Mortes por AVC baixaram 46% numa década, em parte graças à redução do sal

Portugueses ainda consomem quase o dobro da quantidade de sal recomendada e mais de 40% são hipertensos

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Os deputados disseram que eram "crianças pobres" que estavam a ser penalizadas pela alteração Filipe Arruda

O impacto da redução do consumo de sal e da pressão arterial média verificado entre 2003 e 2012 foi notável: a mortalidade por acidente vascular cerebral (AVC) diminuiu 46% numa década. A má notícia é que, mesmo assim, Portugal continua no topo da tabela dos países europeus em que a mortalidade por AVC é superior à provocada por enfarte de miocárdio. Ou seja, ainda há muito a fazer para combater este problema, prova um trabalho realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) em parceria com a Sociedade Portuguesa de Hipertensão e que ontem foi divulgado.

Apesar das melhorias verificadas numa década,  a prevalência da hipertensão na população adulta em Portugal manteve-se em níveis muito altos,  42,2% (em 2012),  e o consumo médio de sal era então ainda de 10,7 gramas por dia, quase o dobro das recomendações internacionais (5,8 g/dia). Além disso, neste período, a taxa de obesidade na população portuguesa aumentou cerca de 8%, sobretudo nas mulheres, passando a ser de 20,4% na população em geral. Neste estudo a obesidade está associada ao aumento da prevalência de hipertensão, consumo de sal, doenças cardiovasculares e escolaridade mais baixa.

Liderada por Jorge Polónia da FMUP, esta investigação publicada em Maio no Journal of Hypertension  baseou-se nos resultados do estudo PHYSA (Portuguese Hypertension and Salt Study) que foi já divulgado em 2013. Com uma amostra representativa de 3720 pessoas, entre os 18 e os 90 anos,  o  estudo avaliou a prevalência e controlo de hipertensão, consumo de sal e padrões genéticos relacionados com a hipertensão, comparando dados de 2012 com os de um estudo anterior, de 2003. Os dados provam que uma parte substancial da população sofre de hipertensão arterial, apesar de ter havido melhorias assinaláveis no tratamento e controlo da doença, neste período. Jorge Polónia alertou, a propósito, que a crise pode vir a ter impacto, invertendo alguns dos resultados obtidos, e defendeu que se deve continuar a investir no controlo deste problema.

Quanto às medidas que podem ter influenciado de forma decisiva a redução da mortalidade por AVC  foram a diminuição do consumo de sal nos doentes hipertensos neste período (da ordem de 1,6 gramas por dia) – que justificará o decréscimo de 14% da mortalidade por esta doença – e a diminuição da pressão arterial na mesma população – que  pode estar na base do decréscimo de 29% das mortes por AVC, sustentam os investigadores. Mas há outros factores que terão tido também peso nesta redução: a melhoria da acessibilidade dos doentes aos serviços públicos e o maior conhecimento da doença, tal como a medicação.

Neste período, a percentagem de doentes em tratamento (medicados) passou de 38,9% para 74,9%, sendo que 42,6% tinham a doença controlada (casos em que a medicação é eficaz), quatro vezes mais do quem 2003.  A pressão arterial média também baixou, de 13/8 para 12/7 – os valores ideais são 120/80 mm Hg (milímetros de mercúrio).  Acima de 140/90 mm Hg já se considera estar numa situação de hipertensão.

Apesar de a prevalência da hipertensão arterial ser mais elevada nos mais velhos, a população mais jovem preocupa os investigadores. “Os mais jovens sabem menos, estão menos tratados e pior controlados”, diz Jorge Polónia, defendendo o investimento no rastreio e consciencialização desta população.

O trabalho permitiu ainda identificar dados relativos a obesidade e perfis genéticos associados a riscos aumentados de eventos cardiovasculares e diabetes que serão analisados a fundo noutra publicação.  

O PHYSA custou 450 mil euros e foi financiados pela Sociedade Portuguesa de Hipertensão.

 

Crianças devem medir a tensão arterial desde cedo

 

As crianças necessitam de medir com regularidade a pressão (ou tensão)  arterial, tal como fazem os adultos, mas devem consumir muito menos sal. “Esta não é uma doença de velhos. O controlo da pressão arterial deve começar cedo, até porque há formas de hipertensão nas crianças que são curáveis”, avisou Jorge Polónia, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Na população infantil, não se sabe o que está a acontecer (porque não existem ainda estudos nacionais), mas a média de ingestão de sal recomendada internacionalmente é de apenas 3 gramas por dia.

 “A medição da tensão deve começar por volta dos dois anos”, aconselhou Fernando Pinto, presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão.  “Os pais por vezes não têm consciência de que estão a envenenar os filhos”, alertou o médico, exemplificando que “alguns cereais de pequeno-almoço já têm a dose de sal recomendada para o dia todo”. A SPH já defendeu a rotulagem dos alimentos que permita perceber facilmente a quantidade de sódio que estes têm, por exemplo usando cores tipo semáforo. Mas a recomendação ainda não foi concretizada.

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