Seguro declara estado de “impasse político”

Líder socialista clama vitória por ter tido mais votos do “que a direita toda junta”. Mas a diferença foi curta e nem todos os socialistas estiveram na sala a aplaudir a “segunda vitória consecutiva” do secretário-geral.

A declaração soou solene e triunfante. Enquanto os resultados oficiais que ainda pingavam da mão cheia de ecrãs que o ladeavam, António José Seguro traçava o cenário que as europeias lhe revelavam do país. “Os portugueses querem outro Governo e querem que esse Governo seja liderado pelo PS”. Ignorar essa “realidade” era “colocar o país num impasse político”. Porque, rematava neste domingo no habitual local onde os socialistas se juntam para as noites eleitorais, “o actual Governo chegou ao fim”.

Duas semanas depois dos apelos a uma “vitória clara” e ao “voto útil”, o PS terminava a noite com cerca de quatro pontos percentuais de avanço em relação ao PSD e CDS. “O PS teve mais votos do que a direita toda junta”, clamou Seguro perante uma sala cheia de militantes e de elementos da Renovação Comunista.

E, no entanto, o ambiente nas salas do hotel não era esfuziante. Houve palmas e gritos de “mudança” quando o secretário-geral se manifestou “preparado para governar Portugal”. Ouviram-se aplausos e ergueram-se punhos no ar quando o líder socialista enviou o recado para o Presidente da República que era “imperativo sair deste impasse”.

E, apesar disso, não houve bandeiras a esvoaçar de forma frenética e ininterrupta, não se cantaram hinos partidários, nem banhos de multidão para a liderança à saída do Altis. A sala da “vitória” foi-se enchendo devagar ao longo da noite. Já estava bem composta quando o cabeça de lista Francisco Assis proclamou “uma verdadeira derrota histórica da direita portuguesa”. Mas de forma subliminar percebiam-se pequenos sinais. A direcção não desceu à sala das bases senão para as declarações oficiais. Não se misturou com a militância que se deu ao trabalho de comparecer. Os pequenos sinais revelavam que até nas bases se sentia que a vitória não merecia adjectivos. Quando Assis acabou de discursar teve de ser um assessor a acenar à assistência para lançar os aplausos na sala. Momentos antes, o ex-presidente do PS, Almeida Santos, já baixara o alvo socialista. Perante as projecções, chegou ao hotel a reconhecer que estas “não davam muito longe" das expectativas. “O PS é um partido de poder e um partido de poder não goza de muita simpatia”, resumia.

Ao longo da noite, os dirigentes do PS foram sendo confrontados com a vitória menos retumbante. Recorrendo aos mais variados argumentos para retorquir. “30% ou menos que isso, é quanto vale a direita”, repetiu por mais de uma vez o líder parlamentar Alberto Martins no hall do hotel. “Vitória expressiva”, declamou o poeta ex-deputado e candidato derrotado à Presidência, Manuel Alegre, antes de extrapolar um pouco as contas socialistas ao nível continental: “Foi a maior vitória de um partido de esquerda em toda a Europa.” Assis seguiu a mesma linha. “Nunca o PSD tinha ficado abaixo dos 31% numas eleições europeias”.

A verdade é que nas semanas anteriores, a expectativa era de uma vitória com outro avanço sobre a direita. Com a direita nos 25% e o PS mais perto dos 40%. Uma vitória inatacável que permitisse exercer pressão sobre o Presidente. Mas a estratégia exigia que, além de uma derrota que tornasse o governo politicamente ilegítimo, surgisse ao mesmo tempo uma vitória socialista que o elevasse à “alternativa” que Seguro dizia ser. E uma vitória com menos de 4% era tanto um “impasse” para o PS como a derrota era um “impasse” para a direita.

Na superfície da estrutura socialista não se assumiam dúvidas sobre o discurso da vitória. Mas a pergunta sobre uma possível ameaça à liderança foi feita. Alberto Martins desvalorizou. “Contar com críticas na vitória é uma coisa que não faz muito sentido”, disse aos jornalistas. O que não pode ter contraditório na sala da vitória, uma vez que as vozes críticas à liderança não estavam presentes. O “líder da unidade” – como Martins – o classificou não teve ao seu lado, por exemplo, o presidente da Câmara de Lisboa, António Costa. Que surgiu num canal televisivo a manifestar a esperança que “a próxima vitória não saiba a pouco”.

Também não estiveram na sede da noite eleitoral os jovens lobos parlamentares como o líder da distrital de Aveiro, Pedro Nuno Santos, ou o deputado João Galamba. José Sócrates apareceu, mas nos ecrãs televisivos. Para avaliar a noite dando a vitória ao PCP e ao candidato do MPT, Marinho e Pinto. Que até elogiou a “sofisticação” do discurso do ex-bastonário.

Mas horas depois, Seguro mantinha-se inabalável. As eleições tinham um “significado político absolutamente inequívoco e claro”. As europeias tinham coroado o PS como “vencedor” e declarado o sector político da direita como “o derrotado”. Para Seguro, um “novo ciclo” estava aberto e, por isso, o líder do PS apontou para Belém. Sobre os menos de 30% da direita, Seguro enviou o recado a Cavaco Silva. “Não querer agir sobre esta mensagem significa frustrar as expectativas de milhões de portugueses”, avisou antes de acrescentar que “a vontade dos portugueses não pode ser ignorada”.

As fichas estavam todas colocadas em Belém e nenhumas sobravam para o Parlamento. O secretário-geral arrumou qualquer possibilidade de avançar com uma moção de censura. “O PS não apresenta nem ponderou apresentar uma moção de censura nestas eleições”, garantiu Seguro. Até porque “era fazer um frete ao Governo”, rematou.

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