Mossul caiu nas mãos dos jihadistas perante a impotência de Bagdad

Civis e militares em fuga da maior cidade do Norte do Iraque. Maliki pede estado de emergência e promete armar civis para combater extremistas.

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Milhares de civis estão a fugir aos combates em Mossul Safin Hamed/AFP

“Mossul parece o Inferno. Há chamas e morte por todo o lado”. A descrição é feita por Amina Ibrahim, uma entre os milhares de habitantes que se puseram em fuga da maior cidade do Norte do Iraque, caída nas mãos do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), um grupo próximo da Al-Qaeda. A fulminante vitória dos jihadistas – facilitada pela deserção de polícias e militares – é um golpe sem precedentes contra o Governo do xiita Nouri al-Maliki que, num gesto inédito, pediu ao Parlamento que aprove a declaração do Estado de emergência no país.

O Exército tentava desde sexta-feira repelir o ataque encabeçado pelos radicais islâmicos que desde Dezembro controlam a cidade de Falluja e partes de Ramadi, na província sunita de Anbar. Ninguém acreditava, contudo, que a terceira maior cidade do Iraque pudesse cair tão rapidamente em poder dos rebeldes. Mas num sinal de que era isso que se preparava para acontecer, Atheel Nujaifi, governador da província de Nínive, apareceu segunda-feira à noite na televisão a pedir à população que “resistisse” e defendesse a cidade “contra os estranhos”. Horas depois, cercado na sede do governo regional, ele próprio se pôs em fuga.

São as próprias autoridades admitir que os radicais tomaram a quase totalidade da cidade, incluindo as principais bases militares e o aeroporto, onde se terão apoderado de armamento e até de helicópteros. Várias esquadras foram incendiadas e, através do Twitter, os rebeldes anunciaram ter libertado “três mil presos” que estavam nas prisões de Mossul. Residentes contaram à agência Associated Press que os extremistas hastearam as bandeiras negras do ISIS em vários edifícios e anunciaram através de altifalantes que tinham vindo “para libertar Mossul e que só lutariam contra quem os atacasse”.

Mas milhares – 150 mil, segundo os primeiros balanços – não lhes deram o benefício da dúvida. Nesta terça-feira, um enorme engarrafamento de automóveis entupia as estradas de acesso ao vizinho Curdistão, região autónoma do Iraque, protegida pelo seu próprio Exército. Famílias inteiras carregadas com os pertences que conseguiram levar aguardavam a sua vez de passar pelos controlos de segurança e estavam a ser criados abrigos de emergência para acolher os deslocados.

“O que aconteceu é sem dúvida um desastre. A presença destes terroristas num território tão vasto é uma ameaça não apenas à segurança e à unidade do Iraque, mas a todo o Médio Oriente”, avisou Osama al- Nujaifi, presidente da Assembleia Nacional e irmão do governador de Nínive. O responsável dizia ter informações de que a província (que, à semelhança de Anbar, faz fronteira com a Síria) “está totalmente na mão dos jihadistas” e avisava que os rebeldes não se ficariam por ali. Horas mais tarde, como que a confirmar o alerta, um oficial de polícia da província de Kirkuk, disse à AFP que os rebeldes já ocupavam seis sectores, a oeste e sul da cidade com o mesmo nome, disputada por sunitas e curdos.

Prestes a perder o controlo sobre a situação, Maliki foi à televisão anunciar que as forças de segurança iraquianas foram colocadas em “alerta máximo” e pediu que o estado de emergência seja decretado em todo o país. Não é, porém, garantido que consiga no "balcanizado" Parlamento a maioria de dois terços necessária à aprovação de uma medida que reforça os poderes do Governo para deter suspeitos e impor o recolher obrigatório. Maliki prometeu ainda distribuir armas a voluntários que se alistem para combater os extremistas e voltou a apelar à solidariedade internacional na luta contra o terrorismo – os Estados Unidos já disseram estar “muito preocupados” com a ofensiva em Mossul, mas não revelaram se vão enviar os aviões e mísseis há muito pedidos por Bagdad.

Maliki, que venceu sem maioria as legislativas de Abril, diz ser o único líder capaz de esmagar o ISIS, grupo que ambiciona instaurar um califado dos dois lados da fronteira sírio-iraquiana. Mas foi incapaz de reconquistar Anbar, onde a população sunita teme mais o Exército (dominado pela maioria xiita) do que os radicais. E estes, com as armas e a experiência ganhas na guerra da Síria, revelam-se uma ameaça cada vez mais insuperável para as desmoralizadas e mal equipadas forças iraquianas. “Eles são como fantasmas: atacam e desaparecem em segundos”, disse à Reuters um oficial que, tal como milhares de outros, abandonou o posto quando os combates em Mossul endureceram. Muitos deixaram para trás as armas, despiram os uniformes e juntaram-se ao êxodo de civis.

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