido.

Com 14 distritais ainda por decidir, ninguém arrisca antecipar resultados e a escassa margem de votos obtida em Setúbal contra um congresso e directas aconselha prudência, até porque as 26 concelhias que reuniram e que tomaram posição sobre congresso apoiam o presidente da Câmara de Lisboa.

Com as primárias atiradas para finais de Setembro, o partido concentra-se agora na contagem de espingardas interna, em particular António Costa, porque precisa de ter do seu lado 11 das 21 federações, que representem a maioria dos militantes do partido, para solicitar a convocação de um congresso. Todavia, o dirigente socialista António Galamba, afecto a Seguro, lembra que “o partido já decidiu” pela realização de primárias e que “não há congressos extraordinários electivos”.

A pouco mais de um ano das legislativas, o PÚBLICO falou com alguns investigadores sobre a dimensão desta luta, que, nas palavras do professor da Universidade do Minho (UM) João Cardoso Rosas, “nunca foi tão profunda”, no sentido de perceber até que ponto os estilhaços da crise interna que se instalou no maior partido da oposição vão ter repercussão no resultado das legislativas.

João Cardoso Rosas, docente de Filosofia Política da UM, afirma que “a penalização eleitoral acontecerá. Se o PS não tivesse passado por esta fase, o voto útil funcionaria nas legislativas, mas, com a instabilidade que se vive, o que me parece é que muita gente vai optar por votar nos micropartidos, como já aconteceu nas europeias. O apelo do voto útil não vai ser tão grande, porque o PS não está em forma”.

Segundo João Rosas, “a divisão é tão profunda e a disputa interna no próprio aparelho é tão forte que aquilo que vai acontecer é que, se ganhar Costa, há muitos ‘seguristas’ que não vão votar, porque não querem o regresso de [José] Sócrates; se ganhar Seguro, há ‘costistas’ que não vão votar, porque não querem Seguro para líder do partido”.

“É António contra António”
Ao PÚBLICO, o professor de Filosofia Política considera que o desgaste do PS não se acentua pelo facto de as primárias decorrerem apenas em Setembro. “A divisão está feita. A acrimónia entre as pessoas do partido já está instalada e a divisão das simpatias do próprio país por cada um dos candidatos está estabelecida. O dano já está feito”, avalia.

Curiosamente, “em teoria, esta disputa pela liderança fortalece o partido”, mas o professor adverte que “o modo como está a decorrer o processo de disputa enfraquece-o, porque não há um debate mobilizador. É António contra António. Quando se vai esmiuçar, os dois estão de acordo em quase tudo”.

De resto, João Rosas, que acredita que “é altamente improvável que Costa não vença as primárias”, deixa um aviso aos socialistas: “PSD e CDS vão associar António Costa ao regresso de Sócrates”. “Sócrates levou-nos à bancarrota e o PS, em vez de ter enjeitado esses fantasmas e se ter renovado, parece que voltou para trás, e o PSD e o CDS vão jogar muito com isso”, antevê o professor da Universidade do Minho.

Já Carlos Jalali desvaloriza de alguma maneira a tensão na família socialista, mas concorda que esta “instabilidade tem um potencial de penalização eleitoral no imediato. A questão é saber se esta penalização se vai manter depois da crise resolvida, porque estas tensões internas deixam sequelas”.

“Este tipo de crises é muito visível nos dois principais partidos políticos — PSD e PS — quando estão fora do poder, porque são partidos virados para vitórias eleitorais, para assumir poder, e necessitam do poder para suster as suas máquinas partidárias. É evidente que a oposição é um lugar pouco confortável internamente e acaba por potenciar estas tensões”, defende Carlos Jajali, professor de Ciência Política na Universidade de Aveiro, referindo que, “muitas vezes, estas divisões são mais personalistas do que programáticas”.

Quanto à penalização que as sondagens evidenciam em relação ao partido liderado por António José Seguro, Jalali diz que “tal não é surpreendente”. “Sabemos que PS e PSD são partidos muito centrados na pessoa do líder”.

O professor da Universidade de Aveiro não censura Seguro por não ter convocado directas, mas também compreende que “Costa queira ser líder e exija eleições”.

“Seguro está a ser consistente com aquilo que disse há um ano, quando afirmou que as directas que disputou seriam as últimas e que seria o candidato do PS nas próximas legislativas”, evidencia ainda o investigador em Ciência Política.

Quanto a eventuais sequelas desta crise, Carlos Jalali acredita que ainda há tempo para o PS recuperar. “A promessa de poder também une”, argumenta o professor, acrescentando: “Vivemos tempos interessantes no PS e no sistema político português de uma forma geral. Este tipo de conflitos potencialmente encaixa na narrativa de figuras como Marinho e Pinto”.

O professor André Freire tem uma posição ligeiramente diferente. Acha “indesejável que as primárias só tenham lugar em finais de Setembro” e considera que “é saudável para o PS clarificar a liderança”. O que já não concorda é que a actual direcção tenha “blindado os estatutos do PS para tornar uma eleição entre directas e congresso extraordinário mais difícil”.

Freire, professor de Ciência Política no ISCTE, critica Seguro por ter respondido ao desafio de António Costa com as primárias, afirmando que a proposta “só serve apenas para ganhar tempo”. Por outro lado, frisa que “as primárias não têm cobertura legal porque não constam dos estatutos do PS”.

“É desejável que haja uma clarificação. A solução das primárias tem vantagens, mas não para este cargo. O cargo de primeiro-ministro não é electivo, é nomeado pelo Presidente da República”, explica o professor, para quem “esta direcção do PS não entusiasma ninguém”, depois de mencionar que “o PS teve uma vitória de Pirro nas recentes eleições para o Parlamento Europeu.” 

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