Os trabalhos de Felipe

Pode a monarquia sobreviver ao fim do “juancarlismo”, a forma peculiar como o monarca exerceu o seu cargo?

Na solene, curta e propositadamente medida mensagem ao país ao fim da manhã desta segunda-feira na qual anunciou a sua abdicação, o Rei Juan Carlos anunciou as qualidades do seu sucessor, Felipe de Borbón. Quando, ainda este mês, for coroado Felipe VI, o primogénito do monarca espanhol tem pela frente uma agenda carregada. Um autêntico caderno de encargos. São vários e difíceis os trabalhos de Felipe.

A sobrevivência da monarquia, ou seja, a continuidade do regime constitucional institucionalizado com a transição democrática que pôs fim à ditadura franquista, é o objectivo. Não por a sucessão dinástica estar em perigo, mas por, na sociedade espanhola, existirem movimentos que põem em questão o modelo de Estado.

Sectores tradicionalmente minoritários, como as diversas tendências dos republicanos, consideram ter chegado a hora de promover um referendo sobre a forma de organização da democracia espanhola. A erosão das instituições, que ainda poupou a Coroa, manifesta-se em todo o seu esplendor devido à crise económica.

A Espanha não é imune à fragmentação política. Os resultados das eleições europeias de 25 de Maio foram marcados pela diminuição de percentagem de votos e de deputados eleitos dos conservadores e socialistas, que sempre se manifestaram confortáveis na monarquia constitucional. Que a defenderam.

O aparecimento de novas forças que questionam a monarquia alia-se ao debate sobre a unidade do Estado. O modelo de organização política e a unidade de Espanha foram o acervo do desempenho dos 39 anos de Juan Carlos como monarca. As forças centrípetas afirmam-se na Catalunha, com um referendo a favor da independência cujas repercussões só podem ser travadas por Bruxelas pelas disposições do Tratado de Lisboa que sublinha a estabilidade das fronteiras dos estados-membros.

O actual monarca mereceu o respeito e obteve a cumplicidade dos líderes nacionalistas como Jordi Pujol, quando o nacionalismo lutava, apenas, pela democracia. A Catalunha de hoje, com Pujol radicalizado, vai dar a resposta à pergunta dos milhões. Sobreviverá a monarquia ao fim do “juancarlismo”, a forma peculiar de Juan Carlos exercer o poder, a um tempo de incertezas?

Terá Felipe VI a mesma capacidade política de Juan Carlos I, quatro décadas depois do fim da ditadura? A memória de um passado marcado pelo mais duro combate, uma guerra civil fratricida, sobrepor-se-á aos desejos de mudança de hoje, que alguns afirmam com urgência?

Felipe de Borbón, 46 anos, terá cumplicidades geracionais na vida política ou entre os opinion makers? A sua liderança será reconhecida pela juventude espanhola, como a dos anos 1970 se reviu na do seu pai?

Com poderes limitados constitucionalmente, o novo monarca terá de fazer gestos claros. Casou com uma plebeia, divorciada, de classe média/baixa, ao arrepio dos seus namoros aristocráticos da juventude. Foi perdendo os amigos ricos e de sempre do colégio Los Rosales, de Pozuelo de Alarcón, mas sintoniza com as necessidades dos jovens da rua?

Pode influenciar no combate ao desemprego juvenil, flagelo que atinge com especial rudeza a Espanha e Portugal? Será suficiente o reconhecimento do problema para que Felipe VI seja reconhecido como “um dos nossos” pelos jovens da rua? Ou os seus defensores serão, apenas, os idosos agradecidos à habilidade política do seu pai?

Felipe de Borbón é simpático. Felipe VI tem de ganhar consistência política para manter a sua utilidade como Chefe de Estado.

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