Prisões devem afinal mais de 40 milhões de euros ao Serviço Nacional de Saúde

Auditoria apontava dívida de 13 milhões, mas faltava contabilizar facturas por pagar antes de 2010 e depois de 2012. Hospital Júlio de Matos admite recorrer à Justiça para receber cinco milhões.

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O Governo já tinha anunciado o abandono do plano para construir novas prisões por causa das restrições orçamentais Nuno Ferreira Santos

A Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), tutelada pelo Ministério da Justiça (MJ), deve, afinal, mais de 40 milhões de euros ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), garantiu ao PÚBLICO fonte dos serviços prisionais.

A dívida é referente a serviços prestados com o internamento de arguidos inimputáveis e internados em unidades de saúde mental não prisionais, como os hospitais Sobral Cid, Júlio de Matos e Conde Ferreira. O PÚBLICO havia noticiado recentemente que a dívida era de 13 milhões, conforme o relatório da última auditoria preliminar que a Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça revelava. Porém, a mesma fonte esclareceu que aquela parcela refere-se apenas a facturas emitidas entre 2010 e 2012 e que, no relatório, faltou mencionar outras por pagar antes de 2010 e depois de 2012, o que explica o escalar da dívida.

Apesar de decorrerem negociações, nem o Ministério da Saúde (MS) nem o MJ se entendem sobre quem paga, afinal, as despesas relativas ao internamento de condenados inimputáveis.

Há cerca de 300 inimputáveis internados em Portugal — ou seja, pessoas que cometeram factos qualificados como crimes mas que, por força de uma anomalia psíquica, os tribunais entenderam que deviam ser afastadas, sim, mas não ir para uma prisão normal.

Só no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, vivem, actualmente, 34. E é esta unidade de saúde que suporta todos os custos — roupa, segurança, tratamentos, terapias e alimentação. E é assim, diz Isabel Paixão, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL), porque o MJ não está a cumprir com a sua parte.

O MJ rebate. Certo é que, desde Maio de 2010 e até Março deste ano, o Júlio de Matos tem a haver quase cinco milhões de euros, segundo Isabel Paixão. O último recurso será ir para tribunal, diz a administradora, em declarações ao PÚBLICO, e exigir o pagamento.

Neste momento, continua a administradora, é sua obrigação fazer tudo para que a dívida seja paga: já enviou cartas, está a preparar uma “exposição mais detalhada à tutela”, espera ter resultados.

O esforço para manter estas pessoas — que, sublinha, estão ali porque houve uma ordem da justiça “e não porque houve uma prescrição médica” — tem sido “enorme” e o hospital tem ele próprio dívidas a vários fornecedores porque o Estado não lhe paga.

Contactada pela agência Lusa, fonte da DGRSP esclareceu que a justiça está a seguir o que se encontra consagrado no Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais e no Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade. “É garantido ao recluso o acesso a cuidados de saúde em condições idênticas às que são asseguradas a todos os cidadãos”, refere um dos seus  artigos, segundo o qual “o recluso é, para todos os efeitos, utente do SNS”.

A DGRSP entende assim que “a responsabilidade pelos inimputáveis internados no SNS, ou em entidades convencionadas, está cometida ao SNS”. Já a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), do MS, que recentemente fez uma auditoria ao CHPL, comunicou a Isabel Paixão que era seu dever “accionar todos os meios” para reaver o que é devido ao hospital.

Para a IGAS, diz a administradora, o que leva ao internamento não é a prestação de cuidados de saúde, mas antes o estado de perigosidade criminal e a necessidade de garantir que o condenado não volta a cometer crimes. “A pessoa pode ter alta médica, mas não pode sai porque a justiça decidiu que devia cá estar”, explica Isabel Paixão. Os inimputáveis do Júlio de Matos ficam em média 12 anos internados.

Os crimes contra as pessoas são os mais frequentes (40%) no universo nacional de inimputáveis internados, segundo a DGRSP. Seguem-se incêndio e fogo posto (23%) e homicídios (17%).

“Obviamente desagradável”

Segundo a Lusa, a justiça também não tem pago a outras instituições, nomeadamente ao Hospital de Sobral Cid, em Coimbraj que, contactado pelo PÚBLICO, disse que não irá comentar o assunto por ele estar a ser debatido pelas tutelas. No Sobral Cid, a quem o MJ deve cerca de 20 milhões, existirão cerca de 100 doentes.

Para o director do Programa Nacional para a Saúde Mental, Álvaro Carvalho, este é “um processo desagradável”, mas “está a ser resolvido pelas duas tutelas”. O responsável lembra ainda que “quando estão aqui em causa medidas de segurança, essas não competem à saúde”. E que “há aqui um acerto que seguramente vai ter de ser encontrado junto dos responsáveis do MS e do MJ”. Ao PÚBLICO, nem o MJ nem o MS esclareceram o que está a ser realmente feito para encontrar uma solução.

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