Hollande preside a cerimónia irrepetível por muitas razões

Líderes desavindos celebram, na Normandia, o início da libertação da Europa. A memória da guerra não os vai aproximar.

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Já restam poucos veteranos que tenham desembarcado na Normandia Pascal Rossignol/Reuters

Dezanove chefes de Estado e de Governo celebram esta sexta-feira, em Ouistreham, o desembarque das tropas aliadas na Normandia. Será uma cerimónia irrepetível, por muitas razões.

A primeira dela é a presença de veteranos da guerra, podendo esta ser a última vez que as cerimónias oficiais – que só se realizam nas chamadas datas redondas – contam com a presença dos antigos soldados. “Nem acredito nisto. Estou muito orgulhoso, tenho os olhos cheios de lágrimas”, disse à AFP o antigo soldado americano Louis Masciangelo, um entre o grupo de veteramos homenageados com a Legião de Honra, a mais alta condecoração francesa. Masciangelo tem 93 anos.

São já poucos os soldados que travaram a longa e sangrenta batalha das praias da Normandia e que ainda estão vivos. Por isso, os seis meses de celebrações dos 70 anos do desembarque – começou aos primeiros minutos do dia 6 de Junho de 1944 – centraram-se sobretudo nos homens que, no terreno, suportaram a guerra. Mal os relógios deram a meia-noite, uma linha de fogo-de-artifício iluminou as praias do desembarque, de Ouistreham a Saint-Martin-de-Varreville – ou de "Sword" a "Utah Beach", como lhes chamaram os americanos. 

O ponto alto das comemorações é esta sexta-feira, com a cerimónia em que estarão presentes 19 governantes e monarcas. Mas o programa oficial vai abrir com uma homenagem inédita – pela primeira vez, os civis franceses que morreram nos bombareamentos aliados do Dia D vão ser lembrados. 

Só no dia 6 de Junho de 1944 morreram três mil civis; entre Junho e Setembro morreriam 20 mil. A historiografia francesa considera-os mártires, diz a AFP, mas nunca tinham sido lembrados na comemoração do desembarque e o Presidente François Hollande vai fazê-lo, em Caen, onde um monumento e um museu recordam a II Guerra Mundial.

A quantidade de líderes que vão estar na cerimónia de Ouistreham – do primeiro-ministro da Nova Zelândia ao grão-duque do Luxemburgo – vai permitir ao mundo recordar o esforço colectivo que foi preciso para derrotar a ameaça hitleriana. Mas esta guerra já está distante e a sua memória não deverá ajudar o anfitrião, Hollande, que tem alguns problemas protocolares para resolver, uma vez que alguns dos antigos aliados estão hoje muito distantes.

O Presidente russo, Vladimir Putin, terá que evitar cruzar-se com o americano Barack Obama e com a alemã Angela Merkel. Rússia, Estados Unidos e Alemanha estão no auge da divergência devido à crise na Ucrânia (cujo novo Presidente, Petro Poroshenko, também estará presente). Para evitar constrangimentos, Hollande já teve, na quinta-feira, que jantar duas vezes, uma com Obama, outra com Putin. 

O Presidente francês realizou reuniões à margem da comemoração e previa fazer outras mais, tentando aproximar os pontos de vista. Não conseguiu até aqui nem se prevê que tenha êxito no tempo que dura a celebração irrepetível também pelo clima de hostilidade entre os participantes.

Hollande conseguiu, porém, um triunfo diplomático – fez as pazes com a rainha inglesa, Isabel II, que ficou de fora da lista de convidados quando Nikolas Sarkozy era Presidente, em 2009 (estarão seis membros da realeza inglesa na cerimónia desta sexta-feira) e criou um laço pessoal com o primeiro-ministro David Cameron, que, segundo a imprensa inglesa, aceitou ser o “par” de Putin durante todo o dia.

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