Obama acusa Rússia de pôr em causa união da Europa com “tácticas sombrias”

A liberdade na Europa “não está automaticamente garantida”, disse o Presidente americano em Varsóvia, onde se reuniu com o novo Presidente ucraniano, Petro Poroshenko.

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Kevin Lamarque/Reuters

O Presidente norte-americano, Barack Obama, acusou nesta quarta-feira a Rússia de usar “tácticas sombrias” para desestabilizar a Ucrânia, num discurso proferido pouco depois de se ter reunido com o recém-eleito Presidente Petro Poroshenko, a quem deixou rasgados elogios.

Se um dos pontos principais da visita do Presidente norte-americano à Europa era reforçar a legitimidade do recém-eleito Presidente ucraniano, as autoridades de Kiev não se podem queixar. Num encontro com Petro Poroshenko, em Varsóvia, Barack Obama mostrou-se “profundamente impressionado com a sua visão” para o futuro da Ucrânia, e lançou uma dura acusação a Moscovo, em forma de pergunta: “Depois de tanto sangue derramado e tantos meios gastos para unir a Europa, como podemos nós permitir que as tácticas sombrias do século XX definam o século XXI?”

“Não aceitaremos nunca a ocupação da Crimeia pela Rússia, nem as violações da soberania da Ucrânia”, declarou o Presidente dos Estados Unidos, num discurso no centro da capital polaca, a primeira etapa de um périplo pela Europa que culminará na sexta-feira, em França, com as comemorações do 70.º aniversário do Desembarque na Normandia.

Para além dos discursos, Barack Obama anunciou também um reforço da ajuda às autoridades de Kiev. O valor, ainda que quase simbólico (cinco milhões de dólares, ou 3,6 milhões de euros), servirá para equipar as forças ucranianas com coletes à prova de bala e óculos de visão nocturna, entre outras peças de equipamento, e soma-se a outros 18 milhões de dólares (pouco mais de 13 milhões de euros) desbloqueados desde Março.

A chegada de Barack Obama à Europa coincide com uma das semanas mais sangrentas desde o início das ocupações de edifícios governamentais no Leste da Ucrânia por milícias separatistas pró-russas.

Se o Presidente norte-americano acusa a Rússia de usar “tácticas sombrias do século XX”, Moscovo responde que o campo de batalha no Leste da Ucrânia “não pode acontecer numa Europa do século XXI”.

“O que estamos a assistir hoje ultrapassa todos os registos cruéis e tristes de épocas passadas”, disse à agência Reuters Konstantin Dolgov, responsável pelos Direitos Humanos no Ministério dos Negócios Estrangeiros russo.

Também nesta quarta-feira, os líderes do G7 reúnem-se em Bruxelas, na Bélgica, sem a presença do Presidente russo, Vladimir Putin. Em declarações ao Parlamento alemão antes da reunião, a chanceler Angela Merkel indicou que os líderes dos países mais industrializados vão reforçar as acusações à Rússia e instar Putin a controlar os separatistas.

“É decisivo que o Presidente Putin use a sua influência para levar os separatistas a não cometerem actos de violência e intimidação. Se isso não acontecer, não vamos hesitar em impor novas sanções”, disse a chanceler alemã.

Caos no Leste da Ucrânia
Pouco depois de ter sido declarado vencedor das eleições presidenciais na Ucrânia, o oligarca Petro Poroshenko prometeu que a revolta separatista no Leste do país seria travada “numa questão de horas”. Desde então, à medida que as horas se foram transformando em dias, e os dias em mais de uma semana, as províncias de Lugansk e Donetsk assumiram em definitivo a face de uma região em guerra, com dezenas ou centenas de mortos e milhares de civis a fugirem à violência dos combates.

A situação no terreno é mais confusa do que nunca, com o governo interino de Kiev a afirmar que as suas forças mataram mais de 300 separatistas e feriram outros 500 entre terça e quarta-feira, só na cidade de Slaviansk, e os líderes das milícias separatistas a desvalorizarem esse número e a garantirem que a contagem de vítimas mortais é-lhes favorável.

O autoproclamado presidente da Câmara de Slaviansk, Viacheslav Ponomarev, disse que os combates fizeram dez mortos e 12 feridos nas suas fileiras, um número que parece mais próximo da realidade, segundo o relato de jornalistas no local, como Tim Lister, enviado da estação norte-americana CNN.

Para o jornalista, o número avançado pelas autoridades de Kiev é “incrivelmente difícil” de confirmar e, a ser verdade, representaria “uma escalada dramática em relação a tudo a que já se assistiu”.

Numa prova de que a rapidez com que Kiev iria travar a revolta no Leste era pouco mais do que um desejo, os separatistas conseguiram arrancar uma importante base militar das mãos das forças governamentais nesta quarta-feira, em Lugansk, ao fim de um cerco que durou dois dias. A base 3035 de Lugansk, como é conhecida, já tinha sido alvo de uma tentativa de assalto pelos combatentes rebeldes na semana passada, mas desta vez a sua acção foi bem-sucedida.

Para além desta base da Guarda Nacional, as milícias separatistas conseguiram também assumir o controlo de um posto da guarda fronteiriça em Lugansk, que foi fustigado por fogo pró-russo durante 12 horas na segunda-feira. Na terça-feira, quando ainda decorria o cerco, um dos guardas ucranianos que tentavam guardar o complexo disse ao The New York Times que muitos deles queriam render-se, mas que o seu comandante não estava disposto a negociar. “Sinto pena deles. Estamos a tentar conversar com o comandante, mas ele não quer falar”, disse ao jornal norte-americano Liudmila Ivanovna, uma das pessoas que tentou negociar a rendição dos guardas fronteiriços.

Mas nenhum dos combates dos últimos dias no Leste da Ucrânia terá chocado mais a população do que um ataque da aviação ucraniana contra o quartel-general dos separatistas em Lugansk na segunda-feira.

As bombas caíram no centro da cidade e mataram oito pessoas – cinco homens e três mulheres, detalharam os líderes rebeldes e as forças ucranianas.

As autoridades de Kiev começaram por negar o seu envolvimento no ataque, dizendo que as explosões tinham ocorrido no interior do edifício, mas uma avaliação dos membros da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) confirmou que o ataque partiu do ar: “Com base na observação limitada da Missão Especial de Monitorização, estes ataques resultaram de rockets não-guiados disparados a partir de uma aeronave. O número de vítimas não é conhecido.” No mesmo comunicado, a OSCE avança que “vários” habitantes da cidade e da província de Lugansk “tentaram escapar à zona de combates”, e que “os comboios para Karkhov e Kiev pareciam estar com a lotação esgotada para os próximos dois dias”.

É cada vez mais difícil distinguir informação de contra-informação, de ambos os lados do conflito, mas a violência dos últimos dias tem levado a um afastamento cada vez maior entre o Leste e o resto do país.

Uma imagem que se confirma também nas declarações de habitantes da região, ouvidos por jornalistas ocidentais.

Em Lugansk, Anatoli, de 75 anos, comentava com desprezo uma manifestação de pró-russos em Donetsk, numa conversa com um dos enviados do The Washington Post: “Isto é uma multidão de zombies. Querem voltar aos tempos da União Soviética”; em Lugansk, Roman Semkalo, de 43 anos, jogava com as palavras para acusar Kiev de terrorismo: “Isto não é uma operação antiterrorista. É uma operação de terror contra o seu próprio povo.”

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