Com Medeiros/Lucas no Taina Fest veremos Quixotes avançarem mar dentro
Pedro Lucas, criador dos O Experimentar na M'Incomoda, e o cantor Carlos Medeiros apresentam novo projecto este sábado no Taina Fest, em Lisboa, onde também veremos concertos de Nicotine's Orchestra, Jibóia da Mãe ou Alek Rein
Este sábado, seremos privilegiados. Numa casa do Minho em Lisboa, viajaremos mar adentro, entre gestas heróicas e histórias aparentemente banais, mas não menos heróicas. Esta tarde, Pedro Lucas e Carlos Medeiros mostram-nos o que andaram a fazer nos últimos meses.
Ouvimo-los nos últimos tempos nos O Experimentar na M’Incomoda, esse encontro fascinante de música tradicional açoriana com a contemporaneidade musical que o Ípsilon, lançado o segundo álbum, O Sagrado e o Profano, destacou como uma das melhores edições de 2012 (Lucas é o mentor do projecto, Medeiros colaborador e fonte de inspiração).
Serão agora Medeiros/Lucas e estão a preparar novo disco, inspirado pelas aventuras de um Dom Quixote imaginário que salta da Mancha para o mar que se prolonga dos Açores ao Mediterrâneo. Vamos ouvir canções “de aventura e desventura, de viagem física e existencial” na tal casa do Minho em Lisboa, num acontecimento chamado Taina Fest, co-organizado pela Lovers & Lollipops e pela Associação Terapêutica do Ruído. Lucas e Medeiros estarão longe de sozinhos.
Taina é expressão criada a norte que designa refeição prolongada e farta de comes e bebes. No Taina Fest, pega-se no sentido gastronómico e junta-se-lhe outro tipo de fartura: a de sons, de concertos, de música, portanto. Nascido em Barcelos, teve posteriormente edições no Porto e estreou-se em Lisboa em Março. A segunda edição lisboeta acontece hoje e dificilmente poderia realizar-se em local mais apropriado: o Grupo Excursionista e Recreativo Os Amigos do Minho, na Rua do Benformoso 244, no Intendente (a entrada custa 5€ e dá direito a petisco).
Cá um baixo, um salão com o inevitável balcão onde se servem os petiscos e as bebidas. Lá em cima, no terraço com vista para os telhados da cidade e coberto pelos ramos e folhagens de videira, a música (estamos em Lisboa, mas a casa é do Minho). Ao longo da tarde (o início está marcado para as 16h, o fim para as 22h), ouvir-se-á Jibóia da Mãe, ou seja o encontro sem rede entre a guitarra eléctrica de Jibóia e a clássica de Filho da Mãe (20h30), o rock e a soul “muy caliente” de Nicotine’s Orchestra (19h30) ou as novidades de Alek Rein (18h30), músico da folk e do psicadelismo de quem se esperam maravilhas quando se decidir por fim a dar sequência ao óptimo EP Gemini. Antes de todos eles, entre Lisboa e o Minho, abrir-se-á às 17h30 um outro espaço.
Juntam-se Pedro Lucas e Carlos Medeiros, o cantor terceirense de voz profunda que Lucas homenageou no nome do seu trabalho anterior (O Cantar na M’Incomoda é o título de um álbum que Medeiros editou em 1998, mais um nascido das recolhas musicais realizadas nas ilhas e que têm sido a base do seu trabalho). Lucas, nascido no Faial e habitante de Copenhaga há vários anos, conta que após um concerto em Ponta Delgada, ofereceu-se para produzir um novo disco de Medeiros. Este lançou-lhe uma contra proposta. Que o fariam, mas seria obra conjunta. “Depois, fomos passar uns dias para as traseiras de São Miguel, numa casa junto ao mar e andámos à procura”, conta Pedro Lucas. Gravaram algum material de Medeiros e enfiaram-se depois na biblioteca a procurar autores que dessem palavras à ideia que tinham. “Algo de quixotesco, mas em que a noção de quixotesco é bastante lata”: “Substituímos o cavalo e o burro de Dom Quixote e Sancho Pança por botes e marinheiros”.
Recolheram poemas de sefarditas ibéricos do século XVI, versejares tradicionais ou um relato da batalha naval do Lepanto, que em 1571 opôs a Liga Santa cristã e a esquadra do Império Otomano. “As crónicas de guerra, os sonhos e a aventura, de que [enquanto açorianos] não é possível escapar [dada a imensidão do mar em volta] e o mais corriqueiro, o mais terra-a-terra da marinhagem”, ilustra Pedro Lucas.
As maquetas a que tivemos acesso, primeira amostra de um álbum que será gravado no Outono e editado no início de 2015, mostram uma música de que está ausente a justaposição entre a produção electrónica e as recolhas que eram a identidade do Experimentar na M’Incomoda. Tudo gira à volta da voz preciosa de Carlos Medeiros, suportado por guitarra eléctrica, percussão discreta e alguma electrónica. “Apesar das texturas electrónicas, a intenção era que a música fosse mais orgânica. Tinha vontade de trabalhar de forma diferente e investir mais em canções originais”, explica Pedro Lucas.
No Taina Fest, apresentar-se-ão acompanhados de Pedro Gaspar, que cuidará da electrónica. A intenção é mostrar as novas canções em formato “cru, despido”. Ou seja, Medeiros/Lucas em construção. E nós com o privilégio de testemunhar a viagem enquanto esta acontece.