Festival da Rádio Faneca já emite os primeiros sons

Ílhavo prepara-se para viver três de animação cultural intensa, de 6 a 8 de Junho. Um evento no qual a população assume o papel de co-organizador e, simultaneaneamente, de protagonista

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Manuel Roberto

Com mais ou menos elementos, uma orquestra é sempre uma orquestra: um conjunto de músicos relativamente experientes e com conhecimentos musicais q.b. para surpreender uma assistência. Mas, em Ílhavo, essa espécie de regra está a ser contrariada. Cidadãos anónimos, de várias faixas etárias, e alguns até sem conhecimentos musicais, estão a dar corpo a uma orquestra muito particular. Chama-se Orquestra da Bida Airada e é apenas uma das componentes do Festival da Rádio Faneca, que vai decorrer de 6 a 8 de Junho. Um evento que faz questão de escapar à tentação de preencher os seus cartazes com grandes nomes da música nacional e internacional. Aqui, os protagonistas são os próprios habitantes da comunidade, que também são chamados a co-organizar o festival que foi buscar o nome a uma tradição antiga daquela cidade. A primeira edição realizou-se em 2012 e, este ano, o festival volta com a promessa de se realizar todos os anos.

Por estes dias, a praticamente duas semanas do evento, a azáfama é já grande, especialmente em torno dos ensaios da Orquestra da Bida Airada. São cerca de cem participantes, entre músicos e vozes, e ainda que o objectivo não passe por constituir uma orquestra profissional, urge garantir que a actuação do próximo dia 6 de Junho (22 horas) seja surpreendente. Mas, antes de partirmos à descoberta dos ensaios, há uma pergunta que se impõe. Porquê o nome Orquestra da Bida Airada? “Porque bida airada é um termo que existe no léxico das pessoas mais antigas daqui”, explica José Pina, da organização – e sim, é “bida” e não vida, uma vez que por estas bandas se troca o “v” pelo “b”.

E dificilmente o nome poderia ter sido mais apelativo, pelo menos para Paulo Nunes, um dos participantes da orquestra. “Decidi inscrever-me porque achei o nome muito interessante, soava-me a diversão”, relata este economista, de 35 anos. Paulo Nunes foi apenas um entre os cem ilhavenses que responderam ao desafio lançado, em Abril, pelo Centro Cultural de Ílhavo (CCI) e a câmara municipal, mas será talvez o único que participa nas três componentes da Orquestra da Bida Airada. “Como toco guitarra, estou no grupo dos instrumentos, mas também estou a participar nos ensaios dos grupos das vozes e percussão”, testemunha este ilhavense que, por estes dias, tem a agenda bastante preenchida. “Tenho de participar nos ensaios de cada um desses grupos, mas isto é muito divertido”, assegura. “É fantástico estar a trabalhar com crianças pequenas, adolescentes, e pessoas já com mais idade, ao mesmo tempo”, faz questão de sublinhar.

No grupo de percussão, a cujo ensaio o PÚBLICO assistiu, a idade dos participantes vai dos seis aos 60 anos, mas há um ponto em comum entre miúdos e graúdos: a satisfação de produzir sons e ritmos a partir de tubos, baldes de tinta, ou tão somente através de palmas. As orientações vão sendo dadas pelos elementos do grupo CRASSH (grupo de percussão), que assume a direcção artística da Orquestra da Bida Airada. “Os participantes estão com boa disposição e uma grande energia”, avalia Bruno Estima, dos CRASSH, ao mesmo tempo que assegura que a apresentação da orquestra ao público irá arrebatar o público.

Jantar nos becos, a convite dos habitantes

Ainda que seja um dos principais motivos de destaque do Festival Rádio Faneca de 2014 – até porque constitui a grande novidade em relação à primeira edição -, a Orquestra da Bida Airada é apenas uma das várias propostas apresentadas. Durante os três dias do festival não faltarão concertos musicais, arruadas, momentos de dança e também de cinema. Destaque para o evento “Casa Aberta”, que decorre no dia 6, e no qual o público terá a oportunidade de partilhar a mesa com os habitantes do centro histórico ilhavense. “Desafiámos os habitantes, mais uma vez, a preparem um jantar para alguns convidados. Este ano, optámos por fazer esses jantares nas ruas e nos becos, e não no interior das habitações, até porque entendemos criar um momento performativo durante os jantares”, justificou José Pina, director do CCI. A esta altura, a organização conta já com a adesão de um total de 20 moradores “de seis becos de centro histórico”.

No dia seguinte, dia 7, haverá “Concertos Inusitados” em vários espaços públicos e improváveis do centro da cidade. Entre as 15h30 e as 18h30 horas, haverá sempre um concerto a acontecer. À noite, Bruno Nogueira e Manuela Azevedo (Clã) juntam-se para “dar outra vida” a algumas canções pimba. Já no último dia, as propostas vão desde um baile à actuação de Mazgani, no Aquário dos Bacalhaus do Museu Marítimo. Todos os espectáculos e actividades do Festival Rádio Faneca são gratuitos, mas há algumas iniciativas sujeitas a inscrição prévia (mais informações em www.centrocultural.cm-ilhavo.pt).

Uma rádio que animava o espaço público

Uma vez que a aposta deste festival passa por envolver ao máximo os ilhavenses, a escolha do nome não podia deixar de recair “em algo que pudesse dizer muito a este território”, justifica José Pina, director do CCI. “E a Rádio Faneca foi o que nos pareceu mais óbvio, até porque tem um valor afectivo”, acrescentou, aludindo à “emissora” que se fez ouvir no jardim central de Ílhavo (actual Jardim Henriqueta Maia) entre a década de 40 do século passado e o ano de 1998. Nunca emitiu através das ondas hertezianas, mas, entre os ilhavenses mais crescidos, será difícil encontrar quem não tenha ouvido falar da emissão radiofónica que animava a cidade – vila até 1990.

Surgiu pelas mãos de um grupo de curiosos – ilhavenses de gema, claro está – que aos domingos se mobilizavam para passar música, com algumas dedicatórias e também alguma publicidade. Recorriam a uma aparelhagem simples, constituída por um microfone, um amplificador/misturador e duas colunas altifalantes enormes.

Eram outros tempos: as pessoas juntavam-se no jardim, a passear, e a animação radiofónica fazia mais do que sentido. De tal forma que, no Verão, a Rádio Faneca transferia a suas emissões no centro de Ílhavo para a Costa Nova, uma das duas praias do município, acompanhando os ilhavenses na sua rotina de veraneio. Durante o festival, mais concretamente no dia 6, a emissora vai voltar a fazer-se ouvir em directo para o Jardim Henriqueta Maia.

 

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