O PS vai finalmente escolher entre António José e António Luís?

Seguro e Costa têm uma longa história de desencontros. Mas a razão para o afastamento é classificada como "mito". O que os distingue e une em 35 anos de militância socialista comum

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Um dos primeiros gestos de António José Seguro, à frente do PS, fez António Costa levantar-se e sair porta fora. Foi no dia 11 de Setembro de 2011 - dez anos depois do atentado às Torres Gémeas, em Nova Iorque - e ambos estavam em Braga, no encerramento do XVIIIº Congresso do partido, o primeiro com Seguro como secretário-geral, após ter vencido as eleições directas, contra Francisco Assis, em Julho. Seguro decidiu ser cortês, como costuma ser, com os jornalistas. Subiu à bancada onde trabalhavam. Cumprimentou um a um os redactores, repórteres fotográficos e assistentes. E entrou nos três estúdios onde as televisões emitiam, em directo. No estúdio da TVI, António Costa comentava, sentado entre os entrevistadores Paulo Magalhães e Constança Cunha Sá. Seguro irrompeu pela emissão em directo. Costa olhou para a cena, incrédulo. Sorriu, irónico, e pouco tempo depois levantou-se e saiu. 

Desta vez, três anos depois, é António Costa que rouba a cena a Seguro. Depois de um discurso de vitória, no domingo, em que anunciou “um novo ciclo político” e se congratulou por “em menos de um ano” ter tido duas vitórias eleitorais, Seguro foi corrigido por Costa. A vitória nas europeias não devia ser celebrada, antes devia motivar reflexão, porque “a maior tragédia (…) seria chegar às legislativas com resultados iguais a este”. Dois dias depois, com muitas pressões e telefonemas pelo meio, António Costa apresentou-se “disponível” para substituir Seguro - já não num directo televisivo, mas à frente do partido.

O que faz com que dois homens, da mesma geração, do mesmo partido, e com um percurso tão próximo, sejam tão irredutivelmente distantes?

As causas podem remontar aos tempos em que ambos se cruzaram pela JS. É um dos “mitos do partido”, a razão pela qual estes dois dirigentes se incompatibilizaram. Não terá, tanto, a ver com política. Não se lhes conhece nenhuma divergência estratégica fundamental. Mas em quase tudo os seus percursos são diferentes.

António Costa nasceu em Lisboa, numa família de intelectuais. A sua mãe, Maria Antónia Palla era uma conhecida jornalista e o seu pai, Orlando da Costa, um escritor, comunista. 

António José Seguro é filho de comerciantes, sem intervenção política, e natural de Penamacor, na Beira Baixa. 

Costa é quase oito meses mais velho que Seguro. Filiou-se na JS, com 14 anos, em 1975, e registou o momento para a posteridade, com uma foto tirada em frente à sede lisboeta do Bairro Alto, com o punho direito erguido e cerrado, camisa de meia-manga e ar imberbe, com Lisboa em fundo.

António José ia a caminho dos 18 quando, em 1980, adere ao PS, em Penamacor. Pouco depois vai para Lisboa, para estudar e presidir ao Conselho Nacional da Juventude. 

António Luís, desde o início dos anos 80, já é ouvido pelos “grandes”. E até passa pelas reuniões do grupo que debatia alternativas a Mário Soares no mítico sótão de Guterres, com Sampaio e Salgado Zenha.

Depois, ambos terão o seu momento de ribalta “juvenil”. Costa, candidato à Câmara de Loures, ensaiou uma corrida entre um burro e um Ferrari na Calçada do Carriche, e usava o mote “Em Loures o PS é mais à esquerda”. Seguro, na altura líder da JS, foi uma noite distribuir preservativos no Bairro Alto com um mote não menos equívoco que o de Costa: “Deixa-me seduzir-te”.

Seguro, que é tido por pacato e reservado, já foi detido (num protesto na Expo 92, em Sevilha, em que defendeu a auto-determinação de Timor). Costa, que parece mais dado a ímpetos e ousadias, gosta mesmo é de completar puzzles de nove mil peças e, mesmo em adolescente, tinha um prazer especial em redigir leis.

As aparências iludem
Nem Guterres, que Seguro apoiou desde o início, conseguiu promover um entendimento cordial entre ambos. Fizeram parte dos seus Governos, e só. Ferro apoiou-se ora num, ora no outro. E no final zangaram-se ainda mais. Costa era o líder parlamentar, Seguro sucedeu-lhe. Mas Sócrates queria o lugar. E nem passou um ano, já Sócrates era primeiro-ministro. Costa era o número dois. E Seguro, que queria ser secretário-geral foi parado por Jorge Coelho e ficou, pela última fila do parlamento, seis longos anos. O resto é o que se conhece.

Há duas semanas, Martin Schulz esteve em Lisboa. Costa e Seguro tiraram uma fotografia com o socialista alemão. Sorridentes, ambos agachados à equipa de futebol. Enquanto desciam o Chiado, pareciam cordiais, palmadas nas costas, sorrisos. Vieram as eleições e Costa - e muitos outros… - faltaram à comemoração no Hotel Altis. António José e António Luís - como diria Santana Lopes “estava escrito nas estrelas” - vão finalmente medir forças. Talvez aí se perceba, além das características que os distinguem, as divergências que os separam.
 

   

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