Obras ilegais destruíram painéis de azulejos de Maria Keil em Sintra

Azulejos forravam as paredes de um depósito de água à entrada para a piscina da Praia das Maçãs. Proprietários não tinham licença para fazer obras no local.

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Paredes exteriores do depósito de água estavam forradas com os azujelos, que acabaram destruídos nas obras DR
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Padrão dos azulejos destruídos coincide com o projecto da artista para a aerogare de Luanda, de 1954 DR

A demolição de um pequeno depósito de água privado que ficava entre a portaria do complexo de piscinas da Praia das Maçãs, em Sintra, e uma bomba de gasolina, resultou na destruição de dois painéis de azulejos da pintora e ilustradora Maria Keil. Os azulejos, que terão sobrado de um projecto da artista em Angola, forravam as paredes exteriores do depósito e foram parar ao lixo. A obra não tinha autorização camarária e foi embargada.

Os painéis, cada um com cerca de quatro metros quadrados, não estavam assinados mas o padrão coincide com o que foi desenhado por Maria Keil para a aerogare de Luanda em 1954. “Falei com ela sobre isso há uns anos e ela confirmou que eram dela”, diz Paulo Cintra, fotógrafo que costumava frequentar a casa da pintora falecida em 2012. “O que me choca é a destruição daquela memória", lamenta, estranhando que tal aconteça enquanto se multiplicam homenagens ao trabalho da artista, como a exposição recentemente organizada pelo Museu da Presidência da República, que percorreu várias cidades do país.

“Não tenho conhecimento de nenhum painel”, diz por seu lado Marco Costa, director-geral da Sintra Sol, responsável pela obra e proprietário do complexo de piscinas e de um empreendimento turístico. “Aquele muro era de um depósito de água em fibrocimento com dez ou 15 anos”, continua, lembrando que o hotel e as piscinas existem desde 1956 e que desde então “a portaria já sofreu várias obras”. Porém, uma pesquisa rápida no Google Maps revela que os painéis ainda lá estavam em 2010.

Mas o problema não se fica pela destruição do património. As obras não têm autorização camarária. “Recebemos um pedido de licença para obras, que incluem a demolição do muro e a colocação de uma cobertura na bomba de gasolina”, diz fonte do gabinete de imprensa da Câmara de Sintra. “No entanto, não houve até esta data [segunda-feira passada] qualquer decisão municipal”, acrescenta a mesma fonte. Após as questões do PÚBLICO, a Polícia Municipal foi ao local, levantou um auto de notícia, e na quarta-feira a câmara embargou os trabalhos.

Segundo o despacho de embargo, ao qual o PÚBLICO teve acesso, a obra inclui a demolição do pórtico da bilheteira para construir outro e aumentar o portão de acesso, e ainda a construção de uma laje assente em pilares de betão para aumentar a área de circulação pedonal junto à piscina.

O caso tem sido denunciado nos últimos dias nas redes sociais e através do blogue dos Amigos do Museu Nacional do Azulejo. “O muro foi demolido e todos os azulejos foram para o vazadouro, transformados em entulho, enterrados e sem recuperação possível”, critica o grupo.

Ao PÚBLICO, o historiador de arte José Meco classifica a situação como “lamentável”, sobretudo porque não é um caso isolado. “Acontece muito”, afirma. Este especialista em azulejaria lembra que Maria Keil, autora dos azulejos que revestem as paredes dos átrios e escadas de 19 estações do Metro de Lisboa (algumas projectadas pelo arquitecto Francisco Keil do Amaral, marido da pintora), é “uma das artistas mais representativas da azulejaria portuguesa”.

O historiador lembra que Maria Keil autorizou a fábrica de cerâmica Viúva Lamego, com a qual trabalhava, a reproduzir alguns dos seus desenhos. "Os azulejos do painel podem não ser restos do trabalho para a aerogare de Luanda, mas sim uma reprodução feita pela fábrica", admite. "Seja como for, é lamentável", sublinha José Meco, acrescentando que "a azulejaria moderna é a que está mais desprotegida".
 

Notícia corrigida às 14h10: os painéis tinham cerca de quatro metros quadrados, não dois metros quadrados

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