Portas chama pai da troika a Sócrates, que responde: “A mentira atraiçoa o mentiroso”

Líder do CDS-PP assinalou saída da troika com discurso junto ao relógio com a contagem decrescente que já estava a zeros.

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Rui Gaudêncio

Depois de o Governo ter deixado, de manhã, a tarefa de anunciar a aprovação do documento de estratégia – e não da estratégia em si – ao secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, o vice-primeiro-ministro Paulo Portas marcou o seu território político e fez a comemoração do 17 de Maio na sede do CDS-PP. O líder centrista convocou militantes por SMS, juntou a Juventude Popular e colocou-se na frente de um relógio a zeros para lembrar quem chamou a troika, porquê, o preço pago, e a forma de evitar ter todo o “sofrimento” de novo: não votando PS.

Portas lembrou que José Sócrates vai fazer campanha e pedir votos no PS, e pediu que os portugueses façam um “exame de consciência”. “Ele foi o pai do resgate, o padrinho da troika, o responsável por tanto sofrimento. Não lhe façamos a vontade.” O ex-primeiro-ministro não gostou: “Ao dr. Paulo Portas sobra-lhe em descaramento o que lhe falta em honestidade intelectual. A mentira sempre atraiçoa o mentiroso”, afirmou Sócrates ao PÚBLICO.

Um episódio que faz recordar outro ocorrido há dez anos, entre Portas e Sousa Franco, então cabeça de lista do PS às europeias de 2004. Na altura, o líder do CDS dizia que o ex-ministro das Finanças de Guterres era “o pai, a mãe, o avô, a avó, o gato e o periquito do défice”. E Sousa Franco respondeu simplesmente: “Vá chamar pai a outro.”

Ontem, mais contidos, tanto Portas como Sócrates pouparam na agressividade, mas mantiveram o tom. “A verdade é que a responsabilidade de empurrar Portugal a um pedido de resgate foi do dr. Paulo Portas e do dr. Passos Coelho, que criaram a crise política que o tornou inevitável, com o único objectivo de irem para o Governo”, afirmou o ex-primeiro-ministro.

Portas, por seu lado, admitiu que o caminho percorrido pelo Governo durante estes três anos “não foi certamente isento de dúvidas, tensões, dificuldades” , mas conseguiu manter a coerência na “linha de orientação”: Portugal “teria um só resgate, um só empréstimo, um só memorando e um só calendário com a troika” – a linha “certa”. Enquanto isso, outros “foram errando sucessivamente”. Controlar a dívida será “o melhor serviço” que se pode prestar ao futuro do país, defendeu. Com o fim do resgate, Portugal “não estará obrigado a negociar as suas leis com credores estrangeiros”, mas também não pode “regressar à irresponsabilidade”.

“O 17 de Maio também significa o fim da excepcionalidade. Porque o excepcional é em tempos excepcionais que se justifica.” O vice-primeiro-ministro referia-se à necessidade de recuperação de salários, pensões, reformas e ao debate do salário mínimo nacional na concertação social, para avivar a diferença que tentou marcar nos primeiros tempos de Governo, em que foi crítico de certas medidas de austeridade.

E falou em consenso. Para dizer que o país precisa de “dirigentes políticos e parceiros sociais com capacidade de entendimento, de compromisso, de consenso” para fazerem por sua iniciativa as reformas de que o país precisa em vez de serem obrigados a elas por entidades estrangeiras.

Face a isto, Sócrates contra-atacou: “O provedor dos contribuintes transformou-se no membro do Governo português que mais aumentou os impostos; o defensor dos reformados transformou-se no governante que mais rendimento retirou aos pensionistas.” Para concluir: “Infelizmente, a vida política do dr. Paulo Portas tem sido um somatório de truques e malabarismos e se pensa que sairá impune destas eleições, julgo que está enganado.”

Estratégia luso-irlandesa
Os compromissos do Governo para o pós-troika ficariam plasmados horas antes com a apresentação do documento “Caminho para o crescimento – uma estratégia de reforma de médio prazo para Portugal”. De manhã, ainda o relógio do CDS estaria a contar no Largo do Caldas, o Governo reunia-se num Conselho de Ministros extraordinário com um ponto na agenda: olhar para a frente, tal como fizera a Irlanda em Dezembro quando publicou a sua “Estratégia para o crescimento”.

As 65 páginas são um piscar de olho aos parceiros europeus e aos investidores internacionais, como assume o Governo – por isso, o texto foi escrito também em inglês e foi convidada a comunicação social estrangeira. Nele reafirma-se o compromisso de redução do défice até 2018 e de continuar o ritmo das reformas nos próximos anos, mas as principais medidas concretas inscritas no documento não vão além de 2015, o último ano da legislatura. A excepção acontece nos objectivos para o défice e da dívida, que vão até 2018 e que já constavam do Documento de Estratégia Orçamental (DEO) de Abril. As “principais medidas previstas”, uma lista que o Governo diz não ser exaustiva, assenta em três eixos: metas globais para “fomentar a competitividade”, para “promover o capital humano e o emprego” e para “racionalizar o sector público”.

No prefácio, Passos avisa: “Há ainda muito a fazer. Reformar é uma tarefa contínua; a disciplina orçamental uma responsabilidade diária.”

De resto, o que o Governo assume para além de 2015 são objectivos abrangentes já conhecidos, seja o de reduzir a dívida tarifária até 2020, aumentar o crescimento das exportações, implementar o novo quadro comunitário de apoio (Portugal 2020), dar continuidade à Estratégia Nacional para o Mar – aumentando o peso do sector no produto interno bruto até 2020 – ou garantir a aplicação do Plano Estratégico dos Transportes e Infra-Estruturas.

Confrontado no final do Conselho de Ministros sobre o facto de Passos Coelho ter prometido uma estratégia de médio prazo e afinal conter apenas medidas até 2015, o ministro da Presidência contrapôs que o documento “tem claramente um fôlego de médio prazo”, mas as medidas previstas é que são só até 2015. Porque, justificou, o Governo apenas se compromete com as que pode executar “no seu mandato”.     

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