Obama dá um mês a Putin para "voltar ao caminho da lei internacional"

Países do G7 prometem impor "medidas restritivas adicionais significativas", se continuar a "inaceitável interferência da Federação Russa nos assuntos soberanos da Ucrânia".

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Os líderes do G7 condenaram "a anexação ilegal da Crimeia pela Rússia, e acções para desestabilizar o Leste da Ucrânia" Yves Herman/Reuters

Foi a primeira indicação do tempo que a Rússia tem para "voltar ao caminho da lei internacional", segundo as palavras do Presidente norte-americano. No final da cimeira dos sete países mais industrializados do mundo, em Bruxelas, Barack Obama voltou a traçar uma linha vermelha, desta vez para dizer que Vladimir Putin tem, no máximo, um mês para escapar à aplicação de sanções económicas por causa da crise na Ucrânia.

"O sr. Putin tem a oportunidade de regressar ao caminho da lei internacional. Vamos ver o que o sr. Putin vai fazer nas próximas duas, três ou quatro semanas. Se as provocações russas continuarem, é claro que os países do G7 estarão prontos a impor custos adicionais à Rússia", disse o Presidente norte-americano numa conferência de imprensa em Bruxelas.

Barack Obama não o disse explicitamente, mas a declaração final da cimeira na capital belga indica que os países do G7 estão dispostos a aplicar sanções mais pesadas à Rússia, para além do congelamento de bens e da autorização de vistos de entrada nos EUA e na União Europeia (UE) a cidadãos russos, mais ou menos próximos de Vladimir Putin.

No ponto 28 do documento assinado pelos chefes de Estado e de Governo da Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido – e pelos presidentes do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, e da Comissão Europeia, Durão Barroso –, lê-se que serão "implementadas medidas restritivas adicionais significativas sobre a Rússia, se os acontecimentos assim o exigirem".

Traduzindo, os países do G7 admitem aplicar sanções em sectores económicos importantes da Rússia, como a banca – alargando algumas medidas já aprovadas pelos EUA – e o sector do gás.

Apesar da unidade demonstrada nos documentos oficiais, será preciso esperar para ver se os EUA e a UE falam mesmo a uma só voz – para além dos interesses económicos de países como a Alemanha na Rússia, e de oligarcas russos no Reino Unido, na terça-feira a Comissão Europeia pediu ao Governo da Bulgária que suspenda a construção no seu país de parte de um novo gasoduto que parte da Rússia.

O projecto, conhecido como South Stream, passa pelo Mar Negro e chega a países como Itália, Áustria e Grécia, cujos governos assinaram acordos com a Gazprom muito antes do início da mais recente crise na Ucrânia.

Nos últimos meses – com a estratégia adoptada pela UE de diversificar as suas fontes de energia para limitar a dependência do gás russo –, o South Stream tem sido fortemente criticado pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia, mas o Governo búlgaro considera que o seu país "não pode ficar refém deste conflito entre a Rússia e a Ucrânia".

Rússia critica "cinismo sem limites"
Da declaração conjunta saiu também, como se esperava, uma dura condenação da "inaceitável interferência da Federação Russa nos assuntos soberanos da Ucrânia".

"Estamos unidos na condenação da contínua violação da Federação Russa da soberania e da integridade territorial da Ucrânia. A anexação ilegal da Crimeia pela Rússia, e acções para desestabilizar o Leste da Ucrânia, são inaceitáveis e devem parar. Estas acções violam princípios fundamentais da lei internacional e devem ser um motivo de preocupação para todas as nações", lê-se no documento.

Numa das passagens em que o G7 declara o seu total apoio ao novo Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, os países mais industrializados do mundo descrevem a operação lançada pelo Governo interino da Ucrânia no Leste do país como "uma abordagem equilibrada" com o objectivo de "restaurar a lei e a ordem" nas províncias de Donetsk e Lugansk.

A descrição da operação, a que Kiev chama "antiterrorista", motivou a ira do primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev. "O chamado G7 fala desta forma sobre as acções das forças armadas ucranianas contra o seu próprio povo. É de um cinismo sem limites", disse Medvedev, citado pelas agências russas.

Obama pressiona Hollande
Outro assunto polémico é o negócio da compra de dois navios de guerra franceses pela Rússia, no valor de 1200 milhões de euros. Depois de o Presidente russo ter afirmado que espera que Paris cumpra o acordo – ou que devolva o dinheiro –, o Presidente norte-americano pressionou nesta quinta-feira o seu homólogo francês a desistir do negócio.

"Exprimi uma certa inquietação com a continuação da assinatura de contratos militares, num momento em que a Rússia viola a lei internacional e a integridade territorial do seu vizinho", declarou Barack Obama.

Apesar das diferenças de pontos de vista, o Presidente norte-americano admitiu que o contrato é importante para os franceses, e que "não limitará a cooperação mais abrangente com a França em relação às sanções".

Múltiplos jantares e reuniões
Para tentarem impedir o caminho para um banho de sangue no Leste da Ucrânia, que parece cada vez mais desimpedido, os principais líderes mundiais vão multiplicar-se em jantares de trabalho e reuniões na noite desta quinta-feira e ao longo de sexta-feira, dia das comemorações do 70.º aniversário do Desembarque na Normandia, em França.

O Presidente russo, Vladimir Putin, vai encontrar-se, pelo menos, com o Presidente francês, François Hollande; com a chanceler alemã, Angela Merkel; e com o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron. Por confirmar – sendo mais provável que não se concretizem – estão encontros de Putin com o Presidente dos EUA, Barack Obama, e com o recém-eleito Presidente ucraniano, Petro Poroshenko.

O novo chefe de Estado ucraniano, que tomará posse no sábado, já admitiu falar com o Presidente russo, e este fez saber que não irá deixar ninguém de mão estendida, incluindo Barack Obama.

É uma oportunidade única para se tentar fazer progressos no sentido da pacificação do Leste da Ucrânia, onde milícias separatistas pró-russas ocuparam dezenas de edifícios governamentais no início de Abril, depois da queda do antigo Presidente Viktor Ianukovich e da anexação da península da Crimeia pela Rússia.

Desde o início da semana, um ataque da aviação ucraniana contra o quartel-general dos separatistas em Donetsk, no centro da cidade, fez pelo menos oito mortos – cinco homens e três mulheres; e os separatistas conseguiram tomar duas importantes bases ucranianas – uma da Guarda Nacional e outra guarda fronteiriça, ambas em Lugansk.

"Estado da Ucrânia já não existe"
Numa entrevista ao correspondente da BBC em Moscovo, Steve Rosenberg, o homem que se apresenta como presidente da autoproclamada República Popular de Donetsk, Denis Pushilin, afirma que a guerra civil é já uma realidade na região Leste e, pelas suas palavras, nada indica que os esforços diplomáticos possam ter algum sucesso nos próximos tempos.

"Já passámos o ponto de não retorno. Se não tivesse havido uma agressão de Kiev, sem vítimas, poderíamos ter feito um referendo para fazermos parte de uma federação ucraniana. Agora, quem sugerisse que deveríamos fazer parte de uma Ucrânia unida seria visto como um criminoso. Na prática, o Estado da Ucrânia já não existe", afirma.

Quanto à possibilidade de negociar com as autoridades ucranianas, Pushilin deixa três exigências que dificilmente serão aceites por Kiev: dialogar com mediação da Rússia; trocar prisioneiros; e ver uma retirada imediata das forças ucranianas de Donetsk, região a que se refere como "o nosso território".

Sobre a presença de russos nas suas fileiras – 33 dos quais morreram nos combates pelo controlo do aeroporto de Donetsk, no início da semana passada –, o líder separatista insiste que são "voluntários".

"Continuam a chegar voluntários, e não apenas da Rússia. Vêm mais da Rússia, porque nós e os russos somos um único povo. Nascemos no mesmo país – a União Soviética; crescemos com os mesmos ideais, temos os mesmos heróis; foram os nossos pais e os nossos avós que derrotaram os nazis", afirma.

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