À conversa sobre O Independente Portas prognostica fim dos jornais em papel

O actual vice-primeiro-ministro e o escritor Miguel Esteves Cardoso reconheceram os "erros de juventude" do jornal, confessando um "grande prazer nisso".

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Paulo Portas falou aos jornalistas no fim do debate no Parlamento Foto: Carlos Lopes / Arquivo

O vice-primeiro-ministro Paulo Portas e o escritor Miguel Esteves Cardoso conversaram este sábado sobre os tempos em que fundaram e dirigiram o jornal O Independente, lembrando a ambição e as provocações dessa aventura e reconhecendo enganos.

Neste encontro, que aconteceu numa loja de produtos portugueses da irmã do presidente do CDS-PP, Catarina Portas, em Lisboa, Paulo Portas prognosticou o fim dos jornais em papel - "posso estar a ser pessimista, mas acho que isso vai desaparecer, e não é só cá" -, afirmou que hoje é leitor do seu então concorrente Expresso e considerou que já não se volta da política para o jornalismo.

Por sua vez, Miguel Esteves Cardoso referiu o sonho que ambos tinham de criar "um pequeno partido conservador" e expressou um sentimento ambivalente face aos "erros de juventude" do jornal: "Tínhamos um grande prazer nisso. Estamos arrependidos, mas éramos novos, fazíamos pouco, era a nossa infância, e pedimos desculpa, e agora envergonho-me, mas gostei de ter feito".

Antes, em resposta a uma pergunta de Catarina Portas, que moderou esta conversa, Paulo Portas tinha afirmado: "Envergonhamo-nos do que pedimos desculpa, isso com certeza. Fizemos coisas que não estavam certas, e magoámos pessoas injustamente, e pedimos desculpa por isso - várias vezes".

O Independente foi um jornal semanário criado em 1988 e durou 18 anos. Pelo meio, em 1995, Paulo Portas saiu para se dedicar à política no CDS-PP.

O vice-primeiro-ministro considerou que é apenas "um caso visível" de alguém que passou do jornalismo para a política, "mas ele há muitos, mesmo que não vão para a política". E excluiu um retorno: "Da política para o jornalismo já não se volta".

Os dois apontaram como especial uma entrevista que fizeram ao histórico secretário-geral do PCP Álvaro Cunhal.

"Eu acho - não tenho a certeza - que o início da entrada da entrevista era 'Éramos três reacionários à mesa do café'. Foi completamente provocatório", disse Portas, dando razão a Cunhal na exigência de verificar que "o título correspondia ao que ele tinha dito e não era nenhuma simplificação".

A propósito da mesma entrevista, Esteves Cardoso recordou que num "momento de vaidade" se espantou pela reunião de "três pessoas que escrevem tão bem" e questionou: "Qual será a próxima vez que três pessoas tão brilhantes se juntarão outra vez à mesa?".

O escritor contou como andaram "durante um ano atrás de capitalistas" que financiassem o jornal, congratulou-se pela liberdade editorial que tiveram e por terem seguido o princípio de que "vale a pena fazer as coisas só porque apetece", declarando: "Nós publicávamos primeiro, e depois logo se via - e isso era uma política muito boa, que se perdeu".

Segundo Portas, O Independente veio dar cor a um cenário de imprensa que era "tão monotemático, tão cinzento" e inovou, entre outras coisas, no grafismo, no espaço dado à fotografia e ao assumir que não era neutro e tinha opinião, apresentando-se politicamente como "democrata e conservador".

O presidente do CDS-PP disse ainda que aquele jornal "não teria sido o que foi se não tivessem existido aqueles dez anos de uma maioria absoluta como a que existiu" - do PSD liderado por Aníbal Cavaco Silva. "A nossa relação com a maioria era, diria, tensa", qualificou, sorrindo.

Interrogado se faz falta agora um jornal novo, Portas retorquiu que os jornais em papel "não têm um longo destino", mas Esteves Cardoso avançou uma solução para a sua sobrevivência: "O caminho da edição dos livros", com jornais "caríssimos, todos selados, que ninguém sabe o que está lá dentro" e sem "website", que "só se consegue ler comprando".

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