Falta de tempo e troika empurram Governo para mais impostos e cortes salariais

Regresso dos cortes salariais em vigor em 2013 e aumento de dois pontos percentuais na taxa normal de IVA compensariam 85% do impacto do chumbo do Tribunal Constitucional.

Foto
Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças Rui Gaudêncio

O reduzido lapso de tempo de que dispõe até ao final do ano para fazer aprovar e passar à prática medidas que permitam obter receitas adicionais significativas é o principal obstáculo que enfrenta o Governo no seu objectivo de compensar o impacto orçamental do chumbo do Tribunal Constitucional a três medidas do Orçamento do Estado.

A revogação das três normas pode representar um rombo nas contas do Governo para este ano da ordem dos 800 milhões de euros. Por um lado, o corte salarial na função público que está previsto no OE e que foi agora chumbado representa em termos líquidos (considerando também o efeito que tem na receita fiscal) uma verba próxima de 1000 milhões de euros para a totalidade do ano. Uma vez que a decisão do tribunal em relação a esta medida apenas se aplica a partir do mês de Junho, o impacto será de cerca de 580 milhões de euros.

Depois, há o corte nas pensões de sobrevivência, avaliado pelo Governo no OE 2014 em 100 milhões de euros, e as taxas de 6% sobre o subsídio de desemprego e de 5% sobre os subsídios de doença que deverão superar ligeiramente os 100 milhões de euros.

No total, o Governo fica com uma deterioração de cerca de 800 milhões de euros para resolver. Se decidir que o quer fazer aplicando novas medidas de austeridade, o facto de ter de tomar medidas que terão de contar com a aprovação da Assembleia da República e que, por isso, já só deverão começar a produzir resultados na segunda metade do ano, limita as opções do executivo.

Uma das opções mais óbvias é reformular os cortes salariais para a função pública, regressando à versão em vigor em 2013. O Tribunal Constitucional deixou claro no seu acórdão que o chumbo da medida se deveu ao facto de esta ter agravado a penalização aos funcionários públicos de forma excessiva, o que parece abrir a porta a que um corte semelhante ao que estava antes em vigor volte a ser aceite. Nesse caso, o Governo teria de fazer aprovar no Parlamento uma nova proposta de cortes que na melhor das hipóteses entraria em vigor em Julho. Para os funcionários públicos, que em Junho voltam a receber os salários brutos que tinham em 2010, haveria um regresso aos cortes de 2013. Com esta medida, o executivo recuperaria cerca de 300 milhões de euros.

Ficariam a faltar 500 milhões de euros. A outra hipótese de medidas de correcção do défice de efeito rápido é o aumento de impostos. De acordo com um estudo publicado pelo Governo, uma subida da taxa normal do IVA em 0,5 pontos percentuais tem um impacto anual na receita de 190 milhões de euros. Isto significa que, mais uma vez partindo do princípio de que uma nova medida entraria em vigor em Julho, um acréscimo de dois pontos percentuais no IVA (passando a taxa normal para 25%) traria aos cofres do Estado em 2014 mais 380 milhões de euros.

Outra hipótese, aplicada no passado, seria a imposição de uma sobretaxa de IRS sobre o subsídio de Natal tanto no sector privado como no sector público. Em 2011, uma taxa que cortava metade do subsídio, a partir do valor do salário mínimo, garantiu cerca de 800 milhões de euros aos cofres do Estado. Esta medida é bastante eficaz, mas, para além de ser das mais impopulares, não resolveria o problema orçamental dos anos seguintes.

Evitar a aplicação destas medidas e aproveitar antes a existência de uma eventual folga orçamental este ano é outra das possibilidades que o Governo pode estudar. O défice de 2013 ficou abaixo do que estava previsto, tornando mais favorável o ponto de partida para este ano e o Governo reviu as suas previsões de crescimento económico, o que poderia ajudar na execução orçamental. Além disso, existem ainda 911 milhões de euros de dotações provisionais e reservas orçamentais por usar no OE 2014. A maior dificuldade a este nível será, contudo, convencer os responsáveis da troika de que é possível não tomar qualquer medida adicional e mesmo assim cumprir o objectivo de 4% do défice. O Governo ainda tem de submeter a sua carta de intenções da avaliação final ao FMI e à União Europeia, na qual terá de constar a resposta do Governo ao chumbo contitucional.

Além disso, o Governo terá ainda até ao final do ano de estar preparado para novos contratempos provenientes do Tribunal Constitucional. Em avaliação ainda está, por exemplo, a contribuição extraordinária de solidariedade que, à semelhança do que aconteceu com os salários, foi agravada em 2014. Se o tribunal a chumbar, o Governo estará sujeito a um novo agravamento do défice nos últimos meses do ano.

Sugerir correcção
Comentar