Medidas de consolidação por explicar valem mais de 1600 milhões de euros

Dúvidas sobre execução da despesa intensificam riscos. Conselho das Finanças Públicas diz que a estratégia é adequada ao “estado das finanças públicas”, mas aponta falhas.

Foto
O CFP, liderado por Teodora Cardoso, considera que os objectivos orçamentais são globalmente “adequados ao estado das finanças públicas” Rui Gaudêncio

A estratégia orçamental do Governo está adequada ao “estado das finanças públicas”, mas as incertezas e a falta de informação sobre o impacto de algumas medidas mostram que a pressão orçamental vai continuar nos próximos anos – a leitura é feita pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP) na análise, publicada nesta terça-feira, ao Documento de Estratégia Orçamental (DEO) de 2014 a 2018, onde identifica riscos em relação à execução de medidas com as quais o Governo conta reduzir a despesa pública em 2015.

Desde logo, o organismo presidido pela economista Teodora Cardoso alerta para o facto de o executivo prever poupar 123 milhões de euros com a aplicação dos programas de rescisão e requalificação em 2015 quando “o impacto tem sido sucessivamente revisto em baixa”; ou de não ser especificada a forma de poupança a conseguir em medidas sectoriais como o programa Aproximar (de reestruturação dos serviços públicos). E a estes riscos acrescenta um rol de “outras medidas previstas que podem aumentar a pressão orçamental mas cujo impacto se desconhece: a aplicação da Tabela Remuneratória Única [na função pública], a reavaliação de suplementos remuneratórios e o descongelamento de promoções e progressões nas carreiras”.

Uma das críticas que atravessa a análise do CFP tem a ver com a falta de informação sobre o que está em causa ou sobre o real efeito das medidas face aos objectivos previstos. O conselho calcula, aliás, que em 2014 e 2015 as medidas de consolidação orçamental não especificadas somam 1661 milhões de euros, cerca de um terço das medidas permanentes previstas para estes dois anos – 1144 milhões de euros em 2014, o equivalente a 0,7% do produto interno bruto (PIB), e 517 milhões no ano seguinte, correspondentes a 0,3% do PIB. As incertezas têm a ver com as medidas “para as quais não existe especificação que permita perceber a sua natureza e composição”.

Ao mesmo tempo, enquanto no OE apresentado em Outubro os aumentos da despesa ou as diminuições de receita não controlados pelo executivo representavam 1% do PIB, agora, o seu peso chega a 2,2%. A diferença, refere o CFP, é explicada pelo Governo com o facto de alguns efeitos específicos não se repetirem este ano, mas também com “novos riscos identificados com base na execução orçamental acumulada até Março”, nomeadamente na receita da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações.

O CFP diz ainda que seria importante que se identificasse, por exemplo, “o impacto do aumento de despesas associadas aos sistemas de pensões e às Parcerias Público-Privadas”.

Para Teodora Cardoso, que falou nesta terça-feira num seminário em Guimarães, é importante não apenas definir a estratégia, mas assegurar que o grau de “conhecimento das medidas e de acompanhamento” é suficiente para garantir o seu sucesso, cita a Lusa.

Em relação a 2015, com a revisão em baixa do montante das medidas permanentes a redução da despesa primária passou a ser “substancialmente inferior ao montante de medidas apresentado”. Uma das pressões identificadas resulta da evolução dos chamados consumos intermédios.

Se, em 2014, os gastos aumentam neste campo para 438 milhões de euros mesmo estando previstos cortes no valor de 460 milhões, no ano seguinte, a redução da despesa prevista (343 milhões de euros) “será inferior ao volume de medidas” (537 milhões de euros).

Outra crítica do CFP tem a ver com o facto de as medidas previstas para 2014 e 2015 parecerem “sobretudo ditadas pela urgência de conseguir resultados orçamentais” (baixar o défice para 4% este ano e para 2,5% no próximo). Mas para o organismo liderado por Teodora Cardoso não há dúvidas: os objectivos orçamentais “são adequados”, embora o Governo seja pouco claro em relação à orientação de 2016 a 2018.

“As medidas de consolidação orçamental identificadas no DEO/2014 restringem-se aos anos de 2014 e 2015 e concentram-se na urgência de conseguir resultados orçamentais nesse horizonte temporal, sendo insuficientes para fundamentar a mudança de estratégia macroeconómica que o cenário adoptado e uma revisão estrutural do processo orçamental pressupõem”, aponta o CFP.

Sobre o período de 2016 a 2018, que se refere já à legislatura seguinte, o CFP lamenta que o DEO seja “omisso quanto às medidas adicionais necessárias para atingir as metas” anunciadas e considera que seria desejável que, mesmo “com menos detalhe do que nas medidas para 2015, este documento explicitasse a orientação e o montante global das medidas de receita e despesa” implicitamente assumidas pelo Governo.

A evolução da despesa

Foi com a divulgação do DEO, no último dia de Abril, que o Governo desvendou o véu sobre as várias medidas orçamentais que vão substituir as reduções salariais na função pública e os cortes sobre as pensões.

A partir do próximo ano, desaparece a Contribuição Extraordinária de Solidariedade, mas é aplicada uma nova taxa com reduções menores (a chamada “contribuição de sustentabilidade”). Em vez do actual corte de 3,5% a 10%, às pensões acima de mil euros passa a ser aplicado uma redução de 2% a 3,5%. Os cortes adicionais de 15% e 40% (aplicados às pensões acima de 3500 euros) baixam para metade em 2016, desaparecendo no ano seguinte, altura em que se mantém a “contribuição de sustentabilidade.

É também a partir de 2015, ano de eleições legislativas, que o Governo se compromete a reverter 20% dos cortes salariais aos funcionários públicos e trabalhadores de entidades do Estado, com a intenção de em 2019 haver uma devolução total das actuais reduções (de 2,5% a 12% para as remunerações acima de 675 euros).

Ao mesmo tempo em que conta com uma perda de 885 milhões de euros com o fim da CES e a reposição dos cortes salariais na função pública, o executivo apresentou outras medidas para cobrir esta diferença. Com o aumento do IVA de 23% para 23,25%, conta arrecadar 150 milhões de euros (a reverter para o sistema de pensões). A estes somam-se 372 milhões que resultam da nova “contribuição de sustentabilidade” sobre as pensões, mais 100 milhões do aumento da Taxa Social Única paga pelos trabalhadores (de 11% para 11,2%) e ainda um montante adicional de 300 milhões de euros de uma contribuição sobre a indústria farmacêutica de impostos sobre o consumo.

Em relação ao cenário macroeconómico apresentado pelo Governo (um crescimento de 1,2% este ano, seguido de progressões de 1,5%, 1,7% e 1,8% nos anos seguintes), o organismo liderado por Teodora Cardoso diz que “parece equilibrado e razoavelmente prudente, sem enviesamentos aparentes”, embora com alguns riscos a ter em conta.

Sugerir correcção
Comentar