Erdogan, um político em pânico

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Em Agosto, há eleições presidenciais, e Erdogan quer ser Presidente reuters
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As minas, sobretudo as de carvão, foram sempre cenas de tragédias e comoções. A tragédia de Soma tem, no entanto, contornos próprios. Não foi apenas o mais grave acidente industrial de todos os tempos na Turquia. Transformou-se numa acusação directa ao Governo e ao primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan. Na quinta-feira, numa manifestação, um sindicalista empunhava uma bandeirola dizendo: “Isto não é um acidente nem é o destino, é um massacre.”

Era uma resposta a Erdogan cuja primeira reacção foi banalizar a tragédia. Durante a tensa visita ao local, disse que acidentes e mortes fazem parte da profissão. “São acontecimentos vulgares.” Enumerou, perante jornalistas estupefactos, todas as catástrofes mineiras no mundo desde o século XIX, procurando mostrar que Soma não foi uma excepção. Não soube transformar o resgate das dezenas de mineiros ainda soterrados numa epopeia redentora, como os chilenos fizeram em 2010. A sua reacção foi a de um político em pânico.

A falta de segurança nas minas turcas, em que os acidentes se repetem, é objecto de denúncia desde há anos. A Turquia recusa-se a ratificar as normas de segurança da Organização Internacional do Trabalho. Diz um dirigente sindical que 80% dos acidentes poderiam ser evitados com medidas de segurança mais rigorosas. Pior: há três semanas, o seu partido, o AKP, rejeitou a realização de um inquérito urgente à segurança nas minas, proposto pela oposição. Os media governamentais tentam desvalorizar o acidente.

Um jornal da oposição, Zaman, denuncia o poder pessoal: “Massacre na mina, sintoma de um regime de um só homem.” Lembra que a privatização das minas, tal como a dos estaleiros e outras indústrias, foi feita em benefício de investidores amigos do AKP. E lembra ainda que, numa entrevista recente, o administrador de Soma se vangloriou de ter reduzido drasticamente o custo da mineração: passou de 140 dólares por mil toneladas para cerca de 30. A imprensa turca põe em relevo o êxito da China em reduzir os acidentes nas minas.

A caça às bruxas
O clima político turco está envenenado desde que um tribunal de Istambul acusou, em Dezembro, familiares de vários ministros de corrupção em concursos públicos. Quatro ministros demitiram-se. A seguir, estaria no alvo do juiz a família do próprio Erdogan. Ele reagiu acusando o movimento Hizmet, do pensador sufi Fetullah Gülen, residente nos Estados Unidos, de ter criado um “Estado paralelo” e de conspiração para o derrubar. Foram sumariamente “saneados” milhares de polícias e juízes. A censura à imprensa foi dobrada e algumas redes sociais foram bloqueadas.

Erdogan prometeu “erradicar” o movimento Gülen. No domingo, declarou num discurso: “Clamam frequentemente que a luta contra o ‘Estado paralelo’ se transformou numa ‘caça às bruxas’. Se perseguir indivíduos que traem este país se deve chamar ‘caça às bruxas’, nós levaremos a cabo esta ‘caça às bruxas’.”

Em meados de Agosto, haverá eleições presidenciais. Erdogan quer ser Presidente da República e fazer adoptar um sistema presidencialista de modo a poder concentrar todos os poderes. Sob suspeita de corrupção, acusado de autoritarismo e de vocação de despotismo, a sua vitória não está automaticamente assegurada. Mas a vitória nas eleições municipais de 30 de Março reabriu-lhe o caminho para o poder supremo. Deverá em breve formalizar a sua candidatura.

A tragédia de Soma provocou uma comoção nacional. Os sindicatos convocaram uma greve geral de 24 horas. Estudantes e operários manifestaram-se em Istambul e Ancara. Dentro de dias celebra-se o primeiro aniversário da revolta na Praça Taksim.

A três meses das presidenciais, o fantasma de uma nova revolta e de mais uma quebra no seu prestígio são o pior cenário para a sua ambição. Por isso é um político em pânico.

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