Três novas drogas a que a Europa está a dar especial atenção já foram detectadas em Portugal

São muito potentes. E tóxicas. Peritos europeus analisaram os riscos em Abril e já entregaram relatórios à Comissão Europeia e ao Conselho da UE. Uma das que está associada a mais mortes “imita” a cocaína.

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Droga vendida em pó, semelhante ao ecstasy Nuno Ferreira Santos

Três das quatro substâncias com “elevada potência e toxicidade” analisadas em Abril pelo comité científico do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência já foram detectadas no mercado português. Só uma delas, o MDPV, associada a 99 mortes, num curto lapso de tempo, a maior parte das quais na Finlândia e no Reino Unido, foi detectada em mais de 70 apreensões feitas nos últimos dois anos em Portugal, avançou ao PÚBLICO Ana Gallegos, coordenadora da secção da área das novas drogas.

O Relatório Europeu sobre Drogas 2014: Tendências e Evoluções, do Observatório Europeu (conhecido internacionalmente pela sigla EMCDDA) foi apresentado nesta terça-feira de manhã, em Lisboa, e menciona especificamente quatro novas substâncias psicoactivas que, em Abril, face aos relatos de várias intoxicações e óbitos, foram alvo de atenções dos peritos. São elas: a 25I-NBOMe, a AH-7921, a MDPV e a metoxetamina.

 Na prática, estas drogas podem ser mais perigosas do que as “originais” que pretendem imitar, respectivamente, o LSD (alucinogénio), a morfina (opiáceo), a cocaína (estimulante) e a cetamina (um medicamento com propriedades analgésicas e anestésicas). As quatro têm no seu cadastro o facto de terem estado presentes, em diferentes países, em mais de 200 intoxicações agudas e em mais de 130 mortes.

Os relatórios das avaliações de risco do EMCDDA já foram apresentados à Comissão Europeia e ao Conselho da União Europeia para servirem de base à possível adopção de medidas de controlo no espaço da União.

Alerta cannabis também em Portugal
Do grupo destas substâncias, a única que não foi detectada no mercado português foi a AH-7921, disse Ana Gallegos, do Observatório Europeu. Todas as outras, nomeadamente a MDPV, uma espécie de versão sintética da cocaína que também tem também sido identificada no mercado da UE em comprimidos semelhantes aos de ecstasy, foram encontradas em apreensões feitas pelas polícias portuguesas.

João Goulão, presidente do Conselho de Administração do EMCDDA, diz que não há elementos que permitam dizer qual é a extensão do consumo destas substâncias em Portugal, acreditando, contudo, que é residual.

As novas drogas, precisamente, estão no centro das atenções do relatório apresentado em Lisboa, numa sessão onde estiveram jornalistas de 25 países, como fizeram questão de lembrar Goulão e Wolfgang Götz, o director do EMCDDA.

Só no ano passado, e tal como o PÚBLICO noticiava esta manhã, 81 novas substâncias psicoactivas foram notificadas pela primeira vez junto do Sistema de Alerta Rápido da UE. São quase sete novas drogas por mês, o que é um recorde. Este ano já se contabilizam 34 novas substâncias.

Destacado, durante a sessão de apresentação, foi também “o desenvolvimento muito preocupante” do consumo de metanfetaminas no Sul da Europa. E o aumento da potência da cannabis que está disponível no mercado da UE e que está a fazer aumentar o número de episódios de emergências médicas relacionadas com o seu consumo, como sublinhou João Goulão.

O presidente do Conselho de Administração do EMCDDA disse ainda que isto está a acontecer também em Portugal, onde o consumo da cannabis já ultrapassou o da heroína como a principal razão que leva as pessoas a procurarem tratamento para a dependência.

Políticos “não estão interessados”
Na apresentação do relatório também se falou da crise. E não apenas do efeito que ela tem nos consumidores. Wolfgang Götz não escondeu o seu desapontamento quando, em resposta a um jornalista, acabou por desabafar: “Não sei como podemos continuar [o trabalho] se não tivermos recursos adicionais.” Falava da falta de recursos do Observatório.

O cenário não é encorajador, já que Götz acredita que os políticos “não estão interessados neste assunto”. O EMCDDA, notou, está a ter de trabalhar informação e analisar um número sem precedentes de novas drogas, sendo que desde 2010 os recursos são os mesmos.

O EMCDDA foi criado em 1993. A sua missão é fornecer à UE e aos seus Estados-Membros informação sobre drogas. O financiamento é assegurado pelo orçamento geral da UE.

Questionado sobre o que se passa em Portugal, João Goulão disse que a crise não se tem feito sentir muito nas estruturas que trabalham directamente com as dependências, porque o Governo percebeu que no actual contexto social isso seria um risco.

Ainda assim, Goulão admite que os problemas económicos podem estar a levar mais pessoas a consumir. “As pessoas usam drogas por dois motivos. Ou para potenciar o prazer, e aí temos os estimulantes e outras substâncias associadas a contextos mais recreativos. Ou para aliviar o desprazer. E aí temos sobretudo a heroína, o álcool, tranquilizantes, antidepressivos. Penso que o actual contexto social que se vive em Portugal tem conduzido a algum recrudescimento do uso de substâncias com os quais o cidadão pretende aliviar o seu desprazer.”

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