Pena de raptor de Rui Pedro reduzida para três anos

Supremo Tribunal de Justiça encurtou em seis meses condenação de raptor de rapaz desaparecido em 1998.

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O camionista Afonso Dias vê a pena de rapto ser confirmada pelo Supremo Ricardo Castelo\NFACTOS

O Supremo Tribunal de Justiça reduziu, de três anos e meio para três anos, a pena do camionista condenado por raptar Rui Pedro, o menino que nunca mais ninguém viu desde Março de 1998, altura em que desapareceu de Lousada, onde morava com os pais.

O camionista Afonso Dias começou por ser absolvido do rapto em 2012 pelo Tribunal de Lousada. Porém, os pais do jovem recorreram para o Tribunal da Relação do Porto, que o condenou mais tarde a três anos e meio de prisão efectiva.

O advogado da família de Rui Pedro, Ricardo Sá Fernandes, mostra-se agradado com a decisão dos juízes do Supremo: “Acho bem. O essencial era que este crime não ficasse impune. Era muito injusto”, observou.

Em comunicado, o STJ explica que a decisão de manter a condenação e reduzi-la para três anos de prisão efectiva por rapto agravado foi tomada com dois votos favoráveis e um vencido do colectivo de juízes conselheiros.

A nota ressalva que o tribunal apenas decidiu sobre a "matéria de direito" e que da matéria provada "não constam os factos que levaram ao desaparecimento do menor Rui Pedro". Da matéria provada pelo Tribunal da Relação do Porto, resulta que "o arguido convidou Rui Pedro, na altura dos factos com 11 anos, a deslocar-se no seu automóvel” alguns quilómetros “para ter relações sexuais com uma prostituta que sabia encontrar-se na berma estrada”. O comunicado acrescenta que o arguido provocou “desejo e ansiedade no menor para manter relações sexuais pela primeira vez com uma mulher, ocultando-lhe, porém, a sua manifesta imaturidade e impreparação para tal acto, e sabendo perfeitamente que o mesmo sofria de epilepsia e que os pais se oporiam absolutamente se soubessem o que se estava a passar.”

Para os juízes conselheiros, "a lei considera que também há crime de rapto quando o arguido, por meio de astúcia, desloca a vítima do local onde se encontrava, para que outra pessoa pratique, contra aquela vítima, atentado à liberdade e autodeterminação sexual".

Ascendente
O acórdão que condenou Afonso Dias teve ainda em consideração o "forte ascendente do arguido sobre a vítima". Segundo a decisão, esse ascendente torna "mais grave" o facto de o arguido ter omitido a Rui Pedro "a anormalidade em que consiste um miúdo de 11 anos (...) ser levado para ter relações sexuais com uma prostituta da beira da estrada, a quilómetros de casa".

O acórdão lembra que, uma vez perante a prostituta, Rui Pedro se enervou, começou a tremer e a chorar, disse que tinha sido levado para ali pelo arguido, contra a vontade da mãe, e nunca manifestou o desejo de manter relações sexuais com a prostituta.

"Mas nada disto importunou o arguido e de nada disto ele alertou Rui Pedro. Por não o ter feito, é legítimo pensar que o arguido actuou astuciosamente, logrando a deslocação de Rui Pedro consigo, o que só ocorreu devido à referida ocultação de realidades", lê-se.

A decisão recorda que Afonso Dias tinha tido um percurso de vida, à data dos factos, que impede considerá-lo com "qualquer diminuição mental".

"A consciência que o arguido tinha, do terreno ilícito que pisava, aflora ainda no facto de ter tido que dizer falsamente, à prostituta, que Rui Pedro era seu sobrinho e tinha mais de 14 anos".

Quanto à pena aplicada a Afonso Dias, o STJ refere que - numa moldura penal de 2 anos e 8 meses a 10 anos e 8 meses de prisão - o condenou a 3 anos de prisão efectiva, tendo em conta que "a responsabilização do arguido se analisa na imputação de uma sequência de factos que não inclui o desaparecimento" de Rui Pedro.

"Nem se pode afirmar, com segurança, que tal desaparecimento foi uma consequência do rapto praticado pelo arguido", concluiu o STJ, acrescentando que "a pena deve ficar muito próxima do mínimo legal", fixando-a "em três anos de prisão".

O acórdão condenatório teve o voto vencido da juíza Isabel Pais Martins que começa por lembrar que o rapto exige a transferência da vítima de um lugar para a outro por via da violência, ameaça ou astúcia. Segundo a magistrada, o acórdão "afastou e bem" a violência e a ameaça, mas deu por preenchida a astúcia, sendo neste ponto que "radica a sua discordância": "A meu ver, a astúcia (ardil ou manobra fraudulenta), no contexto do ilícito de rapto, reclama que o agente engane outrem (a vítima) sobre o significado, o propósito e as consequências da acção de ser deslocada de um local para outro. Não se compreendendo, pois, o preenchimento da astúcia por omissão", disse. com Lusa

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