Governo quer avançar com projectos-piloto de enfermeiros de família em centros de saúde este ano

O diploma que cria o enfermeiro de família, uma nova figura na área da saúde, está pronto. Falta saber se há recursos para cumprir este objectivo e quais as competências específicas que serão atribuídas a estes profissionais.

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Mais de 60 por cento das queixas foram arquivadas, sobretudo por desistência do doente. Rui Gaudêncio

O decreto-lei que vai criar uma nova figura na área da saúde, o enfermeiro de família, está pronto. O objectivo do Governo é que sejam criados projectos-piloto em cada uma das administrações regionais de saúde ainda no segundo semestre deste ano, refere o documento. Face ao contexto de crise, o presidente da secção Sul da Ordem dos Enfermeiros, Alexandre Tomás, teme que tudo se limite “à criação de uma nova designação, sem haver recursos para a pôr em prática”.

Há vários anos que a criação do enfermeiro de família, que trabalhariam nos centros de saúde, e a quem caberia o seguimento de famílias em vez de doentes individuais, é debatida. A Organização Mundial de Saúde defende a sua criação e alguns países europeus já funcionam com este modelo, explica o responsável da OE. Foi em 2012 que o Governo criou um grupo de trabalho multidisciplinar para estudar esta questão. O texto final do decreto-lei proposto pelo Ministério da Saúde está pronto e o ministro da Saúde, Paulo Macedo, disse esta semana que a sua aprovação estará para breve, sem avançar com datas.

No final do ano passado havia nos centros de saúde 7306 enfermeiros, face aos 33471 nos hospitais, referem dados da Ordem dos Enfermeiros. Alexandre Tomás diz que o que é preconizado é que cada enfermeiro de família acompanhe cerca de 300 a 400 famílias, fazendo as contas apenas para a região Sul estima que seriam necessários mais cerca de três mil novos enfermeiros nos centros de saúde.

“Não basta dizer que os enfermeiros que estão nos centros de saúde passam a chamar-se enfermeiros de família. É uma nova metodologia de trabalho”. O responsável diz temer que o Governo apenas esteja a criar “uma designação, sem haver dotação de recursos e mudanças organizacionais para pôr este modelo de cuidados em prática. Neste momento os enfermeiros não têm tempo para acompanhar famílias”.

O texto final do decreto-lei, datado de 14 de Abril, diz que o enfermeiro de família privilegiará “as áreas da educação e promoção da saúde, da vacinação, da detecção precoce de doenças não transmissíveis, da gestão da doença crónica e da visitação domiciliária.” Alexandre Tomás lembra que um projeto-piloto do enfermeiro de família arrancou em 2010 no Centro de Saúde de Vila Franca do Campo, na ilha de São Miguel, envolvendo 12 enfermeiros, que realizaram milhares de consultas em saúde materna, infantil, de adultos e de planeamento familiar, tendo a secretaria de Estado regional concluído que a população teve “ganhos de saúde”, refere.

Falta definir competências
Mas as questões que têm levantado mais polémica, nomeadamente as que dizem respeito a competências partilhadas com médicos, são deixadas de fora desta proposta de diploma do ministério que as remete para um momento posterior. A identificação das “áreas de partilha de responsabilidade nos cuidados de saúde na prestação de cuidados de enfermagem, em articulação com outros profissionais de saúde, nomeadamente com os médicos, é elaborada pela Direcção-Geral da Saúde, em colaboração com a Administração Central do Sistema de Saúde”, lê-se.

O objectivo será definir, mais tarde, “uma carteira de serviços específica de cuidados de enfermagem”, assim como "a produção de normas e orientações nas intervenções do enfermeiro de família nas áreas da gestão da doença crónica e nos programas de saúde" e, por fim, a forma como estes cuidados der organizam e articulam. A Ordem dos Enfermeiros reclama há anos um reforço de competências, nomeadamente o alargamento da sua actividade à gestão da terapêutica e ao acompanhamento de gravidezes não problemáticas. O ministro da Saúde, Paulo Macedo, veio esta semana recusar a ideia deste alargamento, designadamente à prescrição de meios complementares de diagnóstico. “Numa matéria tão delicada, que não é minimamente consensual quer em Portugal quer em termos internacionais, não há razão para haver um projeto quando temos bastantes outras prioridades”, citou o Jornal de Notícias.

Germano de Sousa, bastonário dos Enfermeiros, não gostou da resposta de Macedo. Disse não estar em causa a prescrição de medicamentos, que admite ser “uma área do médico”, mas a da gestão da terapêutica. “É uma matéria que nos preocupa porque há muita redundância”, disse, apontando o exemplo dos idosos que tomam o mesmo medicamento várias vezes ao dia, às vezes de marcas diferentes, com encargos para os utentes e para o Estado. No caso da renovação de receitas em doentes crónicos, poderiam ajustar a medicação, já que seguem regularmente os doentes, defende.

O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, sempre se manifestou contra este alargamento, tendo dito que “até para renovar uma receita tem de se avaliar um doente. Pode ser preciso mudar remédios e reavaliar e isso é competência médica”.

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